
Na minha família, cidade, país e civilização, há pessoas, grupos e países de que não gosto. Que têm feitios, defeitos, atitudes e características que detesto ou de que discordo. Mas é a minha família, a minha cidade, o meu país, a minha civilização.
Definem a minha identidade e pertença.
É por isso estou do lado deles, sempre que há confronto, competição, diferendo ou conflito com o “outro”. Não por dever ou correcção política, mas porque é isso mesmo que sinto.
E porque faço parte desses grupos, vejo quase como esquizofrénico ser “contra” aquilo de que faço parte, é como ser contra mim, é como um cancro que ataca o próprio corpo que o gera.
Por isso tenha uma grande necessidade de compreender a razão pela qual há tanta gente no interior da civilização ocidental que odeia a sua própria pertença, quando os colectivos que lhe dão a identidade, aos sucessivos níveis, são postos em causa por outros grupos, países ou civilizações.
De onde vem esta patologia?
O que leva os wokes a destruírem estátuas, a denegrirem a sua própria identidade e pertença, a sua História e os seus valores? Que os motiva a atacarem, com manifesto ódio, os fundamentos da sociedade a que pertencem?
No caso do conflito que a Rússia desencadeou, que leva tanta gente, nas nossas sociedades, a identificar-se com o agressor, a justificá-lo, a relativizar, a verbalizar o constante whataboutism, a denegrir e atacar o seu próprio grupo, país, civilização, alianças e valores?
De onde vem este impressionante ódio e antipatia para com a própria pertença cultural e civilizacional, como se fossem coisas externas ao individuo em causa e não constituídas também por ele?
Uma das coisas que imediatamente se nota é que se trata sempre de pessoas de certas elites sociais, ou que se acham como tal, pessoas que se consideram “melhores”, mais esclarecidas e iluminadas, as últimas bolachas do pacote, pessoas que parecem sentir desprezo pelos valores que herdaram e pelos seus conterrâneos que os defendem ou aceitam.
Outra, é que é um fenómeno típico de civilizações que obtiveram sucesso mas começam a deixar de acreditar em si mesmas.
Roger Scruton (England and the Need for Nations, 2004), chamou a este desconcertante fenómeno, oikofobia, descrevendo-a como a “predisposição para, em qualquer conflito, tomar partido por ‘eles’ contra ‘nós’ e a necessidade de denegrir os costumes, instituições, cultura, etc, identificáveis como ‘nossas’”.
Sugeriu ainda que o surgimento desta fobia acompanha tipicamente o declínio civilizacional, sendo identificável em todas as grandes civilizações que a História documenta.
O mecanismo, segundo Scruton, é quase uma Psico-História:
Na primeira fase, um povo forte mas ainda pobre, ameaçado, incivilizado ou inculto, desperta e cresce, impondo-se aos povos vizinhos. É um tempo em que a união entre os indivíduos é essencial para a sobrevivência, porque o grupo é mais pobre e a segurança básica depende da cooperação entre eles. O prestígio individual alcança-se na luta contra o “outro”. Os heróis celebrados pela História, pelas lendas e pelos mitos são os indivíduos que tudo fizeram para elevar o nível do colectivo a que pertencem. Veja-se, a título de exemplo, o que está a acontecer na Ucrânia, com a maioria dos indivíduos a cooperarem entre eles, sem mais interesse aparente do que assegurarem a sobrevivência face a uma ameaça poderosa.
A certo ponto, o grupo pode atingir um auge, real ou sentido como tal, e surge uma expressiva classe de pessoas com riqueza, poder e tempo para o lazer.
Nessa sociedade de lazer, a cooperação já não é predominante, e aqueles que prosseguem os patamares superiores da pirâmide de Maslow, como o prestígio, procuram a afirmação, já não na luta contra o “outro” externo, mas contra o “outro” do seu próprio grupo.
É isso que explica a inveja pelo novo carro do vizinho, a ostentação dos pequenos sinais, etc.
É isso que leva estas “elites” a enveredarem pela crítica da sua própria cultura, como forma de se destacarem da “plebe” e afirmarem assim a sua suposta superioridade e prestígio. A evolução do processo leva a que progressivamente, este tipo de pessoas encare os seus próprios concidadãos, e valores, como mais detestáveis que os de outras civilizações ou culturas.
É chegada a fase da oikofobia.
Em suma, o sucesso de uma civilização e a ausência de ameaças existenciais, é, paradoxalmente, o requisito principal, para o ódio a si mesmo.
Se repararmos, por exemplo nas redes sociais, uma das pretensões mais frequentemente verbalizada por estas pessoas, é a ideia de que só elas pensam pela sua cabeça, só elas estão informadas, só elas são capazes de ver todas as vertentes do problema, em contraste com os outros do seu grupo, aquela massa ignara, estúpida, carneiral, manipulada pela televisão e por forças ocultas, secretas e poderosas, num delírio que entretece todas as teorias da conspiração e todas as paranoias.
Estes indivíduos consideram-se a si mesmos a elite que vê mais além, que percebe o que a massa não percebe, que conhece a Verdade por detrás das aparências, e é nesta competição “doméstica” que rejeita a cultura dos que acha “atrasados”, e automaticamente se vê a si mesma como estando acima de todos os outros.
O aumento da hostilidade para com os “deploráveis” é hoje especialmente notório nos Estados Unidos, o país que ainda é o mais poderoso do mundo mas já passou o cume e está a decair, debilitado justamente pela oikofobia, nos seus pilares sociais, culturais, políticos e militares.
Lá, como cá, um grupo humano tão enquistado em lutas internas, em que uma grande parte da população odeia a sua pertença, está condenado a descer até ao ponto em que volte a ter necessidade de cooperar para enfrentar a ameaça existencial de um inimigo externo.
