Preconceitos e sexualidade

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Há dias, a propósito de ter referido a persistente e deliberada inclusão (muitas vezes às três pancadas, sem qualquer relevância para a história em si) das sexualidades alternativas em recentes filmes e séries, desde o Superman ao 007, acusaram-me de “homofobia” e diagnosticaram-me irremediável baixo carácter e até olímpica ignorância.

É o novo normal. Hoje em dia, quando não se concorda com a mensagem de alguém, sai de imediato um adjectivo tremendo dirigido ao mensageiro. Ele é o “islamófobo”, o “homófobo”, o “transfóbico”, o “racista”, o “negacionista”, e por aí adiante. Confesso não ter muita paciência para esse tipo de argumentação e o que me apetece logo fazer, não seria bom para a saúde de quem assim “argumenta”.

Esclareçamos a situação.

A luta pelos direitos dos homossexuais tem episódios justíssimos, como a afirmação do direito à diferença e a rejeição de acções que ataquem os elementares direitos de cidadania do cidadão homossexual ou transsexual, etc.

Hoje, tirando alguns trogloditas, no Ocidente ninguém preconiza que se espanquem, discriminem ou internem homossexuais e a ideia prevalecente é que o que cada um faz na cama, com outro adulto, só a eles diz respeito.

Assim sendo, qualquer homossexual, heterossexual, transsexual e qqcoisassexual, é livre de viver a sua vida como bem entender, com quem entender, e o estado democrático não se deve postar à cabeceira da alcova, para inspeccionar e sancionar os pormenores íntimos da questão e muito menos meter nos currículos escolares, opiniões sobre se é bom ou mau. Ou seja, neste particular, tanto os homossexuais, como os heterossexuais e por aí adiante, devem ser livres como os passarinhos.

Mas a patrulha woke que nos vai estupidificando, necessita de arremeter contra bonecos de palha e moinhos de vento, uma vez que se vê a si própria como elite cultural cuja missão histórica é orientar as massas ignaras no caminho do progresso.

Os que duvidam da sua auto-atribuída iluminação são óbvios ignorantes ou malévolos, incapazes de ver aquilo que para a elite é de uma evidência cartesiana: as sexualidades alternativas são “classes oprimidas” e a sua manipulação é condição sinequanon da modernidade e do progressismo.

Brincar, ironizar, sugerir ou afirmar qualquer discordância, implica o anátema e o ódio devido aos hereges e trogloditas “homofóbicos”.

A vanguarda revolucionária, ao mesmo tempo que derrama sobre os ímpios as suas indignadas e tremendas condenações morais actua, qual Tribunal do Santo Oficio, insultando e cancelando os cismáticos com o látego da intolerância.

E de uma devida condenação das acções concretas contra os homossexuais rapidamente escala para a pretensão totalitária de fiscalizar pensamentos e intenções, procurando castrar qualquer opinião que não coincida com a ortodoxia hegemónica.

Não temo o assunto, não tenho medo irracional (fobia) e na verdade já estou farto destes aprendizes de psicologia de cordel, que desatam a diagnosticar fobias urbi et orbi, para calar e censurar as ideias heréticas. Para mim é um assunto como qualquer outro, era o que faltava se não pudesse falar dele.

Será a inclinação sexual uma “escolha”?

Muitos daqueles que desfraldam o “orgulho gay”, por exemplo garantem que sim.

A ciência e a Lady Gaga (Born this way), pelo seu lado, parecem indicar que já se nasce assim. E a verdade é que a sexualidade existe em todos os outros mamíferos que não apenas o homo sapiens pelo que, a menos que se trate de uma “escolha” de um certo chimpanzé, ou de um certa vaca, resta a biologia como explicação.

A minha experiência de vida, diz-me que sinto atracção por quem sinto e isso não resulta de escolhas que eu faça. Os/as heterossexuais têm o seu tipo de “mulher” ou “homem” e os que não são desse tipo, não vão a jogo, porque a ‘química’ não está lá, mesmo que esteja tudo o resto de uma extensa lista de atributos.

Nesta perspectiva, o “orgulho” gay”, ou “hetero”, ou “branco”, ou “negro”, é uma parvoíce folclórica. Que um indivíduo se orgulhe de ter feito isto ou aquilo, de meter golos como o Ronaldo, etc., faz algum sentido. Que se orgulhe de uma diferença que não depende do seu querer ou mérito, não faz sentido nenhum.

Mas então serão as sexualidades alternativas, uma doença?

O fundamento biológico não justifica essa classificação. O seu portador é absolutamente igual aos outros, excepto numa característica biológica que não lhe confere vantagens reprodutivas pelo que, naturalmente, tenderá a não a passar às gerações futuras, pese embora a tecnologia hoje ao alcance de uns poucos.

