A informação portuguesa adora criar falsas questões para, depois, jornalistas, comentadores, analistas, políticos e tutti quanti, se entreterem com todo o tipo de especulações, cenários, previsões. Na ordem do dia têm estado a tão aguardada remodelação governamental e o entusiasmo de Costa, segundo a última informação do comentador Marques Mendes, por um lugar europeu. É assim que, dia após dia, semana após semana, os dois temas se repetem nos jornais e nas televisões, como se fossem assuntos incontornáveis. O estilo de comentários não difere muito dos que lemos nos jornais desportivos ou dos que ouvimos nos programas televisivos da bola.
Se Costa lê, ou ouve, os comentários sobre a dita remodelação, o que duvidamos, deve dedicar-lhes o maior desprezo. Ele, o senhor todo-poderoso do céu e da terra, não precisa que lhe digam o que deve fazer, nem precisa de saber quais as apreciações que dedicam aos ministros e secretários de Estado. Devem ser todos “excelentes”, como disse do patético Eduardo Cabrita, quando alguém se lembrou de pedir a sua demissão pelo seu já vasto reportório de casos, o último dos quais envolveu a morte de um trabalhador numa auto-estrada. A sua vergonhosa desumanidade está em consonância com os cânones socialistas e não foi esquecida por muita gente.
Para quê remodelar?
De resto, o renascido semanário Tal & Qual, na edição de 7-7-2021, reservava a terceira página em sua defesa, para sublinhar que Cabrita é “um incondicional de Costa”. Para que não ficassem dúvidas, o jornal cita fontes:
“A amizade entre António Costa e Eduardo Cabrita é muito grande e a confiança também. Além do mais, é um dos mais influentes conselheiros do Governo”.
E, para valorizar tudo isso, o jornal acrescentava que “Costa tem a fama em não hesitar deixar cair as pessoas, mas Cabrita é a excepção que confirma a regra”. Portanto, jornalistas, comentadores e analistas, escusam de estar a chatear o Costa com a demissão do Cabrita. Ele está de pedra e cal no Governo, não obstante ter lançado o caos no SEF, a ponto de revoltar os imigrantes que aguardam desesperadamente regularizar a sua situação.
Também houve quem visse numa declaração do seráfico Augusto Santos Silva ao Expresso, de 1-7-2021, um desejo de deixar brevemente o Governo. “Espero que o PS me permita voltar à minha profissão”, disse. Dada a surpresa que causou tal declaração, pois parecia uma intenção de estar a preparar a saída, Santos Silva telefonou logo para a TSF para esclarecer o mal-entendido que provocou. Um episódio grotesco de alguém que nos habituou a afirmações disparatadas, como aquela em quem comparou a Concertação Social a uma “feira de gado”. Afinal, Santos Silva continuará no Governo e, como se tem visto, fazendo muito mais política interna, para “malhar”, como gosta, nos adversários, do que política externa, uma vez que é titular dos Negócios Estrangeiros.
Um antigo jornalista da SIC, Pedro Cruz, agora convertido em colunista semanal do Diário de Notícias, num texto que publica na edição de 13-7-2021, mostra a sua compreensão para com a recusa de Costa em remodelar, escrevendo, a propósito, que “tem tempo, espaço e capacidade de não se deixar pressionar”. Diz mais: “A remodelação que Costa anunciar terá em conta o tempo que falta para as legislativas e a vontade do próprio em ser – ou não – de novo candidato a primeiro-ministro”. Está dado o recado por intermédio de um colunista bem visto junto dos socialistas. Aliás, o facto de não estar previsto ocorrer uma remodelação governamental já levou a propaganda socialista a assinalar um “marco único”. Segundo o Observador, “há ministros que batem recordes nas pastas e outros irão fazê-lo em breve”. Se isto parece ser mais importante do que remodelar ministros incapazes, então para quê remodelar?
Outra falsa questão
A outra falsa questão que tem servido para animar os comentadores nestes dias diz respeito às ambições europeias de António Costa. O conhecido futurólogo Marques Mendes repetiu na SIC, em 11-7-2021, que Costa “sonha com um cargo europeu em 2024”. Disse ainda que a última presidência europeia portuguesa lhe dera “um pouco mais de fôlego e de paixão em torno dessa ambição”. Não é de agora esta “praga da futurologia no jornalismo e na política”. Num artigo publicado no Correio da Manhã, em 1-4-2012, o crítico de televisão Eduardo Cintra Torres dissertava sobre este tipo de informação que se baseia em previsões, hipóteses, cenários, para alimentar fantasias ou especulações e nada mais. Sim, nada acrescentam à resolução dos problemas nacionais, mas entretêm a opinião pública, como quer o poder político.