Nesta questão da Ucrânia, este mecanismo está amplamente exposto e o que se vê é que não são só os wokes que detestam a sua pertença.
O mesmíssimo fenómeno acontece com aqueles que se dizem o seu oposto mas que, na verdade, odeiam de modo similar a sua civilização e tomam partido pelo “outro”, exactamente pelo mesmo motivo:
– A necessidade de alcançarem por essa via um senso superficial da própria singularidade.
E isso é a prova cabal de que o “ser do contra” é apenas uma máscara para a mesmice subjacente.
A oikofobia é hoje um fenómeno dominante na Civilização Ocidental, e é uma pena, porque o orgulho nela é inteiramente justificado (aceitando também as suas deficiências e erros), já que decantámos o melhor período da História do Humanidade, no que toca a bem-estar, saúde, riqueza, abundância, paz, respeito e prosperidade.
Face aos oikofóbicos que proliferam hoje no espaço mediático e público, a única consolação é perceber que, contrariamente ao que eles julgam, não são uma “elite iluminada” ou a última bolacha do pacote, mas apenas um produto perverso do sucesso das sociedades que criticam e de que fazem parte, pessoas perturbadas, com complexos de inferioridade que sublimam a dissonância construindo um mito de imaginária superioridade face aos restantes membros do seu grupo, a plebe, os “carneiros” e os “deploráveis”, naquilo que Freud designou por “narcisismo das pequenas diferenças” (Civilização e seus descontentamentos, 1930).
José do Carmo
* O autor escreve segundo a anterior norma ortográfica.
JLopes / Maio 31, 2022
Trata-se da maneira gramsciana de substituir o marxismo/ que tem como objectivo silencioso e gradual de tomar o poder, capturando desde os anos 60 as Universidades, os média e por incrível que pareça apoiado por bem na vida incluindo capitalistas, nada de novo, aconteceu na URSS apoiada e financiada por famílias e grupos financeiros globais, acontece nos regimes socialistas comunistas, na América do Sul apoiados por narcotraficantes e banqueiros branqueadores, África e na Europa através do apoio ao Foro de S.Paulo, pressões como o de Soros para impedir a eleição de Orban e por cá com toda a imprensa e média, ler Gramschi é perceber como o marxismo , sem proletários, surgem as causas dos coitadinhos, dos perseguidos de grupos minoritários, como o gayzismo, as mulheres desprezadas e que ideiam a beleza feminina, vivendo mal na pele que não aceitam por desdém, os grupos que não se orgulham da cor da pele e que se dizem perseguidos se a vida não lhes corre bem, preferindo o tribalismo e o ódio mesmo de entre os seus iguais, os abortistas e a cegueira das que desprezam a contracepção preferindo abortar e alargar o aborto para além das 12 semanas, por gente triste e sem horizonte de vida, no entanto todos estes movimentos, são mais fortes nos países ricos, não têm tradução nos países como a RPC, nos países pobres e muito menos nos dependentes da Arábia Saudita e nos Islamistas como a Zunfonédia, Zpakistão, Chechenia ou na Rússia marcista
Gramschi como Marx foram sempre uns tristes e complexados, como os seus seguidores.
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JLopes / Maio 31, 2022
indinésia, Pakistan, Chechenia…
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JM / Maio 31, 2022
Bom texto, boa avaliação da nossa situação civilizacional, mas o perfil descrito encaixa um pouco melhor, embora a pertença partidária não seja exactamente o tema, no apoiante do BE e nesta guerra quem mais tomou o partido “do outro” foi o apoiante do PCP. Isto porque aqui há também “pequenas diferenças” na equação, para além de simplesmente o nosso estádio civilizacional.
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Josephvss / Maio 31, 2022
😂 Um pouQinho de humor . . . enjoy😎
https://www.youtube.com/watch?v=HgJMdK0KlwQ
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Carlos2 / Junho 4, 2022
Não ver e/ou evidenciar o que certas ONGs, fundações e indivíduos como soros, etc, andam a fazer em prol da destruição, é não ver grande parte do problema e nunca conseguir chegar a algumas soluções.
Se eu quero viver de cabeça erguida não posso praticar actos e/ou ter certos comportamentos que depois me envergonhe/denigram. Caso contrario irei dar razão, justificação, protagonismo, força ao “outro”. Posso e devo criticar o “outro”, mas devo olhar também para mim, para que o meu argumento/razão seja mais sólida, séria e honesta. Só dessa forma o “outro” mesmo estando contra, me respeitará. A minha rectidão fará o “outro” me respeitar, confiar, etc, a minha força poderá fazer o “outro” ter medo, nada mais.
Porque o “outro” para se defender da minha opinião/razão, acusa-me dos erros que cometo, não posso tentar arranjar argumentos para desvalorizar o argumento/razão do “outro”. Ser desonesto só levanta desconfiança. A história está farta de demonstrar que o “outro” está longe de ser detentor da verdade e/ou razão. Tal como eu.
Porque me critico, não significa que seja apologista do meu desaparecimento. Entre o preto e o branco existe muito mais mundo, não devo reduzir esse mundo, aos meus e/ou certos interesses/visões.
O impedimento à crítica, como está a acontecer no ocidente, muito provavelmente levará, infelizmente, a um triste fim.
Acredito que tenho o direito de ser eu a procurar, o que é para mim, a felicidade. Desde que não assente na infelicidade do outro. Tal como o outro.
Uns e os outros temos/têm gerido a casa e existência que partilhamos da forma mais inteligente? Parece-me que os problemas do foro psicológico têm sido predominantes.
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Carlos2 / Junho 4, 2022
https://odysee.com/@neilmccoyward:a/as-promised!!!-watch-today-before-banned:8
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