Os tempos estão a mudar

Os tempos estão a mudar e uma sombra negra e ameaçadora ganha força a Oriente, tal como no universo de Tolkien.

 A Europa, essa materialização da metáfora dos hobbits, vivia tranquila, relaxada e confiante, após a 1ª Grande Guerra.

Dormia ainda o sono dos justos, quando as ditaduras fascistas, comunistas e nacional-socialistas começaram a sair do ovo da serpente e por isso a resposta foi o apaziguamento e o pacifismo.

Os ciclos da História tendem a repetir-se ao longo das eras, porque a memória vivida das tragédias se vai desvanecendo e as pessoas tendem a acreditar que o que se passou antes é apenas uma história escrita em livros, ecos estranhos de remotos e incruentos passados que já não podem acontecer agora, como se a natureza do poder e das pessoas tivesse sofrido alguma fundamental alteração.

Nestes tempos de sono e oblívio, fundem-se as espadas para fazer alfaias, como se doravante elas nunca mais fossem necessárias.

Mas durante aquele sono, Hitler armou-se, como hoje se arma a China, o Irão e outros.

 A Alemanha invadiu a Áustria e a Checoslováquia, como hoje a Rússia invade a Ucrânia, a Geórgia e a Crimeia, a China pressiona Taiwan, apoderando-se de todo o mar do Sul da China, e ameaçando a Austrália, Filipinas, e demais países vizinhos, o Irão corre para a bomba nuclear e apodera-se em termos factuais, da Síria, Iraque, Yemen, Líbano, etc.

Na altura, tal como nos dias que correm, as democracias preferiram tergiversar, fazer de conta que nada estava a acontecer, fizeram pactos chamberlânicos, apaziguaram, desculparam, justificaram e continuaram os negócios, até ao momento em que a guerra lhes bateu inevitavelmente à porta e eram agora eles que estavam na linha de mira.

As democracias saíram felizmente vitoriosas da 2 GM, num conflito cujo desfecho nem de perto nem de longe alguma vez esteve garantido e, perante as ruínas e os mortos, pareceram ter aprendido a lição.

Aliaram-se, fizeram frente à URSS, combateram o comunismo que se apresentava confiante e militarmente poderoso, mantiveram uma pressão constante que evitou a guerra e culminou na vitória e na paz.

Essas lições parecem já longínquas.

Obama inaugurou os EUA apaziguadores, chamberlânicos, a fazerem acordos tipo “Munique” com os aiatolas, a promoverem o  “reset” com a Rússia, a subserviência com o islamismo, o concubinato com a China, Cuba e demais ditaduras de índole socialista, ao mesmo tempo que davam tratos de polé aos seus mais firmes e antigos aliados.

A União Europeia, na realidade a França e a Alemanha, fartaram-se também de minar os americanos em todo o lado, principalmente quando eram administrações republicanas que estavam no poder em Washington, votando contra eles em questões vitais nas Nações Unidas, opondo-se e conspirando.

Mostram-nos também, constantemente, como se pode utilizar a converseta politicamente correcta para bloquear qualquer acção contra os regimes totalitários, apoiando e financiando o terrorismo palestiniano, desculpando os regimes cubano e venezuelano, fazendo grandes negócios com aiatolas, chineses e russos, dando respeitabilidade a ideologias totalitárias e perigosas como o comunismo e o islamismo.

É neste cenário de cegueira estratégica que surge o acordo entre Estados Unidos, Austrália e Reino Unido para, no fundo, criar uma nova aliança militar na região Indo-Pacífico.

Esta aliança parece desenhar uma nova ordem mundial na qual a Europa e a própria NATO passam a actores menores e excêntricos, face ao súbito deslocamento geopolítico para o Oriente, onde a China aparece claramente como um adversário capaz de desafiar a hegemonia americana.

A velha Europa passa a espectadora passiva de tensões que a afectarão directamente, mas em cuja resolução não pode intervir porque carece de capacidade, vontade e credibilidade.

O desconcerto que este gesto causa na Europa, vai muito para lá da “facada nas costas” que a França acusa de forma bastante indignada, principalmente pela anulação de um contrato milionário de aquisição de submarinos pela Austrália.

A nossa dependência dos EUA é muito maior do que no passado porque não se baseia apenas nos números de homens, armas e equipamentos, mas sobretudo na qualidade da tecnologia militar e na “intelligence” de que a Europa carece (porque recusou investir nas espadas) e os americanos se dispõem agora partilhar com a Austrália e o Reino Unido, este já fora da UE.

