Um Portugal “præ-mortem”

O Parlamento aprovou na passada semana, sorrateiramente, um “pioneiro” diploma que permite a um homem ser pai depois de morto…

Refere-se o diploma, à permissão de a mulher que enviúva, proceder à inseminação post-mortem, de material genético do marido, preservado em determinadas condições com pré-consentimento do defunto. Perante um caso tão fracturante, admiro-me (ou talvez não) que tão pouco tenha este tema saído para o exterior. Com efeito, vivemos uma espécie de democracia que não passa muito de um tipo de ditadura de maioria não referendada (se bem que lamentável e constitucionalmente legal), configurada na maioria radical de esquerda que tomou o poder em Portugal, e a que se deu o nome de “geringonça”. Aproveitam, como que sofregamente, para fazer, ou tentar, passar legislação com uma carga ideológica profundíssima e desumana. E muita que não constava dos seus programas eleitorais, num desrespeito total pela real opinião daqueles que (ainda) votam.

Para que conste, quem aprovou o diploma, foi o PS, o Bloco de Esquerda, o PCP, o PAN, os Verdes, a Iniciativa Liberal, e as duas deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira (ex-Livre) e Cristina Rodrigues (ex-PAN). Do PS, cinco deputados ter-se-ão abstido.

Trata-se, basicamente, de um diploma que, em nome de um qualquer sentimento egoísta, pretende que se permita a criação/concepção de órfãos forçados, e, como tal, contranatura e chocante. 

Não entrando pela via religiosa, que tem a sua posição própria acerca da inseminação artificial e da paternidade, o caso em apreço diz respeito ao absurdo de uma mulher poder inseminar material genético de um homem que já morreu, neste caso o seu marido, para fecundar um ou mais óvulos. O “progenitor masculino”, como alguns gostam de dizer, não está vivo; a “progenitora feminina”, terá até um período de três anos, para fazer essa “obra”.“Obra” essa, que pode significar o nascimento de um ou mais orfãos, já que dessa fecundação poderá resultar um ou mais embriões, uns com sucesso, outros com insucesso.

O conteúdo ético deste diploma, não surpreendendo, já que vem de um bloco político que não tem qualquer consideração pela família tradicional, nem pela vida humana desde a concepção até à morte natural, é extremamente discutível no que diz respeito aos direitos das crianças.

É, além do mais, discutível por duas questões sociais que têm a ver com o direito de uma criança a ter um pai e uma mãe, e pela incerteza de que a mãe, ao enviuvar, poderá a posteriori decidir casar com outro homem (ou outra mulher…), acrescentando à criança, como se não bastasse a condição de ser orfã de pai, toda a carga possivelmente negativa, de vir a ter um padrasto (ou madrasta…), cujos sentimentos em relação a ela, e à forma como foi gerada, podem ser o mais díspares possível. Já basta quando a orfandade é natural!

Mais uma vez a esquerda – a dita democrática, e a que se baseia em ideais historicamente totalitários – afronta os direitos fundamentais das crianças, e o conceito de família natural, isto é, a que é constituída por um homem, uma mulher e os seus filhos, caso existam.

Vivemos tempos de ataque aberto à dignidade do ser humano, com a luta pela eutanásia, ignorando o desenvolvimento de uma boa rede de cuidados paliativos a anteriori, mas também com a criação, por incompetência política de décadas, de condições económicas que desincentivam a natalidade e também o casamento por falta de condições. Também uma profunda ausência de condições básicas para a maternidade, ao facilitar a possibilidade de uma mulher optar por abortar, ou seja, por matar um seu filho, antes de o mesmo ver a luz do mundo, não poucas vezes por não ter condições sócio-económicas, em pleno século XXI, para garantir a sua educação. Sendo que o Estado se demite de a ajudar, como lhe compete constitucionalmente, preferindo antes, oferecer-se para pagar o dito aborto…

Voltando aos direitos da criança, já acima referidos, parece que uma certa esquerda e uns certos liberais, vêem com bons olhos a desconfiguração de conceito de família nuclear, para preferir a criação de uma espécie de parelhas de pessoas, que nada tem a ver com a família estruturada. Ora, é está dá um indiscutível equilíbrio a uma criança em crescimento, que necessita da estabilidade da referência do seu pai e da sua mãe. 

E também uma certa esquerda, com os liberais, que pela lei pretendem facilitar, se não impor, a criação de um ambiente familiar descaracterizado a uma criança por uma família monoparental forçada ou desestruturada. E com o apreciável potencial de nela vir a entrar, de acordo com a nova lei, um padrasto ou madrasta (ficando assim a criança com a sua mãe natural e outra adoptiva), que nunca se sabe realmente que relação vai ter com o o enteado ou a enteada.

A cultura dominante vai muito longe, não surpreendentemente para quem está atento a estes temas, na desestruturação da nossa sociedade tradicional e secularmente constituída. Veja-se. Começaram por aprovar a lei do aborto. Preparam-se para descriminalizar, dir-se-ia mesmo incentivar, a eutanásia. Conseguiram pôr na lei o “casamento” de homossexuais. Estatuíram a adopção de crianças por casais homossexuais, que se arrogam o direito de impor a uma criança, sem que ela o possa escolher, uma espécie de paternidade contra-natura. Patrocina-se o aborto fácil, e gratuito, enquanto se não garante, no sistema nacional de saúde, o acesso aos cuidados essenciais aos mais carenciados. Prefere-se criar condições para matar um “velho”, ao interná-lo num qualquer “lar”, em vez de garantir às famílias que o desejem, condições para que o idoso possa manter-se na estabilidade do seu ambiente familiar. Abre-se o direito à morte artificial, vulgo eutanásia, em vez de garantir uma boa rede de cuidados paliativos técnica e economicamente acessível a qualquer português necessitado. Enfim, é grátis em Portugal morrer artificialmente, enquanto que é caro o contrário!

Tudo aquilo que fizeram, e aquilo que preparam, aqueles que detêm por agora o poder, permite antever um Portugal que chamaríamos de “præ-mortem”. Ou seja, um Portugal que morre por ameaça grave aos seus valores seculares. Um Portugal que definha, pelo espírito de mendicidade descarada face a outros países. Um Portugal que se descaracteriza, ao substituir a sua população forçadamente infértil, e envelhecida, por outra estrangeira, muitas vezes desinserida socialmente e desinteressada da cultura do país de acolhimento.

A cultura do aparente facilitismo, contribui para que muitos, insensivelmente, deixem correr este sistema corrosivo. O não empenho dos portugueses na direcção real dos interesses da sua Pátria, contribui para toda uma filosofia e incompetência que, oferecendo há quase cinco décadas “bacalhau a pataco”, o está a retirar cada vez mais da sua boca. E, assim, permitindo a instalação de bolsas de amoralidade, incompetência governativa, cleptocracia (praticamente impune) e inviabilização político-económica de um bonito projecto de séculos, de um Portugal soberano, invejável, humano e abrangente sócio-culturalmente.

Portugal está a afundar-se. Vivemos há muito numa Nação “præ-mortem”. Oxalá alguém, ou alguns, consigam corrigir o rumo a esta espécie de caravela modernista e atabalhoada que envergonha aquelas que no século XV, levaram novos mundos ao mundo!


António de Oliveira Martins
Engenheiro

* O autor usa a norma ortográfica anterior.

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  • Muito bem! Apoiado!

  • Excelente artigo!

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