Costa deve pensar que atingiu um tal estrelato que lhe ficaria muito bem, para que essa ideia seja consolidada, conseguir um lugar europeu. Durão Barroso fez dois mandatos como presidente da Comissão Europeia; António Guterres está a cumprir o segundo mandato como secretário-geral das Nações Unidas. A jornalista do Público, Teresa de Sousa, uma apaniguada de Costa, já chegou a escrever que, como político, tem uma dimensão que extravasa o país. Portanto, a política portuguesa está suspensa do que o primeiro-ministro pretende reservar para si até 2024. Dizem que ambiciona o lugar de presidente do Conselho Europeu.
Um passo em falso
Para já, concluída a nossa presidência europeia, numa entrevista ao Público, de 4-7-2021, o primeiro-ministro quis evidenciar o que considerou um grande cometimento. Assim, Costa vangloriou-se que, com ele, acabou a ideia de que a Europa é governável por um directório franco-alemão. Porém, no dia seguinte, ignorando completamente o que disse, Macron e Merkel tiveram um encontro via digital com Xi Jinping. Ou seja, mais uma vez o eixo Paris-Berlim a funcionar plenamente. Foi também uma resposta à falta de iniciativa da presidência portuguesa em relação à China, ao privilegiar a realização de uma cimeira com a India. A actual presidência eslovena não perdeu tempo e já propôs para 5 de Outubro um “jantar informal” com os 27 líderes europeus para falar da China e do comércio com este país.
Obviamente, Costa tem direito a ter ambições europeias. Por agora, mantém-se silencioso, deixando a outros que falem dessas ambições e, desse modo, o promovam já como potencial candidato a um dos mais altos cargos da UE. Se conseguir mobilizar apoios junto dos parceiros europeus, tanto melhor para ele. Como 2024 está ainda distante, são ridículos os constantes palpites de Marques Mendes & C.ª sobre uma eventual carreira europeia de Costa. Claro, já se sabe que uma maneira de lhe agradar é dar corda às suas pretensões. Mansamente, o País vai-se moldando a Costa. E, por isso, é tudo à vontade de Costa!
Francisco Menezes
* O autor usa a norma ortográfica anterior.
Velho do Restelo / Julho 15, 2021
Por mim não me queixo, se tivesse ido ontem, já ia tarde!
Não creio que o Badocha seja assim tão amigo de alguém! Ele é calculista e usa-os como lhe dá mais jeito.
O problema é que o BAÚ socretino está vazio !
Mesmo que reste por lá algum rato menor, será suficientemente esperto para não aceitar o curral do caprino naquele estado!
O nosso problema, é que mesmo indo por sua iniciativa, não se vislumbra uma alternativa que ponha termo ao ciclo do circo!
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Isabel Pecegueiro / Julho 15, 2021
Brilhante comentário, do qual subscrevo cada linha. Sempre vi em Costa o perfil de um caudilho de cariz sul-americano. O povo português rejeitou-o em eleições legislativas, mas logo ali se lhe viu o descaramento, bem como a teia de cumplicidades que o sustenta. A meu ver, ainda pior do que Sócrates, até porque pior parece impossível.
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Velho do Restelo / Julho 16, 2021
Gentileza sua Isabel, vejo que para além da boa escrita, ainda comporta bom humor 🙂
Hoje finalmente tivemos as primeiras informações sobre o incidente causado pelos festejos selvagens da claque do SCP em Maio!
Foi pretexto para mais uma sessão de capoeira, com o caprino aos pinotes a atirar poeira para os lados, como vai sendo seu apanágio!
Daqui de onde me encontro, vejo um filme algo diferente do descrito pelo ministro stressado e acelerado (a 200km/h):
– O 1º problema está na alteração feita ao significado da 2ª letra na sigla PSP; Até certa data significava “Segurança”, mas com Costa e suas geringonças passou a significar “Sensibilização”, e todos sabemos que claques de futebol são arruaceiros dificilmente “sensibilizáveis” a menos que se use material pesado! Something like Apocalypse Now …
– Ficou portanto bem clara a lógica: se um ou dois cidadãos, bem comportados se indignarem perante um comportamento menos correcto de agentes da PSP, podem muito bem virem a ser “sensibilizados” a cacete e levados para a esquadra para ocupar as 2 celas disponíveis, e enfeitar as estatísticas de “produtividade” da corporação com mais associações profissionais / nº de elementos.
– Mas se pelo contrário se tratar duma multidão, o problema nem se coloca porque não há celas para todos, então o melhor é os Srs. agentes tentarem proteger-se fechando-se dentro delas, e esperar que a crise de autoridade passe!
– Dois meses depois faz-se um relatório a culpar o XXX =/= PS, e está o problema resolvido!
É o já conhecido “Coast Troubleshuting Method” (CTM) !
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