
Aquando do início do Reinado de Salomão, Israel era já um reino consolidado: David, pai e antecessor de Salomão, havia tratado de unificar as diferentes tribos num único reino, o reino de Israel. Não obstante o exposto, foi no reinado de Salomão que Israel atingiu o seu máximo esplendor. Conquistando os territórios dos reinos contíguos e incrementando largamente o seu poder naval, Israel tornou-se numa potência hegemónica do Médio Oriente (Hahn, 2013).
Diversas circunstâncias económicas, políticas, sociais e geográficas possibilitaram tamanha expansão, contudo, não existiu circunstância alguma tão influente como a sabedoria inerente ao Rei Salomão.
De todos os episódios narrados na Bíblia, o episódio do rei Salomão e das duas mães, episódio este em que Salomão, por recurso a ardilosas e sofisticadas táticas, consegue comprovar qual a verdadeira mãe da criança em disputa por duas mulheres diferentes, é decerto um dos mais célebres. Este episódio, realçado por força da história dentre as inúmeras narrativas bíblicas, demonstra não só a profunda sabedoria que Salomão possuía como também a inequívoca imagem de sabedoria de que se imbuía para com o povo de Israel.
Não obstante o exposto, torna-se, porém, evidente a existência de um paradoxo fundamental relativo ao rei Salomão: não obstante a sabedoria que emanava, esta mesma sabedoria não se revelou um fator impeditivo de que o seu reinado terminasse em decadência, acabando futuramente por ser dividido em dois.
Serve, portanto, o presente ensaio para contextualizar o surgimento da referida sabedoria na pessoa de Salomão e a sua importância na ascensão do reino de Israel, bem como discutir as razões que poderão ter levado Salomão a cair em desgraça, mesmo conservando em si uma sabedoria que o colocava num patamar superior aos restantes soberanos do seu tempo.
Comecemos então por contextualizar o surgimento da sabedoria do rei Salomão.
Após a morte de David, Salomão estabeleceu-se no trono de Israel. Neste contexto, Deus apareceu a Salomão e ofereceu-lhe aquilo que ele quisesse. Salomão decidiu pedir sabedoria e conhecimento que lhe permitissem reinar Israel com mestria, ao que Deus respondeu: “Porque isso estava no teu coração e não pediste riquezas, bens, nem glória, nem a morte dos que te odeiam, nem tampouco vida longa, mas pediste sabedoria e conhecimento para poderes governar o meu povo, sobre o qual te fiz rei, por isso a sabedoria e o conhecimento te são dados. Além disso, eu te darei riquezas, bens e glória, como nunca tiveram os reis que te precederam, nem os que vierem depois de ti.” (2 Crónicas 1:11-12). Assim, a sabedoria de Salomão, bem como como todas as conquistas e todas as riquezas que desta sabedoria advieram podem ser consideradas à luz de um dom concedido pelo Espírito Santo.
Efetuando uma análise mais profunda às palavras proferidas por Deus aquando desta concessão sapiencial, torna-se percetível que o Espírito Santo, reconhecendo em Salomão a existência e o desejo de prosseguir a prática das virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade, permitiu-lhe canalizar estas virtudes em prol do desenvolvimento de uma eminente sabedoria, materializada por meio das virtudes cardeais da prudência, justiça, fortaleza e temperança, por natureza fundamentais na existência de uma sabedoria em cada ser humano (Aleteia, 2020).
Imbuído da sabedoria com que Deus o providenciou, Salomão prosseguiu o caminho de conquistas e de façanhas militares já referido, tornando Israel na grande potência do Médio Oriente. Contudo, esta grandiosidade revelou-se efémera – logo após a morte de Salomão, Rehoboam, seu filho e herdeiro, não conseguiu manter o Reino de Israel coeso, dividindo-se este no reino de Judá e no reino de Israel.
Perante este cenário, torna-se gritante o paradoxo referido na introdução do presente ensaio, surgindo no seu seguimento uma grande questão: Porque a sabedoria, por si mesma, não impediu que Salomão caísse em desgraça ou, por outras palavras, porque a sabedoria de Salomão se revelou acompanhada de uma eficácia tão efémera? O referido paradoxo é passível de ser justificado à luz de dois argumentos.
Primeiramente, podemos considerar que esta efemeridade se deve aos abusos de Salomão relativamente à lei provisória. Salomão, ao longo do seu reinado, foi acumulando múltiplos casamentos – como é simbolicamente referido, 700 mulheres e 300 concubinas – de modo a cimentar alianças com as mais diversas nações e assim maximizar os seus domínios territoriais bem como a sua influência e o seu poder.
A decadência que se seguiu ao apogeu do reino de Israel, considerando-a como devendo-se aos abusos relativamente à lei provisória, demonstra que Deus entendeu os inúmeros casamentos de Salomão como representando uma quebra relativa à prévia linha de ação orientada de acordo com as virtudes teologais, tornando assim consequente uma diminuição nas virtudes cardeais que sustentavam a sabedoria de Salomão e ainda a tomada de decisões prejudiciais ao Reino de Israel cada vez mais premente.
Em contraste com os abusos relativos à lei provisória, outro argumento que pode ser apresentado para justificar a efemeridade da eficácia da sabedoria de Salomão é o relativismo praticado por Salomão.
Salomão não se limitou a casar com as referidas 700 mulheres. De modo a satisfazer o fim com que estes casamentos foram consumados, isto é, de modo a cimentar com maior efetividade as alianças políticas materializadas por meio destes casamentos, Salomão construiu templos em honra aos deuses falsos adorados pelas suas mulheres.
A decadência que se seguiu ao apogeu do reino de Israel, enquanto consequência do relativismo praticado por Salomão, demonstra que Deus viu nesse mesmo relativismo uma quebra particularmente grave no que respeita a virtude teologal da fé – a qual terá levado à rutura das demais virtudes teologais e cardeais. De notar, ainda, é o facto de a orientação relativista manifestada por Salomão, no decorrer do seu reinado, contrastar fortemente com o seu objetivo inicial de construir um único Templo de Jerusalém, para que todos os pagãos do mundo se submetessem ao único Deus verdadeiro.
Na minha visão, por fim, e considerando as duas grandes causas que apontei para a decadência de Salomão, parece-me que a segunda foi, sem dúvida, a mais determinante.
O relativismo representa uma ofensa direta à religião ou, por outras palavras, representa uma ofensa direta à virtude teologal da fé. A orientação da ação de Salomão de acordo com uma linha relativista descura, por assim dizer, o papel divino na concessão da sua sabedoria, constituindo este um forte motivo para o desmoronar das suas restantes virtudes teologais, cardeais e morais. O que teve como consequência a diminuição da própria sabedoria, espelhada nas últimas decisões do rei. Pode, portanto, compreender-se o relativismo como a causa primordial da decadência do Reino de Israel.
Miguel Canas
Estudante do 10º ano
Este ensaio foi escrito para a disciplina de Religião do Colégio Planalto (Lisboa)
Referências:
Hahn, S. (2013). Understanding the scriptures. Parish Edition. San Francisco. (págs. 82—83)
Aleteia. (16 jun., 2020). 7 virtudes-chave do católico: as 3 teologais e as 4 cardeais. Recuperado a 12 de março de 2023 de https://pt.aleteia.org/2020/06/16/7-virtudes-chave-do-catolico-as-3-teologais-e-as-4-cardeais/