Com uma NATO desnutrida, humilhada no Afeganistão, e desvitalizada, os europeus ficam ainda mais vulneráveis às manobras russas e mais tarde ou mais cedo também darão de caras com a ditadura chinesa, cujos interesses estão nas antípodas dos nossos.

Neste quadro importa referir o desastre em progresso que é a administração Biden.

Da caótica fuga do Afeganistão, que resultou na tragédia humanitária e estratégica que se conhece, já se falou bastante.

A maneira como esfaqueia pelas costas a França, o seu aliado mais antigo, é juntar horror ao desastre.

Biden vinha com o lema “A América está de volta” e encheu a boca com a restauração da confiança com os aliados que, na sua opinião, Trump tinha destruído.

Em apenas 8 meses causou danos gravíssimos aos seus aliados mais próximos, ao mesmo tempo que ensaia aproximações aos aiatolas, aos palestinianos, a Cuba, à China, dá luz verde ao pipeline Nordstream II, mina por dentro as forças armadas e as agências de segurança, com injecções de wokeísmo, promove a divisão interna com doutrinação racial intensiva no ensino e nas instituições, etc., etc.

Consegue-se compreender racionalmente a saída do Afeganistão e o acordo para venda de submarinos nucleares à Austrália que, evidentemente, os prefere a velhas tecnologias a diesel, no seu enfrentamento estratégico com a China.

O que não se percebe é o modo como tais coisas foram feitas, num total desprezo pelos aliados, sem diplomacia, sem consultas, sem conversas, sem previsão de consequências, como se fosse sequer possível enfrentar a China sem a força do elo transatlântico.

Para quem falava mal do Trump, estamos conversados.

Como disse Carl Bildt, ex-primeiro ministro sueco, “com Trump a Europa estava desagradada com as conversas. Agora é pior, nem sequer há conversas”

Esta situação vem dar razão aos que defendem uma credível capacidade militar europeia mas isto, que parece tão simples de dizer, obrigaria a vultuosos investimentos em defesa, bem como à especiosa definição de um interesse colectivo que, ora por ora, não se vislumbra possível.

Uma Europa que, no Afeganistão, não foi sequer capaz de integrar as suas tropas, mantendo numerosos caveats nacionais, uma Europa que, mesmo sob a protecção de uma aliança como a NATO, se esquiva a comparticipar as despesas com as quais se comprometeu, uma Europa sem uma identidade que agregue e pela qual se luta e morre, que navega à vista, que vende infraestruturas aos chineses e se coloca na sua dependência tecnológica (5G, por exemplo), que potencia a dependência energética da Rússia (Nordstream II), que encara a guerra e a “coisa militar” com desfastio e condescendência, não parece minimamente capaz de dar os passos necessários para escapar ou à protecção mais ou menos benevolente dos americanos, ou à vassalagem à ditadura chinesa, ou à permanente chantagem russa, as únicas alternativas que a esperam.

A resposta?

Simples de enunciar, porém tão difícil de cumprir:

Reivindicar e proteger os valores civilizacionais ocidentais, assumir as heranças clássica e judaico-cristã, criar uma aliança das democracias, comprometer-se com ela não dar tréguas nem desculpar, justificar ou fazer negócios com ditaduras e actores agressivos. Destruir as ameaças ainda no ovo e enfrentar as que já saíram.

Irá acontecer?

Não!


José do Carmo

*O autor escreve segundo a anterior norma ortográfica.

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Latest comments

  • Excelente análise. Parabéns!

  • parabens pelo texto…….excelente

  • Análise muito bem elaborada.

    Sem qualquer pretensão, evidentemente, eu concluiria com duas frases:

    Em cem anos, os europeus não aprenderam rigorosamente nada.

    A união europeia, nos últimos dez anos, senão mais, tem sido o pior inimigo da sociedade europeia e das nações europeias.

  • Fazer a Aliança das Democracias para tornar o Mundo seguro para o Progressismo🤣!

    Porque ninguém tenha dúvidas que esse seria o objectivo de uma Aliança das Democracias, hastear a bandeira do arco-íris sobre Pequim, Moscovo e Teerão!

  • – Aparentemente, as vatagens económicas (eventuais, e a curto prazo) são o 1º ou critério ou 2º, sendo que o outro será a quantidade de “vermelho” na bandeira!

  • Muitos parabéns pela excelente visão/análise do futuro.

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