Que futuro para este mundo?

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“Onde pode acolher-se um fraco humano,

Onde terá segura a curta vida,

Que não se arme, e indigne o Céu sereno

Contra um bicho da terra tão pequeno.”

Camões, Luís Vaz de (1572). Os Lusíadas. Canto I, estância 106.

O primeiro artigo que escrevi para este jornal abordava os medos que afligiam os adolescentes durante o período COVID. Aos adolescentes regresso agora, em virtude de outros e piores medos que neles detectei. Ao contrário da voz corrente, que os vê como indolentes, insolentes e desinteressados do que se passa no mundo, sempre os considerei merecedores de voz e palco por muito ter aprendido com eles e ter a esperança de que comigo tenham também aprendido algo de substancial. Na verdade, enquanto no activo, como professora, sempre me fizeram sentir jovem, pela comunicativa curiosidade e ingenuidade, mesmo quando, manipulados pelos adultos e por um ensino enviesado, enveredam pelo disparate.

Acontece que, há pouco, um deles, no dia em que festejava dezoito anos, me revelou não querer ter planos para o futuro, porque, e cito, “isto vai tudo rebentar e até os Chineses já mandam balões sobrevoar os Estados Unidos”. Senti um murro no estômago a desafiar-me não só para uma conversa que, dentro do possível, o tranquilizasse, mas para uma reflexão sobre o mundo que estamos a apresentar aos nossos descendentes. Na realidade, também nós, adultos conscientes, nos defrontamos com tempos muitíssimo negros. Contudo, vamos tendo algum poder de relativização, que a eles falha. Ao “isto vai rebentar”, podemos contrapor que a temível ameaça nuclear é atenuada pelo poder dissuasor da força militar detida pelas potências em confronto, tornando suicidário o enveredar por aí, em primeiro lugar para quem tome a terrível iniciativa. Relativizamos ainda a ameaça constantemente esgrimida pela Rússia, por nos lembrarmos de que, há décadas, em “Russians”, Sting se limitava a ter a esperança que temos agora: “I hope the Russians love their children too”. Quanto ao balão chinês, bastaria saber que a espionagem se perde na noite dos tempos e que apenas se sofistica.

Infelizmente, os média apostam no horror e no medo que ele causa. Qualquer pessoa esclarecida recorda a farsa do apocalipse anunciado por Al Gore, também há décadas. Terá ganho fortunas a espalhar o medo, mas nada submergiu, ao contrário das suas previsões catastrofistas. Tal não impede que qualquer terramoto, quaisquer inundações, sejam apregoadas como resultando das alterações climáticas, que, aliás, sempre existiram e estão longe de ser “man made”.

Recordo o meu Pai, colorindo cartas geológicas, mostrando-me conchas fossilizadas, provenientes de altas montanhas; lembro-me de me dizer que onde hoje há serra já foi mar e vice-versa; recordo como troçava das pretensões do Homem, que via como ser a quem são concedidas algumas décadas de vida, num mundo que evolui há milhões de anos e que já conheceu idades do gelo, extinção de espécies e de civilizações, esquecendo o homem que “é pó e que em pó se há-de tornar”. E é assim que os jovens incautos são levados a crer que, por beberem por uma palhinha de plástico ou simplesmente por respirarem, estão a destruir o planeta.

Há jovens, como há adultos, que na Fé encontram a paz a que todos aspiramos. Mas que dizer quando se revela o escândalo, o horror dos abusos sexuais cometidos por pessoas consagradas ou ligadas a instituições católicas? Como olhar para um religioso ou um chefe escutista, sem saber se nele se pode confiar? Que fazer, se a ânsia de absoluto os tomou? Seguir as inúmeras igrejas evangélicas que, do Brasil, vieram enxamear o nosso país com  “exorcismos em directo”, milagres encenados e muita extorsão? Seguir uma comunidade islâmica chefiada por um homem que foi acusado publicamente de violência doméstica, mas nunca julgado? Seguir um dos ramos do Judaísmo, ignorando Cristo e a sua doutrina de Amor?

Nada disto é fácil para um adulto e é certamente assustador para um jovem. Não esqueçamos, ainda, em que país estamos. Se a adolescência é difícil por deixar para trás a habitual despreocupação da infância e, progressivamente, aprender a ser adulto… Se, para tal, o mais importante é a observação do que é e como se comporta o dito adulto, começando pelos pais, que dizer da crescente violência, da crescente inversão de valores, que se lhes depara? Que temos um poder indigno, mas que um dia cairá, dando lugar a um Estado decente?… Essa será talvez a esperança de muitos adultos, mas mesmo esses esmorecem. Se, voltando a citar Camões, “um fraco rei faz fraca a forte gente”, não será certo que a um poder vogando entre o ridículo e o ditatorial pode ser assacada responsabilidade pelo aumento das situações de violência urbana, doméstica, futebolística, laboral (com situações de semi-escravatura)?… Não será certo que, ao perder confiança no clero, a perdemos igualmente nos políticos que comprovadamente tentaram (e conseguiram?) condicionar a Justiça no processo Casa Pia, no mais hediondo dos crimes?…

Não, este país não é para jovens. Como também não é para velhos abandonados e maltratados em “lares” clandestinos ou insuficientemente fiscalizados.

Muito gostaria de apresentar soluções para os males que acabei de elencar. Contudo, não há um único de entre eles cuja solução seja fácil. Trabalhei com adolescentes e jovens padecentes de todos os males imagináveis: doenças físicas e mentais, toxico-dependência (sua e dos pais), abuso, miséria moral ou económica, bullying quotidiano na escola. Mas, sobretudo do que infelizmemte sobrevem a tudo isso: a baixa auto-estima que os deixa sem horizontes. Faltando as soluções, resta escutar, compreender, encaminhar, proteger e, sobretudo, amar. Amar como Deus manda. Como a nós mesmos.


Isabel Pecegueiro

* A autora usa a anterior norma ortográfica.

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