Catar: o que não devemos esquecer

Começou a 20 de novembro aquele que tem vindo a ser o Mundial mais polémico das últimas décadas, devido a inúmeras violações de direitos humanos reportadas ao longo do último decénio.

Tal polémica é justificável. Ao contrário do que foi proferido pelo Presidente da República, não devemos esquecer as vidas que se perderam na preparação deste mundial. Um evento desportivo não pode justificar milhares de mortes, caso contrário estaremos perante um evento de natureza lobista, em que o desporto passa a ser uma fachada para a movimentação de capital na ordem dos milhares de milhões.

A própria vivência e apreciação ao redor do mundo traduzir-se-á num sentimento de artificialidade. Um Mundial que decorre no inverno, num país sem a cultura desportiva a que estamos habituados, em condições climatéricas que requerem tecnologia indispensável para o decorrer do evento, em comparação com outros países com condições bastante superiores, é um mundial estranho. Todo este contexto é artificial em comparação com outros Mundiais, e nem preciso de referir os apoiantes “argentinos”, “franceses” ou “portugueses”. As aspas têm um objetivo óbvio para o qual não perderei tempo a explicar, já que em última análise será sempre utilizada a carta cliché do racismo, como utilizou Gianni Infantino, quando foi questionado sobre estes apoiantes pagos para vestirem uma camisola e gritarem por um país que não o seu.

Politicamente falando, um dos temas centrais em torno deste Mundial é a postura do Catar quanto aos seus visitantes, e o choque cultural expectável de tamanha vaga de turistas. No Catar não se pode beber álcool, profanar contra Deus, vestir-se de maneira promíscua entre inúmeras outras proibições, como foi partilhado nas redes sociais. É um evidente choque cultural para o homem e mulher ocidental do século XXI, já que todo o oposto é permitido, tolerado e inclusive incentivado numa perspetiva e mentalidade consumista, desprendida de determinadas âncoras morais outrora defendidas no Ocidente.

Perante este choque, é bastante curiosa a posição dos progressistas nesta matéria. No auge da crise migratória da década anterior, os progressistas europeus defendiam que na “nossa” terra não deveríamos proibir ninguém de viver de acordo com a sua cultura. Gradualmente perceberam que existem culturas mais evoluídas do que outras, no que às liberdades das mulheres concerne, tendo a pressão feminista criado uma cisão entre os que eram a favor da islamização da Europa, e aqueles que queriam proibir os trajes islâmicos femininos.

Discordo de ambas as posições, pois são respostas a um problema artificialmente criado pelas elites políticas ocidentais que fustigaram a crise migratória através de invasões e desestabilização do Norte de África e Médio Oriente, conjugadas a políticas de fronteiras abertas. Centenas de europeus mortos em atentados terroristas (sem esquecer os milhões de norte africanos e asiáticos do médio oriente mortos), e inúmeras consequências demográficas em solo europeu depois, ainda estamos a pagar este enorme desastre.

Resumindo, a ideia de que devíamos ser forçados a tolerar a prática geral do modo de vida islâmico na Europa foi popular entre os círculos progressistas, porém, a hipocrisia reside na resistência ao modo de vida islâmico no Catar. Por exemplo, querem impingir braçadeiras LGBT num país que simplesmente não adere a um lobby da bolha Ocidental. Apesar de não ser uma democracia, podemos seguramente dizer que o povo decidiu, através da permanente permissividade e consentimento, que a abordagem para com este assunto, por parte do Estado do Catar, é tolerável, dada a influência que a fé Islâmica tem naquele país.

Reparem que não afirmei que concordava ou discordava, mas certamente alguém já julgou o último parágrafo como sendo “homofóbico”. Diria que se trata de coerência. Se eu não quero que outros povos pratiquem faustosamente a sua cultura no nosso território, pois defendo que a Europa é dos europeus, e que Portugal é dos portugueses, outros povos têm esse mesmo direito nos seus respetivos territórios, já que a sua população não é multicultural nem multiculturalista, e felizmente não existe um governo mundial com o intuito de a forçar a ser.

Lloris, capitão da França, afirmou que: “Quando os estrangeiros chegam ao nosso país, gostamos que eles respeitem nossas regras e tradições. Farei o mesmo no Catar.”

Só os globalistas é que não querem que outros respeitem o modo de vida característico do seu país. Para esses, podiam ter nascido em Nova Iorque, Paris, Londres, Lisboa ou Pequim, pois seria irrelevante. Contrariamente, relevante só o capital que por eles circula. São como a arquitetura moderna, ou seja, pedaços de betão e vidro que não são característicos do povo e terra em que se situam. Os globalistas não têm pátria, apenas interesses e agendas.