Ora o que faz crescer as espécies, são pulsões sexuais normais (no sentido estatístico do termo) puras e duras e as nossas são exactamente iguais às dos outros mamíferos. O modo como as estilizamos é que é diferente. Gostamos de embrulhar a coisa em palavras e gestos elevadas e sublimes, mas o que está lá dentro são apenas as poderosas forças do sexo e da morte, Eros e Tanatos, a estratégia não racionalizada, de escapar à morte e ao tempo.

Paradoxalmente, o facto de haver mais sexualidades alternativas na nossa espécie que noutras, pode muito bem ser um efeito perverso do estigma cultural, porque durante muitos séculos a homossexualidade, por exemplo, foi (ainda é, em muitos países atrasados) social e legalmente hostilizada e poucos se atreviam a assumi-la, acabando por procriar no seio de relações hetero normais. Principalmente as mulheres que não tinham grandes escolhas.

Com a “saída do armário”, cada vez menos gente sente necessidade de fingir, pelo que as suas configurações genéticas serão cada vez menos transmitidas às gerações seguintes e o mecanismo darwinista remetê-los-á para a irrelevância estatística, típica de outras espécies de primatas.

Assim, paradoxalmente, esta fase de enaltecimento das sexualidades alternativas terá como consequência a longo prazo, com mais ou menos complexidade, com mais ou menos factores influenciadores, a redução a uma percentagem semelhante à de outras espécies de mamíferos. Não desaparecem (e ainda bem, a espécie pode vir a necessitá-los e a variedade é uma das suas armas) mas tornam-se outliers, no sentido estatístico da palavra.

E o preconceito, ó detestável homofóbico?

Todos temos preconceitos, queiramos ou não, admitamos ou não. Fazem parte do nosso sistema operativo, são uma resposta padrão a situações complexas e difíceis de esclarecer em tempo útil. É por isso que todos nós, por exemplo, fugimos de um leão vier a correr na nossa direcção. Não o conhecemos, não sabemos se vem apenas ronronar, mas assumimos preconceituosamente que nos quer estrafegar.

Sim, eu tenho preconceitos relativamente às sexualidades alternativas tal como tenho em relação a certos tipos de mulheres que não fazem o meu género. Tenho, não depende da minha vontade, que se há-de fazer? E contrariamente à correcção política vigente, penso que os preconceitos não são apenas nem sobretudo o resultado da ignorância, maldade ou outros moralismos de cartilha. Na minha opinião, eles mergulham fundo nos nossos arquétipos colectivos, e estão presentes na maioria das pessoas. Por uma questão de conveniência social, boa educação, etc., disfarçamos, retocamos a máscara, não verbalizamos, tal como fazemos com pessoas estranhas, dementes, deformadas, etc. Polimos as atitudes (e bem), mas na viela iluminada da nossa consciência, não podemos esconder a verdade de nós próprios.

Ora, eu não sou hipócrita… a não ser quando me convém. Consigo conversar civilizadamente com qualquer pessoa e disfarçar o que realmente penso, em suma, agir com correcção. Mas isso é apenas verniz social, afinal de contas um cosmético essencial para viver em sociedade.

Para lá dele, as sexualidades alternativas são para mim coisas estranhas, como é óbvio, uma vez que não as “compreendo”, no sentido em que também não compreendo como é ser morcego, por exemplo. Reconheço às pessoas o direito de serem o que são, mas reivindico para mim o direito de sentir o que sinto em relação a isso.

Há coisas que me desagradam e repugnam, não sei se por instinto, mas certamente para lá da racionalidade. Não é uma questão religiosa ou fóbica, muito menos de ignorância ou mau carácter… É assim!

E tenho a razoável convicção de que a maioria das pessoas sente o mesmo em relação a determinadas coisas, embora não o verbalize porque há uma pressão social que rotula tal “preconceito” como pouco “avançado”, pouco “moderno”, pouco “sofisticado”.

Por exemplo, não gosto de ver uma pessoa com um furúnculo no nariz.

Não gosto e pronto, viro a cara e olho para coisas bonitas. Mas se a pessoa insiste em vir meter-me o furúnculo à frente dos olhos, e exige o meu respeito pelo furúnculo, e esfrega-o no furúnculo de outro tipo em público e diz que tem orgulho e quer que o estado reconheça e dignidade do furúnculo, a situação torna-se constrangedora.

É isto que se está a passar. Há quem pense que os outros devem submeter-se às suas visões da sexualidade como um sinal de “modernidade”, de “progressismo”.

Por mim a legião zombie woke não passa sem levar troco.


José do Carmo
*O autor escreve segundo a anterior norma ortográfica.

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  • Muito bem explicado.

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