
Já lá vão quase dois meses desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, e várias coisas se podem inferir do que entretanto se passou.
Neste momento tudo indica que a Rússia já desistiu de conquistar a Ucrânia, porque percebeu da maneira mais difícil que não tem capacidade para tal, e muito menos para manter o que conquistou, tendo sido expulsa da região de Kiev, de várias regiões, e de vários aeroportos que tentou conquistar nas primeiras horas.
Uma primeira constatação é que o exército russo não tem a capacidade bélica que se presumia ter, num mundo onde as doutrinas e equipamentos mudaram muito.
Em termos logísticos, por exemplo, está excessivamente dependente da ferrovia, o que até se entende num país com a dimensão da Rússia.
Mas os ucranianos, logo nas primeiras horas da guerra, destruíram a continuidade ferroviária no seu próprio território, pelo que os russos tiveram de recorrer a milhares de camiões, para levar os reabastecimentos às forças empenhadas, a partir dos terminais ferroviários, portuários e aeroportuários.
O problema é que não havia camiões suficientes e isso notou-se logo na primeira semana de combates, com enormes colunas paradas nas estradas, dezenas de carros de combate (CC) e viaturas de combate de infantaria (VCI) abandonadas, por falta de combustível e inúmeros soldados russos a pilhar coisas para comer ou a render-se sem luta.
Com os depósitos e terminais a dezenas quilómetros, seria necessária uma cadeia logística ininterrupta e redundante para que as operações não parassem. Foi por isso que os russos tentaram apoderar-se de aeroportos na área de Kiev, em ousados golpes de mão, que acabaram mal, porque os ucranianos prontamente contra-atacaram. De resto os ataques ucranianos às linhas de abastecimento foram determinantes no falhanço do avanço russo sobre Kiev.
De notar que a logística russa funciona numa lógica centralista, segundo a qual os reabastecimentos são enviados para as unidades que o comando operacional entenda como prioritárias, em contraste com a doutrina NATO, baseada na confiança, segundo a qual são as unidades que pedem o que precisam e os reabastecimentos são enviados para os locais onde estão a ser efetivamente necessários.
Isto explica por que razão há unidades russas que se movem rápida e agressivamente, e outras ficam paradas, sem meios para avançar, viver ou combater.
Tudo isto agravado por um plano operacional que dava como certa e segura a queda da Ucrânia em poucas horas, caso em que a logística seria relativamente simples.
De notar também o deficiente treino do grosso das forças russas.
A Rússia gasta nas forças armadas cerca de 10% do que gastam os EUA, pelo que tem de poupar em alguma áreas, entre as quais o treino, para manter os números no papel. Na realidade há unidades com falta de pessoal e equipadas com material antigo. Mesmo o mais recente, de um modo geral nivela pelo mais barato possível e os soldados são geralmente conscritos, mal treinados, mal informados, mal equipados e com salários de 30 ou 40 euros por mês. O tipo de soldado que se rende facilmente e é pouco efectivo em combate, não só pelas questões já referidas, mas também pelo factor moral.
E como não reparar na inadequação das expectativas, dos estudos, das doutrinas e das tácticas?
Para conquistar a Chechénia, a Rússia de Putin optou por uma ofensiva lenta e brutal, bombardeando cada aldeia, vila ou cidade até ao oblívio. A vitória foi alcançada sobre um enorme amontoado de ruínas, numa pequena região, com menos de 1 milhão de habitantes.
Ora a Ucrânia é um país bastante grande e tem 45 milhões de pessoas.
Tudo parece indicar que a liderança russa esperava, numa jogada de poker, que alguns ataques com mísseis e aviação, alvejando populações civis e certas infraestruturas, combinados com a ameaça de uma poderosa força mecanizada e blindada em movimento, fossem suficientes para provocar a claudicação de vontade de combater dos ucranianos, como aconteceu na Crimeia e na Geórgia. Na verdade até o CEMGA americano, General Miley, disse aos parlamentares americanos que previa que isso mesmo acontecesse em menos de 72 horas.
Mas as forças ucranianas resistiram bem, a liderança não fugiu, e o blitzkrieg psicológico falhou, pelo que a Rússia se viu obrigada a mostras as cartas e a entrar numa guerra convencional em larga escala, enfrentando, com forças mal treinadas, mal equipadas e mal abastecidas, um exército determinado e com inesperada capacidade combativa.
O lento avanço, fez-se à custa de perdas brutais e bombardeamentos massivos e indiscriminados. Este site ,bastante credível, dá-nos a dimensão verificável dessas perdas, que devem obviamente ser maiores.
À data em que escrevo, a Rússia terá já perdido cerca de 3000 viaturas, entre CC, VCI, artilharia auto propulsionada, apoio de fogos e de combate, radares, postos de comando, etc , 20 aviões, 32 helicópteros, 30 drones, 3 navios, 700 camiões, etc.
E estas perdas incluem material de várias gerações, estando na lista, por exemplo, CC desde o velho e soviético T64 ao T90, o que comprova o que foi dito acima.
Onde estão as fantásticas armas da propaganda russa?
O magnífico avião SU-57, ainda ninguém o viu e não foi por causa da tecnologia stealth. É que na verdade só se produziram uma dúzia deles, incluindo os protótipos. Pelos vistos até a India preferiu comprar o francês Rafale, um avião do século passado.
O ultra super espantoso CC T-14 Armata, só foi visto em paradas, em quantidades que se contam pelos dedos e numa delas teve mesmo de ser rebocado.
Quanto a baixas, a estimativa americana aponta para cerca de 10000, até 30 de Março.
Para termo de comparação, no Iraque, nas primeiras seis semanas, a coligação sofreu menos de 200 baixas.
