Postal de Paris

Imagem: Amadeo de Sousa-Cardoso (1911). O Salto do Coelho. Art Institute of Chicago.

O ambiente em Paris foi de tal modo descontraído nas comemorações do 10 de junho de 2016, que o Expresso, de 18-6-2016, contava este episódio passado na capital francesa: 

Os dois tinham acabado de visitar a exposição de Amadeo de Souza-Cardoso ali exposta, o primeiro-ministro já falara à imprensa, o Presidente também e os jornalistas tinham ido tratar das suas peças. E eis senão quando António Costa, que desaparecera por momentos da vista da comitiva, reaparece com um envelope do museu na mão e o oferece a Marcelo.

O Presidente ficou surpreendido, não esperava o gesto, mas Costa pediu-lhe para abrir: dentro do envelope, um postal com uma réplica do célebre quadro de Souza-Cardoso “O Salto do Coelho”. “Há uns que saltam, outros não”, comentou Costa, segundo relatou ao Expresso um dos presentes. E o Presidente, por uma vez, ficou sem resposta: “Isto não posso comentar, não vou falar”, disse apenas, perante a gargalhada das comitivas.

Foi neste espírito que terminou a visita dos dois políticos a França, num gesto inédito de comemoração durante três dias do Dia de Portugal junto da comunidade portuguesa, a maior e mais antiga na Europa. O ambiente foi de cumplicidade, relatou quem viu, onde as quebras de protocolo foram sistemáticas, pondo os agentes franceses encarregados da segurança quase em estado de choque, tanto mais numa altura em que a França se mantém em estado de sítio e decorre o Euro.

O postal de Paris continha uma mensagem subliminar. Para os dois, como se foi vendo, a continuação de Passos Coelho à frente do PSD constituía um grande incómodo político. O ex-primeiro-ministro detinha a legitimidade da vitória nas legislativas de 2015, mesmo que a solução governativa tivesse sido depois outra, e não era pessoa das simpatias de Marcelo e Costa.

Em Janeiro de 2017, referindo-se à actuação de Marcelo como Presidente, Sampaio da Nóvoa, seu principal adversário na luta eleitoral, achou por bem dizer-lhe, em entrevista ao Público, que “um líder da Oposição tem de ser tratado com a mesma dignidade de um Primeiro-Ministro.”

À diabolização de Passos pela Esquerda juntaram-se as muitas depreciações nos jornais atribuídas a “fontes” do Palácio de Belém. Era preciso rapidamente arrumá-lo e Marques Mendes, conselheiro de Estado escolhido por Marcelo, nos seus comentários dominicais, ajudou também ao processo de desacreditação de Passos Coelho.

Francisco Menezes

*O autor escreve segundo a norma ortográfica anterior.

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