Transição verde vai encarecer a energia elétrica?

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Começamos por ressalvar que se trata aqui de uma análise simplificada que necessitaria ser aprimorada com dados mais robustos de custos reais dos sistemas produtores de eletricidade e de preços dos combustíveis, nomeadamente gás, carvão e combustível nuclear. Porém, a simplificação não invalida a análise, havendo dados reais que a confirmam, como saliento no final.

Para servir de base à análise, recorremos a um outro artigo, publicado em 5-7-2022, onde defendíamos que a energia elétrica das centrais renováveis tinha de ser, obrigatoriamente, mais cara do que a proveniente de fontes convencionais, como o carvão, o gás ou o nuclear.

A procura de energia elétrica serve de ponto de partida para a gestão de qualquer sistema produtor. Ela é um dado sobre o qual temos muito pouca influência. Só pode ser controlada em parte através do tarifário. Se a energia for muito mais cara a certas horas do dia, o consumidor procurará deslocar o seu consumo para as horas em que é mais barata, o que pode aplanar o diagrama de carga, reduzindo a potência de pico da procura – e das centrais que fornecem a energia. Mas estas tarifas já existem há muito tempo e o seu efeito está consolidado, dando origem aos diagramas de carga típicos dos vários dias da semana, dos meses, do ano. Recentemente surgiram as tarifas indexadas ao mercado grossista que visam deslocar os consumos para alturas em que a eletricidade é mais barata, geralmente quando não se consegue escoar a produção renovável aleatória.

No artigo acima referido, pegámos nos dados das potências do consumo coletados pela REN (médias de 15 minutos) do mês de junho de 2022, e ordenámo-los por ordem decrescente, obtendo a seguinte curva, conhecida como curva de duração de potência, dada mais abaixo. Esta curva permite visualizar imediatamente qual a potência máxima do consumo (a maior) e qual a linha de separação entre a potência de base e uma potência a ser coberta por centrais de ponta, num sistema convencional de produção.

Somos assim conduzidos, considerando apenas o mês em causa, a uma potência de pico da procura de cerca de 7 GW, uma potência de base de 4 GW e uma potência de pontas de 3 GW (7 GW-4 GW). Esta análise só foi feita para um mês, dadas as nossas limitações de cálculo automático. Deve, porém, ser feita para todo o ano, e só a utilizámos a título de exemplo, como se fosse representativa do ano inteiro, neste caso do ano de 2022.

Se a procura fosse satisfeita por sistemas convencionais como ilustrado na figura acima, precisar-se-ia de uma potência de base de aproximadamente 4 GW de centrais a carvão ou nucleares e outros 4 GW (com uma reserva de 1 GW) de centrais de ponta a gás e hídricas, num total de 8 GW de potência total instalada, mas capazes de suprir todo o consumo. As centrais de base funcionariam a 100% durante todo o ano e as centrais de ponta com uma utilização de cerca de 50%. A utilização conjunta (base e pontas) daria uma utilização total de 75%.

Mas num sistema produtor “verde”, só com renováveis como sol e vento, em que a energia é produzida de forma aleatória, e mesmo que ela pudesse ser consumida sempre que disponível, necessitar-se-ia de uma potência total de pelo menos quatro vezes superior à potência de pico, isto é cerca de 30 GW já que a utilização destas fontes não excede os 20%, por razões puramente meteorológicas. Isto corresponde também a um investimento quatro vezes superior à de centrais convencionais, sem considerar ainda que a vida útil das eólicas e solares é menos de metade daquelas, o que significa que o investimento seria oito vezes superior – uma vez que o custo por unidade de potência das centrais convencionais, das eólicas e solares é muito semelhante, ponto que deve ser aprofundado num estudo mais detalhado.

Além disso, para que a energia das renováveis possa ser utilizada, são necessários mais investimentos em sistemas de armazenamento como bombagem, baterias, produção de hidrogénio, etc. com uma potência nunca inferior à de ponta (para quando a produção renovável for nula), isto é, cerca de 10 GW e muitas centenas de GWh de capacidade, equivalente a 10 ou mais empreendimentos como os do Tâmega. Supondo que os custos destes sistemas sejam também semelhantes aos das centrais (a aprofundar), os custos totais chegam a quase 10 vezes os da solução convencional atrás considerada, de modo a serem equivalentes em termos de produção e vida útil. Ou seja, uma unidade de potência convencional equivale a 10 unidades de potência “verde” pois só assim são equiparáveis.

Como é que isto vai afetar o preço do kWh? Assumindo que o custo do kW de potência instalada é de c=1000 €/kW para tecnologias convencionais (hipótese simplificada), a parcela do preço do kWh correspondente ao investimento (CI) calculou-se dividindo o investimento total (multiplicado por um fator que traduz o custo de capital) pela energia produzida durante a vida útil que considerámos ser de 30 anos, 8760 horas por ano e uma utilização a 75%. Para a versão convencional, teríamos (euro/kWh):

Para a versão “verde” equivalente, isto é, com a mesma produção e vida útil, o custo do kW de potência equivalente (c’) é 10 vezes superior, como vimos, pelo que:

Outra parcela a ter em conta na versão convencional é a relativa aos consumos de combustível que fixámos num valor médio (que nos parece razoável) de 0,1€/kWh mas que depende dos preços nos mercados de energia.

Por utilização das expressões acima numa tabela de cálculo, a comparação da versão convencional com a “verde” produziu o seguinte gráfico do preço do kWh em função do fator relativo ao custo de capital, que fizemos variar entre 2 e 5.

O gráfico torna claro que a solução “verde” só conduz a preços do kWh inferiores aos da solução convencional, para custos de capital muito baixos, isto é, baixas taxas de juro e de interesse dos investidores. Para fatores do custo de capital crescentes, a solução convencional conduz a preços mais baixos do kWh. Além disso, a solução “verde” é muito mais intensiva em capital como já disséramos.

Em 2022, segundo a REN, a ponta do consumo foi de 12 GW e já havia uma potência total instalada de 21 GW, isto é, quase o dobro da necessária. Com novos empreendimentos em eólicas, centrais solares, armazenamento, etc., caminhamos para instalar muito mais potência do que a necessária num sistema produtor convencional, exigindo ainda investimentos continuados para substituição de equipamentos em fim de vida.

O Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030 (PNEC 2030), que entretanto terá sido revisto em alta, previa o aumento de 10 GW da potência instalada até 2030, conforme se pode ver no gráfico mais abaixo, atingindo Portugal uma capacidade instalada que é o triplo (ou mais) da atual potência de ponta que se situa, como referimos, nos 12 GW, mas que pode ter alguma alteração até 2030.

O interessante nas previsões do PNEC é que o consumo de gás na produção de eletricidade se mantém até 2025, esperando-se uma redução ou não em 2030. Ou seja, e pelo visto, não haverá redução significativa de emissões de CO2 na produção de eletricidade.

Henrique Sousa

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Sub-diretor do Inconveniente

Latest comments

  • Boa análise em geral. É nessa direção que deveríamos já estarmos a preparar.

  • Queremos isto para nós/nossos? E para os outros dos outros?
    “Cobalt Red”: Smartphones & Electric Cars Rely on Toxic Mineral Mined in Congo by Children
    https://www.youtube.com/watch?v=7I3K7fhLmcE

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