PS: o Estado sou eu

Um dirigente do PS, José Luís Carneiro, achou, em 17-3-2021, segundo a Lusa, que devia comentar o entendimento entre PSD e CDS com vista às próximas eleições autárquicas dizendo que se traduzirá em “coligações negativas” contra os autarcas socialistas. Para o actual PS, a avaliar pela declaração daquele seu dirigente, o conceito de alternativa em democracia está banido. Faz lembrar aquele outro conceito do tempo do regime salazarista de “quem não é por nós, está contra nós”. Dias depois de Carneiro se pronunciar, António Costa veio dizer mais ou menos a mesma coisa: a coligação PSD-CDS era uma “jogada política” contra o PS (Lusa, 20-3-2021). Como se decorresse de um acto ilegítimo… O PS adquiriu uma posição tão hegemónica na sociedade portuguesa que aqueles que se lhe opõem são já vistos como uma ameaça aos seus interesses instalados.

Nessa ordem de raciocínio, outra figura do PS, o eurodeputado Carlos Zorrinho, considerou o Governo dos Açores “uma frente de oposição ao Governo no continente” (Diário dos Açores, 18-3-2021). Apontou como razão o facto de ter ameaçado romper com o plano de vacinação da EU por, na sua opinião, não estar a corresponder às necessidades dos açorianos. Zorrinho viu nessa atitude do executivo regional uma forma de pressão sobre o Governo de Lisboa, uma vez que este é o único interlocutor com Bruxelas no processo de aquisição de vacinas. Portanto, qualquer sinal de descontentamento contra o Governo socialista é tratado como se tratasse de um crime de lesa-pátria.

Na verdade, toda a lógica de consolidação do poder nos últimos anos assenta no lema “O Estado é o PS”. A oligarquia, em que se transformou o actual poder, funciona como um sistema de clientelismo que dissolve a democracia. É o assalto à máquina do Estado para exercer o máximo de controlo e, nesse sentido, estabelece-se um autoritarismo que apaga a fronteira entre o público e o privado. Quem controla os principais pilares do funcionamento da sociedade dispõe de um poder total. O que lhe possa eventualmente escapar tem uma dimensão mínima que pouco conta para abalar o sentimento de força criado pelo excesso de poder facilmente adquirido.


Avidez por lugares no Estado

Quando se constituiu o Governo socialista em 2015, uma das suas primeiras decisões foi ignorar as regras da CReSAP, um organismo público independente surgido no período do governo de coligação PSD-PP para selecionar por mérito os altos quadros da administração pública. Por solicitação do então primeiro-ministro, o seu primeiro presidente foi escolhido pelo líder da oposição, na altura o socialista António José Seguro. O objectivo era despartidarizar a máquina do Estado. Mas, com a chegada dos socialistas ao poder, durou pouco tempo. A avidez por lugares no Estado relegou a função da CReSAP para segundo plano.

Segundo a revista Sábado, de 18-02-21, na Segurança Social “o Governo varreu, sem excepção, todos os directores distritais que encontrou em funções”. Refere ainda nesse artigo, a jornalista Maria Henrique Espada: “Trocou-os, a bem ou mal, por próximos do PS”. E quem diz Segurança Social diz outro sector da administração pública, tal era a ansiedade em satisfazer a clientela partidária. Ainda nos lembramos, a propósito do devastador incêndio de Pedrógão, que o Governo tinha acabado de mudar os comandantes operacionais da Protecção Civil por boys socialistas sem experiência para o cargo. Em 1-3-21, o Correio da Manhã (leitura paga) revelava o “truque” para favorecer a designação dos boys do PS e evitar, desse modo, o concurso da CReSAP: cerca de 80% dos dirigentes escolhidos foram nomeados em regime de substituição.

As entidades independentes que se afirmaram no período do governo da coligação PSD-CDS constituíram uma enorme contrariedade para o Governo de Costa. Desde cedo, nunca escondeu o incómodo que lhe causavam as análises críticas em relação a decisões governamentais. Por isso, Helena Garrido escrevia em 18-10-2018, no Observador (leitura paga), que uma técnica usada pelo Governo socialista “para condicionar a actuação destas entidades independentes é atacá-las no espaço público, sabendo perfeitamente que as suas lideranças não têm condições para irem a jogo, defendendo-se ou contra-atacando”. Citou os exemplos do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e da presidente do Conselho das Finanças Públicas, Teodora Cardoso. Carlos Costa chegou mesmo a ser ameaçado de demissão.


Sociedade enfraquecida

Os dois já cessaram funções e Carlos Costa foi substituído por Mário Centeno, um dos seus críticos do lado do Governo. De órgão independente, como deve ser e sucede na UE, o Banco de Portugal passou a aliado do Governo. Satisfez-se a ambição de Centeno e o Governo deixou de se preocupar com o regulador bancário. As outras entidades independentes tornaram-se inexpressivas, a ponto de se queixarem da falta de informação da parte do Governo. Também o afastamento de Joana Marques Vidal de PGR e de Vítor Caldeira de presidente do Tribunal de Contas foi mais um passo na neutralização de quem tinha dado provas de independência no exercício dos cargos. Um afastamento que obteve a concordância de Marcelo Rebelo de Sousa. Aliás, na ocupação do Estado, tem sido por demais evidente que o PS tem um cúmplice em Belém.

Dizia o sinólogo suíço Jean-François Billeter (Porquê a Europa, Guerra e Paz, p. 68), que o poder totalitário nasce “quando uma minoria organizada se apodera do Estado e do capital, utilizando estes dois poderes, que são um só, para se impor à sociedade e aos indivíduos na sua totalidade”. O Estado já está ocupado pelos socialistas e o capital, agora mais visível, é aquele que, oriundo de Bruxelas, ficará à disposição do Governo para distribuir e que dele já fala como se lhe pertencesse. Costa não deixou margem para dúvidas quando se dirigiu aos socialistas no sábado, 20-3-2021 (TSF). Por isso, sabendo em que mãos está o dinheiro, temos uma sociedade à espera de ver o que acontece, mas silenciosa. Situação própria de quem receia que qualquer palavra dita possa ser mal interpretada pelo poder político e, assim sendo, lhe seja fatal.

Escrevia o historiador Timothy Snyder (The road to unfreedom: Russia, Europe, America, Random House, p. 129), que “o autoritarismo chega não porque as pessoas digam que o querem, mas porque perdem a capacidade de distinguir entre factos e desejos”. À sociedade enfraquecida, como está a portuguesa, em que a única perspetiva de sobrevivência que lhe é oferecida são os dinheiros de Bruxelas controlados pelo Governo, resta-lhe o conformismo quando percebe que a hegemonia do PS é intimidante. Não faltam exemplos para o confirmar. O Estado confunde-se com o PS e, desgraçadamente, o empobrecimento da sociedade torna-a cada vez mais dependente das decisões governamentais.


Francisco Menezes

* O autor usa a norma ortográfica anterior.

Partilhar

Sem comentários

deixe um comentário