E tudo isto para conseguir apenas tomar a cidade de Kherson.
Ou seja, exceptuando o arsenal nuclear (declarado), a Rússia é uma potência militar manifestamente inferior a mais de uma dezena de países.
Creio que se este exército russo tivesse pela frente uma força americana, teria perdido mais de 80% das forças em pouco tempo.
Há aqui, de resto, uma mudança de paradigma que nos obriga também a nós a reflectir.
O que esta grande batalha convencional veio revelar, é que uma força defensiva baseada em drones e plataformas mais pequenas, flexíveis, robóticas, precisas e fáceis de utilizar, pode travar um clássico ataque convencional blindado enxameando-o com simples, económicas, pequenas e letais armas e sensores, de forma a saturar as suas capacidades.
Mesmo sem uma excepcional preparação, um exército relativamente pouco organizado como o ucraniano está a destruir milhares de CC e VCI e outros veículos russos a um preço notavelmente económico.
Isto significa que os drones e robots, eventualmente a trabalhar em enxame, estão no cerne desta mudança de paradigma, porque o moderno campo de batalha detecta e alveja facilmente as grandes e caras plataformas, muitas das quais levaram anos a ser estudadas e produzidas.
Perder 100 drones de uma frota de 2000, é infinitamente mais vantajoso, em termos económicos, do que perder 100 carros de combate de uma frota idêntica, mesmo sem contabilizar as vidas humanas que, no caso dos drones, são nulas.
É que, por exemplo, um drone kamikaze SwitchBlade custa 6000 dólares e um CC Leopard 2, como os que nós temos, anda à volta de 6 milhões de dólares, já sem falar dos custos e das complexidades logísticas a montante.
Os EUA acabam de fornecer à Ucrânia 100 drones destes. Creio que se lhe tivessem fornecido 10000 há uns meses, o exército russo estaria em cacos a esta hora.
A Rússia também faz modernizações, claro, mas dentro dos antigos conceitos.
Recentemente tratou de organizar forças tarefa de escalão batalhão reforçado, com poucos homens, mas dezenas de viaturas pesadas, incluindo CC, VCI, artilharia auto propulsionada e uma panóplia de outros sistemas de apoio de fogos e apoio de combate, instalados em viaturas pesadas. Ou seja, muita massa, muita capacidade de fogo, muito combustível, muitas avarias, mas pouca flexibilidade. Além disso o material é de fraca qualidade e, como vimos, inclui as velharias soviéticas.
Isto é também um wake up call para nós.
Estamos também organizados para as guerras que já passaram e não parece haver planos ou vontade para grandes mudanças.
Talvez seja a altura de começar a pensar mais em drones, robots, armas precisas (tácticas e estratégicas, uns misseis SS de longo alcance são excelentes dissuasores) e treino individual elevado, e menos em grandes plataformas que dificilmente sobreviverão no moderno campo de batalha e que devem ser reservadas para quando e se houver que passar localmente ao ataque.
A Rússia tem também um problema de dinheiro.
Por dia, esta operação está-lhe a custar para cima de 15 mil milhões de dólares, pelo que os 650 mil milhões que estariam alocados à operação (uma quantia nada pequena para uma economia da dimensão da russa), já lá vão e não será fácil, com as sanções em crescendo, dar a volta a isto.
Neste momento, Putin aposta tudo numa pequena vitória no sudeste, para poder sair com uma imagem mais composta que lhe permita manter a liderança política.
Será contudo uma vitória pírrica, porque ficará a controlar uma população hostil e motivada, a sua fraqueza militar ficou internacionalmente exposta, a sua economia regredirá décadas, a sua palavra não merecerá confiança durante muitos anos, perderá o seu maior cliente da energia e, cereja em cima do bolo, a NATO estará agora mais forte, reforçada com novos membros e forças armadas mais musculadas, exatamente ali, nas fronteiras e nos países que a Rússia procurava recapturar e atemorizar.
Para aqueles que admiram a sagacidade de Putin, a realidade faz o mais implacável desmentido.
José do Carmo
* O autor escreve segundo a anterior norma ortográfica
Josephvss / Abril 13, 2022
Pois bem o Vladimir soma e segue (NovoRussiya e Rublo)!
O youtube cancelou o Homem porem: (ver tambem o buletim 76)
https://odysee.com/@STRATPOL:0/bulletin77:c
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Josephvss / Abril 13, 2022
Fresquinho 🙂 o Buletim 78
https://rumble.com/user/Stratpol
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Carlos2 / Abril 14, 2022
Penso que há uma coisa que se esqueceu. Os satélites que estão ao serviço das tropas ucranianas também foram uma ajuda preciosa.
Depois da guerra talvez possamos observar com mais clareza as acções dos vários intervenientes, o que tinham, como actuaram, etc.
Must watch on ‘Bucha Massacre’
https://odysee.com/@TheTruthSeeker:d/Must-watch-on-Butcha:2
Foreign reporters in Donbass
https://odysee.com/@TheTruthSeeker:d/foreign-reporters-in-donbass:b
Ukrainian soldiers have been bombing Ukrainians since 2014
https://odysee.com/@TheTruthSeeker:d/ukrainian-soldiers-have-been-bombing:6
Ukrainian war crimes MURDER filmed by Ukrainian soldiers
https://odysee.com/@davebegleypoet:4/Ukrainewarcrimes:6
Drones with liquid tanks & sprayers discovered in abandoned Ukrainian base
https://odysee.com/@RT:fd/drones_1304:f
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Carlos2 / Abril 22, 2022
OSCE officer detained in Lugansk People’s Republic
https://odysee.com/@RT:fd/arrest_2204:5
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