
O conceito da culpa e do zurzimento do proverbial bode expiatório está, a propósito da Ucrânia, a deslizar apoteoticamente para o absurdo.
Na desaustinada cabaça dos numerosos putinófilos que o caso tem revelado, o problema não é a Rússia invadir a Ucrânia sem causa justa, e atirar misseis e bombas a esmo. Isso são peanuts!
Não, o problema é a culpa da NATO que insiste em ajudar a Ucrânia e do Zelensky que insiste em lutar contra o invasor.
No que me diz respeito, esta inversão irracional, é um dos indicadores que mais me revela o tipo de pessoa que tenho pela frente. Face a um problema, há criaturas cuja fundamental preocupação é nomear, entre os seus ódios de estimação, alguém a quem culpar.
Tomemos por exemplo o momentoso problema de um boião de bolachas aberto. Uns reagem exigindo aos berros o putativo culpado. Uma vez ele presente, ainda alarmado por aquilo que pensava ser o aparecimento de um crocodilo na despensa, o “culpador” fuzila-o com olhares assassinos, como se o tivesse surpreendido a cometer um crime hediondo.
O bode expiatório, culpado ou não, não tem qualquer defesa e corre a fechar o boião para tentar, com esse gesto, encerrar também o incomodativo episódio. Normalmente sem sucesso, porque o culpador não desperdiçará a oportunidade de esmagar a canalha. Que tipo de pessoa deixa um boião de bolachas aberto? Que ser desprezível é capaz de tão inqualificável negligência? “Mas é só uma tampa aberta” – balbucia o bode. “Não, sua besta, o problema és tu, que não vales nada, que fazes isto de propósito, que és um zero, que não ligas ao que eu digo, que patati patatá.”
É fácil de ver que o que está aqui em causa é o poder, o controle, quem manda, quem domina o espaço.
A culpa é um formidável instrumento de poder, porque coloca a vítima de gatas, numa posição de cedência. Não é por acaso que as religiões, sejam elas profanas ou sagradas, assentam inteiramente na culpa, no arrependimento e na contrição. Um cristão, por exemplo, já nasce culpado, carrega ao nascer um pecado original, cometido por metafóricos ascendentes, num local mítico, com maçãs, serpentes e nudistas encartados.
Na religião woke que actualmente avassala os EUA, qualquer indivíduo de pele branca, especialmente se for homem e heterossexual, é, por apenas existir, o recipiente da culpa milenar pelas maldades, reais e imaginárias, que alguns dos seus antepassados terão feito a alguns ancestrais dos poderosos e arrogantes culpadores.
Pessoas há que, perante o boião aberto, se limitam a fechá-lo. Não têm a certeza de quem será o culpado, e nem isso lhes interessa verdadeiramente.
Portanto, o mundo divide-se basicamente entre culpadores e culpados.
Isto funciona também na magna questão da (in)fidelidade conjugal. Por razões que não vou agora aqui dissecar, o fenómeno não é simétrico, isto é, os homens são, por natureza, mais propensos a ser infiéis. Está nos genes….um homem normal deita os olhos numa fofura qualquer e, no momento seguinte, desliga a cabeça de cima e a de baixo toma o controle da situação.
E se as coisas se propiciarem, serão poucos os que deixam escapar a oportunidade. Não é só culpa deles, foi assim que Deus, ou Darwin, os fez e moldou e é preciso que a parte mais racional do cérebro tome o controle para refrear a coisa.
As mulheres (estou a falar de médias, porque cada caso é um caso, como se costuma dizer), também são infiéis. E em números que não envergonham por defeito. Mas, na maioria dos casos, a culpa não é delas. De quem é? Pois evidentemente do sacana do parceiro. A mulher só é infiel porque a atitude do parceiro a empurrou para tal desaforo, assim como a NATO empurrou a Rússia para a “operação de desnazificação”, segundo os admiradores dos peitorais do Sr do KGB que manda na Rússia.
Se ele (o parceiro) não tivesse sido isto, e feito aquilo, e dito aqueloutro, ela jamais seria empurrada à escapadela.
Na política a culpa é todo um programa. Há partidos que funcionam exclusivamente neste sector empresarial.
Perante um problema a pedir solução, há políticos e partidos que berram, acusam, fuzilam com o olhar, chamam a freguesia toda para ver o despautério, mas meter as mãos à tampa é que não. É o caso da pandemia dos putinófilos.
Perante uma descarada invasão de um país fraco por uma potência militar imperialista, à moda antiga, cujo único objetivo é conquistar território, em vez de se focarem no boião, clamam pelo culpado, obviamente a NATO e as democracias. Quem fez o boião, quem fez a prateleira onde está o boião, quem gosta de bolachas, quem fez as bolachas, quem as comprou, etc.
Einstein tinha razão, a estupidez é mesmo uma das duas únicas coisas que dão a ideia de infinito.
Se calhar tem que se “desnazificar” o Einstein.
Até lá, também é culpado, até porque fugiu para os EUA e isso é imperdoável.
José do Carmo
*O autor escreve segundo a anterior norma ortográfica.
José B. Dias / Fevereiro 14, 2023
Ele há os “putinófilos” e os “filhos de putin” … os segundos têm muita tendência para escrever sobre os primeiros!
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José do Carmo (Autor) / Fevereiro 14, 2023
Sobre tendências, cada abóbora pontifica o que bem entende. A opinião é livre e asneira é por vezes uma consequência.
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JD / Fevereiro 14, 2023
Não é que concordo em absoluto!
E naturalmente congratulo quem tão prontamente vem reconhecer o problema …
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Carlos2 / Fevereiro 15, 2023
She’s exposing the TRUTH in Ukraine and they don’t like it | Redacted Conversation with Eva Bartlett
https://www.youtube.com/watch?v=OzMLPSXb7RU
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Carlos2 / Fevereiro 15, 2023
The Chris Hedges Report: The truth about Ukraine with Medea Benjamin
https://www.youtube.com/watch?v=4fTxHIVUjRc
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Carlos2 / Fevereiro 16, 2023
Juiz – Senhor A, sabe porque está aqui?
Senhor A – Acho que sim…
J – Está aqui porque invadiu a casa da sua prima e agrediu o marido. Conte-nos lá o que se passou.
A – O meu primo estava sempre a bater na minha prima, ela queixou-se à polícia, foi à segurança social e mais outros sítios, mas ninguém fez nada. Nesse dia a minha prima telefonou-me a dizer que o marido lhe estava a bater outra vez…
J – Acha mesmo que não fizeram nada?
A – Pois… acho que não… acho que é porque ele conhece muita gente…
J – Não era essa a minha pergunta. Tem a certeza que ninguém fez nada?
A – Acho que foram uma vez lá a casa mas…
J – Ok, ok. Vou repetir. Voltemos à razão deste julgamento. Está aqui, porque é acusado de invasão de propriedade privada e agressão ao senhor B. O resto para este tribunal não interessa.
A – Mas senhor doutor…
J – Nem mas nem meio mas, o senhor sabe ou não sabe, que não pode andar a invadir a casa das pessoas e agredi-las?
A – Sei…
J – Muito bem…
A – … mas…
J – … Já lhe disse, está a ser julgado por invasão de propriedade privada e agressão, nada mais aqui está em causa ou interessa. Novamente, entende?
A – … mas, que não está certo, não…
J – Silêncio…
J – Por invasão de propriedade privada…
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