
Os parques de autocaravanas do Algarve ficam lotados durante todo o inverno. E muitos deles aumentam mesmo a sua tabela de preços nos meses supostamente mais frios, de época baixa. É sempre uma azáfama para garantir o melhor alvéolo de campismo, de preferência o mesmo do ano passado, ao pé daquele casal simpático que também vem todos os anos. Porquê passar os invernos fechados em casa, onde na rua as temperaturas são negativas e o sol fica sem aparecer durante largas semanas, mesmo meses?…
O facto de os parques algarvios de autocaravanas encherem nos meses frios, apesar dos preços mais altos, é algo que os locais bem conhecem. Mas só descobri este fenómeno desde que me radiquei no Algarve há dois anos e passei, neste período, os primeiros três meses numa autocaravana.

Após quatro anos de expatriado em Angola, decidi com a minha mulher, fundar uma empresa de alojamentos turísticos, na sua maioria apartamentos de praia, mas também o aluguer de autocaravanas. Tivemos sérias dificuldades em alugar casa: não existiam muitas disponíveis, e as que existiam eram (mais ainda, à data) muito caras.
Ficámos com boas memórias desses poucos meses em que morámos numa autocaravana. Gostámos mesmo muito, não só por serem os primeiros tempos da nossa empresa, com todo o êxtase de estarmos a construir o nosso próprio negócio, mas pela experiência em si. Era uma mistura de desfrutar da praia e do bom tempo e levar a filha à creche, tratar das lides domésticas e das refeições, etc. E montar o meu escritório no exterior, numa mesa de jardim debaixo do toldo. Foi ali que que construímos o site da internet, preparámos as ferramentas da organização da empresa e planeámos o marketing digital. Vivíamos num ambiente de férias. Ainda por cima os dias estavam ótimos, era o fim de primavera, início do verão, vivíamos perto da praia. Foi excelente.
Para a nossa filha, de quatro anos nessa altura, dormir no pequeno beliche de cima era um sonho. Ter uma pequena casinha, mas com recantos, equipamentos estranhos e curiosidades. Por não parar de falar na autocaravana, ela era conhecida na creche como a “menina da autocaravana”.
A alteração do nosso modo de vida ainda foi maior. Vínhamos de uma moradia espaçosa, de primeiro andar, com quatro quartos, três casas de banho, e quintal. E, mesmo assim, não tivemos qualquer dificuldade em nos adaptar. Foram tempos empolgantes, que muito nos marcaram.
O tempo em que residimos num parque de campismo também foi útil para conhecer esta realidade. Desde logo, a dos estrangeiros que chegam no início de outono, passam aí todo o inverno e ficam até ao início do verão, a viver nas suas autocaravanas, altura que regressam aos seus países de origem. Vêm da França e Reino Unido na esmagadora maioria, mas também da Bélgica, da Alemanha, da Suíça, da Suécia, da Itália, da Dinamarca, etc. Normalmente, são casais reformados – mas também pessoas sozinhas, como a Janet, que vem para o Algarve há já mais de oito anos consecutivos, e só regressa à casa de origem no verão, quando o frio já não se faz aí sentir.
Ter residido no parque permitiu-nos conhecer o seu estilo de vida e as suas rotinas. Vivem de uma forma completamente descomprometida, com uma enorme leveza. Nota-se que adoram viver desta forma. Vive-se em um ambiente de comunidade muito forte: é um pequeno microclima de felicidade. Logo pela manhã, tomam o pequeno-almoço no exterior, leem o jornal em longas e confortáveis espreguiçadeiras, depois equipam-se com a sua roupa desportiva e partem para longos passeios. É comum que o seu método de transporte venha acoplado nas suas autocaravanas. As bicicletas elétricas são a sua principal forma de transporte que temos visto nos últimos tempos, mas também vemos scooters, e até micro e pequenos carros.
Tivemos oportunidade de conversar com vários destes casais. Contam que o motivo fundamental para viverem no Algarve em autocaravana é o clima, sobretudo pelo inverno não ser tão rigoroso como nos seus países de origem. Aqui é vulgar andarem à vontade, de calções, t-shirt e sandálias. Gostam de passear por sítios que consideram muito bonitos, especialmente a costa. Depois de conquistarmos a sua confiança mencionam também o baixo custo de vida. A mensalidade num parque de campismo é baixa, ronda entre os 200€-300€. Fazem também muitas refeições em restaurantes, o que não podiam nos seus países de origem. Referem também o baixo custo das viagens de avião nas companhias low-cost, o que lhes permite a flexibilidade de ir visitar a família ou tratar de alguns assuntos nas suas geografias de origem. As suas reformas e/ou rendimentos passivos permitem-lhes viver em Portugal de uma forma desafogada.
Mas não teria sido preciso viver num parque de campismo para nos apercebermos desta presença. Basta circular pela Estrada Nacional 125, para se avistar muitas autocaravanas e olhar para os parques de campismo repletos, muitos sem qualquer vaga.
Este tipo de turismo residencial – a meio tempo – faz mexer muito o comércio local, segura muitos negócios que tinham um cariz muito sazonal. Não têm, de todo, a afluência de turistas dos meses de época alta, mas permite manter muito comércio aberto, que assim consegue subsistir. Nos meses que vivemos no parque de campismo, quase diariamente aparecia um casal de jovens com um enorme tabuleiro de salgados a vender de caravana em caravana, além de um carro que circulava de porta-bagagens aberto a vender fruta da época. E havia um piquete de serviço ao parque, com técnicos que vinham fazer, quando necessário, qualquer reparação e manutenção nas autocaravanas.
Passados alguns anos desta prática, e em consequência de gostarem tanto de cá estar, vão contando este segredo de bem-estar a familiares, amigos e conhecidos, e muitos deles acabam por vir também em autocaravanas ou a comprar casas e mudam-se para o Algarve de malas e bagagens.
O número de estrangeiros a residir em Portugal, em especial no Algarve, aumenta substancialmente de ano para ano. Segundo os Censos de 2021, aumentou em Portugal 40,6% em relação ao ano de 2011. O maior crescimento é mesmo no Algarve (14,7%), seguido da área metropolitana de Lisboa (8,9%).
Realmente, o sol, quando nasce, nasce para todos. Mas todos o sentem de maneira diferente, em locais, contextos e momentos distintos. Para estes turistas residentes, a independência financeira e a altura da vida em que se encontram, o encanto do sol melhora o estado de espírito, alimenta a alma, diminuir até os malefícios da idade. E, paradoxalmente, estar-se sozinho ou longe da família por um período até pode ser saudável. Contrasta com o quotidiano dos seus países, em que a rotina não lhes permite beneficiar da luz, a temperatura não é amena, e não dispõem de tempo para aproveitar a vida.
Em contrapartida, o cidadão indígena ou multicultural, do Algarve vive mal, sobrevive sem estabilidade, muitas vezes sem a dignidade de um rendimento regular, devido à sazonalidade do turismo tradicional, o seu empregador. Sem que os governos tenham criado condições no Algarve para fontes alternativas de rendimento.
O autocaravanismo de inverno ajuda a diminuir essa sazonalidade e é muito bem-vindo. Foi uma alternativa criada pelo próprio turista. E não é apoiada nem aproveitada pelas entidades oficiais do turismo do Algarve, ou mesmo do Turismo de Portugal.
Vítor Ferreira Santos