Esquecendo-os por um momento, reparem na evolução do contexto político num espaço de poucos anos. Os mesmos progressistas que transpiravam multiculturalismo por todos os poros da sua pele, uma vez que tínhamos obrigatoriamente de respeitar o Islão, são os mesmos que o estão a criticar, devidos às regras impostas aos turistas, sendo que não são obrigados a visitar o Catar.

Em 2014, 2015 e por aí em diante, isto tinha um nome: islamofobia, como muito gostavam de repetir. Hoje, chama-se progressismo, pois já entenderam que o Islão se opõe ao progresso cultural, exceto quando são forçados pela NATO (de vez em quando), uma vez que “precisamos” de exportar a democracia liberal para esses povos, de tão “retrógrados” que são.

Esta mudança de postura para com o Islão é perfeitamente natural. Os progressistas tendem a apoiar a globalização, onde as políticas identitárias desempenham um importante papel sobre como utilizar grupos de pessoas em torno de certos objetivos, que não os superiores interesses desse mesmo grupo. Naturalmente o Islão, os LGBT, e todos os restantes grupos, são como lenços de papel para as elites progressistas: inevitavelmente serão descartados quando a sua utilidade expirar.


Francisco Pereira Araújo

Nota: o Inconveniente assume a grafia portuguesa Catar.

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Latest comments

  • “Tal polémica é justificável. Ao contrário do que foi proferido pelo Presidente da República, não devemos esquecer as vidas que se perderam na preparação deste mundial.”
    Entendo perfeitamente o que quer dizer, e isto que vou escrever não é nenhum ataque a si ou ao seu texto, mas vou seguir o actual raciocínio pseudológico do ocidente.
    Quando o antimíssil ucraniano atingiu a Polónia, depois dos disparates iniciais, lá arranjaram uma rectórica comum, que foi em defesa própria ucraniana, mas que os culpados eram os russos por terem atacado a Ucrania.
    Então também podemos dizer que as mortes dos trabalhadores no Qatar, são culpa dos estados donde provêm esses trabalhadores, porque são obrigados a emigrar para poderem ter melhores condições de vida.
    Se o presidente da república tem problemas de princípios, então não devia deslocar-se ao Qatar. principalmente porque podia poupar, esse, nosso dinheiro, que vamos gastar com a comitiva, e doar a qualquer associação para ajudar os famintos aqui em Portugal.

    “…pois já entenderam que o Islão se opõe ao progresso cultural,…” ui…

    https://www.noticiasaominuto.com/mundo/1800224/alemanha-programa-experimental-colocou-orfaos-com-pedofilos-nos-anos-70
    https://www.bbc.com/portuguese/reporterbbc/story/2006/06/060601_leiholandamp
    no outro dia deixei um vídeo dum grupo de pessoas na alemanha que defendia a zoofilia
    A minha dúvida com expressões como essa, progresso cultural.
    Seja como for, há muitos adultos e governantes, com dificuldade em chegar onde você já chegou. Parabéns.

  • Ninguém ainda me conseguiu explicar de onde é que vieram os “milhares de mortod” na construção dos estádios (6500 para uns e 15000 para outros) …

    O número de mortes referido corresponde à globalidade das mortes de trabalhadores estrangeiros no ano … e a esmagadora maioria dos trabalhadores no Qatar são estrangeiros!

  • Qatar viola os direitos humanos. Ok, e nós? E os nossos aliados? E a união europeia (melhor urse)? Misturar desporto com ideais políticos manhosos, não é boa ideia.
    E o direito das pessoas saberem o que vem dentro das “vacinas”? E o direito em saber o que foi acordado entre a comissão europeia (órgão não eleito pelos povos europeus) e os fabricantes das vacinas?, que a ue não quer divulgar?, pago com os nossos dinheiros. Etc, etc, etc, …
    Enfim, falemos dos outros para não olharmos para nós.
    Sempre que lá se diz que somos de Portugal o “embaixador” Ronaldo vem logo à baila.
    No Qatar andamos na rua a qualquer hora do dia ou da noite que ninguém nos incomoda. Podemos deixar os nossos pertences em qualquer lado que ninguém rouba. Qualquer estrangeiro que se porte mal é posto no próximo avião a caminho de casa, quem pode disrcordar? Já agora deixo a pergunta. Os nossos que se portam mal, não deviam ficar em casa, para que não deixem ficar mal o país?
    Até gostei de ver o Japão ganhar aos mãos na boca e braçadeira ofensiva ao anfitrião. lol

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