Profecias afegãs

Não sou adivinho, nem parente do famoso Zandinga, ou sequer descendente de profetas, mas em 2007, há catorze anos, escrevi o que se segue após uma reunião da NATO em Riga, na Letónia.


“Em Riga, a duplicidade de alguns membros da NATO, (Espanha, França, Alemanha e Itália) relativamente ao empenhamento no Afeganistão, coloca perigosamente em causa a credibilidade de uma aliança à qual o mundo ocidental deve o maior período de paz e prosperidade da História.

O modo como estes países arrastam os pés no seu comprometimento, tem muito menos a ver com a importância do que se joga no Afeganistão, do que com a irracionalidade do antiamericanismo militante que submerge no seu caldo de cultura politicamente correcto, todo um conjunto de líderes que estão hoje no poder.

Desde a esquerda folclórica de Zapatero, à direita gaulista de Chirac, passando pelo esquerdismo bacoco de Prodi e pela chantagem da ala esquerda da Grande Coligação no poder em Berlim, é o antiamericanismo que está a conduzir a NATO para uma das suas maiores crises, cavando fossos na solidariedade em que se funda.

Para além da necessidade, que ninguém questiona, de garantir a derrota dos talibans, impedindo que falhe a tentativa democrática e que a região se volte a converter num santuário do terrorismo islâmico, o que se joga ali é a credibilidade da própria NATO.

Se, apesar de todo o seu potencial, a NATO falhar no Afeganistão, estará ferida de morte e do facto serão extraídas conclusões que não auguram nada de bom para uma Europa que se imagina olímpica e imune à guerra e à agressão.

O problema com estes países, é que, apesar de terem tropas no terreno, recusam colocá-las sob comando operacional do comandante da ISAF, reservando-se o direito de vetar o seu emprego, por razões políticas, em zonas onde elas mais são necessárias.

É como se ali estivessem a passar férias…ficam bem na fotografia, podem dizer que estão “solidários” com a Aliança Atlântica, mas na prática o comandante da ISAF não as pode utilizar onde e quando entender necessário.

Em termos militares, este tipo de duplas cadeias de comando em teatros de operações não permissivos costuma ser uma boa receita para o desastre, de tal modo que um dos universais princípios da guerra, que se aprendem em todas as academias militares, é justamente o da unidade de comando.

A situação é caricata e pode ser trágica: se de repente, face uma emergência, o Comando da ISAF necessitar que tropas espanholas intervenham em defesa de um contingente inglês em dificuldades, não tem capacidade para dar essa ordem e os ingleses terão de desenrascar-se sozinhos, podendo mesmo morrer a combater, sem que os seus “aliados” os ajudem.

É a certeza de que os outros ajudam quando um dos membros necessita, que mantêm a solidez da organização.

Quando políticos menores colocam em causa este princípio, podem ganhar créditos no imediatismo de uma opinião pública volúvel, mas estão a vibrar machadadas profundas na sua própria segurança a médio e longo prazo.

Zapatero e Prodi podem agora ufanar-se com a esperteza saloia de estarem no Afeganistão sem colocarem as suas tropas em risco, ajudando os americanos, holandeses, ingleses, portugueses e canadianos, que combatem lado a lado nos locais mais perigosos, mas não se devem admirar que, um dia que o necessitem, os outros lhe façam também um manguito.

E tanto a Itália como a Espanha, têm muito a perder.

A Itália já foi alvejada com mísseis SCUD a partir da Líbia e a Espanha tem soberania sobre terras que os islamistas consideram pertencer ao Dar-Al-Islam.

Mesmo no Afeganistão, se as escassas tropas da NATO nas zonas onde se combate não lograrem estancar a guerrilha, ela poderá alastrar aos campos de férias dos espanhóis, na zona oeste, e veremos se depois os outros também irão ajudá-los nas mesmos moldes.

Fomos nós que escolhemos estes políticos que navegam à vista e parecem incapazes de se orientar no mar alto da geopolítica e da geostratégia.Lamentavelmente quem pagará a factura da nossa burrice serão os nossos filhos e netos.”


Eu sei que o tempo passou, a História entretanto fez-se, mas aquilo que então antecipei está ai materializado no terreno e serve, não para reivindicar o eu-bem-dizia, mas para, de algum modo, demonstrar que os sinais eram já claros, as razões evidentes e não é necessário ser “politólogo” ou “especialista” em certas artes, para prever coisas óbvias.

Passaram catorze anos desde o momento em que escrevi isto e o que na altura era uma opinião “radical”, tornou-se um facto histórico.

As sucessivas administrações americanas foram sentindo a falta de solidariedade dos seus “aliados”, a guerra arrastou-se num pântano de indecisão e falta de anima, a administração Trump foi especialmente vocal na expressão desse desagrado e resolveu sair, e a actual administração saiu mesmo, num processo caótico, precipitado, traumático e tumultuoso, que esfaqueou pelas costas, não só os “aliados”, mas também os afegãos, especialmente as afegãs e milhares de ocidentais que ali prestavam serviço.

Sim, os nossos filhos e netos pagarão a factura.

Mais imigração islâmica para a Europa, mais terrorismo, mais radicalização, mais rápida evaporação dos valores que sustentam aquilo que somos como civilização, no exacto momento em que ameaças poderosas começam a estender a sua sombra lá do Oriente.


José do Carmo
Editor de Defesa do Inconveniente

* O autor usa a norma ortográfica anterior.

Partilhar

Latest comments

  • Estou totalmente de acordo com o que escreve. Não mudava uma vírgula.
    Ainda me lembro do ex – presidente americano dizer que os aliados europeus teriam que passar a contribuir com o que se tinham comprometido para a defesa comum e orçamento da NATO. Aqui deste lado do Atlântico foi um sobressalto: “O maldito e maquiavélico homem laranja”!!! “Como se atreveu”!!! “Que sinal de egoísmo e isolacionismo”!!!
    Mas o facto é que na prática andaram os contribuintes dos imperialistas brutos e beligerantes EUA a pagar boa parte das politicas pacifistas e das políticas sociais / socialistas europeias, desde o fim da 2ªGuerra até hoje.
    Talvez por ter sido criado no tempo da “Guerra Fria”, tempo em que todos os europeus tinham a perfeita noção de que o muro de Berlim só não passou a ser no Cabo da Roca por causa do compromisso americano. Ou isso ou teríamos que ter investido 20 ou 30 vezes mais na nossa defesa, incluindo os investimentos em investigação e desenvolvimento de defesa. Talvez por isso, sou da opinião que a aliança Europa – América é de importância fundamental. Para eles mas muito também para nós. Muitos europeus já o esqueceram, outros, não o tendo esquecido, estão por isso mesmo apostados em desgastá-la.
    Por último, acho que deste lado do Atlântico deveríamos ter sempre presente (e em detalhe) o que aconteceu em “Omaha Beach” no dia 6 de Junho de 1944.

  • Trump – um homem adiantado no tempo? A historia tratara desse assunto…. Volta Trump que estas desculpado.

deixe um comentário