O mar enrola na rede: o caso do padre Faria

Como se tem evidenciado, a área do Patriarcado de Lisboa foi especialmente afetada pela tara pedófila, redundando em abusos sexuais de menores, com casos abafados, transferência de paróquia e exfiltragem para o estrangeiro de abusadores mais notórios. O Inconveniente (IИ) apresenta outro caso demonstrativo de despudor e incúria.

O padre José Francisco Faria (Roliça, 1936 – Lisboa, 2019) foi ordenado em 1967 e exerceu o ofício na diocese de Lisboa. Foi pároco: de Ulme e Chouto (Chamusca) entre 1967 e 1974; de Famalicão da Nazaré, Alfeizerão, Cela e Bárrio (Alcobaça) de 1974 a 1982; de São Martinho do Porto (Alcobaça) e Salir do Porto (Caldas da Rainha), em 1982 e 1993, segundo a nota do Patriarcado de Lisboa, publicada por ocasião da sua morte (de 15-3-2019).

A sua conduta provocou escândalo nas paróquias de Alfeizerão e São Martinho do Porto, no extremo norte de uma diocese de Patriarcado longínquo e muito pouco assíduo a estas terras do Oeste rural distantes da cosmopolita Lisboa. Para os padres, a vigararia de Alcobaça/Nazaré era vista como zona de desterro; para os bispos do Patriarcado, como de alarido menor em caso de escândalo. Ora, o padre Faria cometia o nudismo integral na praia do Salgado (Alcobaça/Nazaré) e na vizinha praia da Gralha. Não era apenas o nudismo do banhista que mais ou menos se bronzeia deitado: o padre circulava nu pela praia e até cumprimentava se via alguém conhecido. Desta atividade exibicionista, apesar de padre, não tinha nenhuma vergonha. Quando chamado a atenção por colegas padres, justificou-se de que o fazia na infância, que era um modo inocente e não via motivos para mudar.

As várias informações que circulavam então, e que chegaram ao IИ, não se reduziam ao nudismo exibicionista, mas também ao seu comportamento homossexual, alegadamente inclusive com menores (como uma das fontes confirmou ao IИ). Para lá do engate homossexual na estação rodoviária de Caldas da Rainha, onde era visto, provocava vexame local com as visitas de jovens, incluindo menores, que recebia na casa paroquial durante largas temporadas e no centro paroquial. Na casa paroquial, hospedava frequentemente jovens, que ali residiam com ele, à vez, durante meses, um dos quais também se dedicava alegadamente à prostituição masculina, provocando até desavenças familiares localmente.

No verão, o padre Faria transformava o centro paroquial, onde funcionava a catequese e chegou a acomodar o agrupamento do escutismo, numa espécie de colónia de férias, com um rodízio de seminaristas, alguns dos Olivais, como o famoso Ronilton Martins, e outros jovens ligados à Igreja. Nesse período estival, quando as atividades da catequese estavam encerradas, colocava uns beliches nas salas do centro e ali alojava os jovens. Diz quem conheceu, e ouviu relatos dessa estância, que nalgumas noites o próprio padre Faria ia lá pernoitar, e exibir-se. Segundo nos foi transmitido, num desses verões, um padre ligado à formação de seminaristas da diocese, sem saber o que ali se passava, levou inadvertidamente um grupo de jovens a passar ali um curto período de férias, mas depressa se arrependeu e não voltou. Porém, noutra temporada, o organizador do grupo foi o Inácio Franco Belo (padre identificado depois como abusador sexual de menores e já tratado neste jornal, em 5-1-2023).

ABC (30-1-2023). Centro paroquial de São Martinho do Porto.

ABC (30-1-2023). Centro paroquial de São Martinho do Porto.

ABC (1-2-2023). Casa paroquial de São Martinho do Porto

Nos idos de 1979-1980, de acordo com outro relato obtido, foi avistado no areal da praia do Salgado numa orgia homossexual com três rapazes (não tendo sido possível apurar a idade): enquanto um dos jovens o sodomizava, ele fazia sexo oral a outro e manipulava o pénis de um terceiro. Confrontado depois sobre as cenas na praia por uma das fontes do IИ, não negou o seu comportamento.

ABC (30-1-2023). Praia do Salgado (Alcobaça/Nazaré). Em cima, ao longe, a Nazaré.

ABC (30-1-2023). Praia do Salgado (Alcobaça/Nazaré). À direita, o areal da praia do Salgado. A sul, a praia da Gralha.

Alegadamente, segundo outra fonte bem informada, o padre Faria também frequentava uma casa na vizinha paróquia de Salir do Porto, que também lhe esteve adstrita, onde se realizavam orgias homossexuais, não sendo possível ao nosso jornal determinar se envolviam menores.

Como o escândalo se avolumasse, cerca de 1986, segundo apurámos, foi exfiltrado para a Alemanha, onde esteve alguns anos. A nota do Patriarcado refere que esteve como pároco de São Martinho do Porto até 1993, muito embora o serviço religioso fosse assegurado pelo padre Marques da vizinha paróquia de Alfeizerão. A nota do Patriarcado é omissa sobre o período de 1993 a 1999 e não conseguimos descobrir em que paróquia ou ofício esteve nesse país.

Amainado o burburinho da indignação, voltou a Portugal e foi encarregado da paróquia do Carvalhal (Bombarral), onde esteve de 1999 a 2012. O nosso jornal não obteve informação sobre este período.

Em 2012 retirou-se para uma casa sua, que recuperou, próxima de Alfeizerão, fazendo vida discreta, de acordo com testemunhos locais. E nos últimos anos, recolheu-se à Casa Sacerdotal da diocese, em Lisboa.

Do percurso de escândalo e do mal que provocou nos jovens, que devia proteger, e na Igreja, que devia preservar, nem um som retiniu na morte, tal como o éfeta em vida não abriu os ouvidos moucos dos prelados.


António Balbino Caldeira

Partilhar

Sem comentários

deixe um comentário