O horror da cruz quebrada

Cada um carrega a sua cruz. Por vezes, sobrepesa a essa carga a cruz dos outros. Aos clérigos incumbe também carregar a cruz dos leigos, oferecendo-se em sacrifício na ajuda e na oração. O que o clérigo não deve é quebrar a cruz de Cristo.

O padre Nuno Filipe Fraga Aurélio nasceu em 1964 e foi ordenado em 1989. Despontou como secretário particular do patriarca de Lisboa D. José Policarpo, porém, poucos meses depois, foi colocado no Alto Concelho de Alenquer, onde foi contemporâneo do padre Inácio Belo. Acumula essas funções com a de capelão militar no Regimento de Artilharia de Costa, em Oeiras, e no Centro de Instrução de Artilharia de Costa, em Cascais, de 1992 a 1994. Em 1994, é transferido para a paróquia da Cruz Quebrada (Oeiras) e deixa a capelania das unidades de artilharia de costa para o cobiçado lugar de capelão dos Pupilos do Exército, onde se manteve apenas até meados do ano escolar de 1995-1996. Em 2000, é movido para Santo Eugénio da Encarnação, em Lisboa. Em 2008 é exfiltrado pelo Patriarcado de Lisboa para o santuário de Nossa Senhora de Fátima, paróquia de Marie Médiatrice, em Paris. Alegadamente, os motivos da transferência sucessiva foi o escândalo de referências a abusos sexuais de menores.

Será ao Padre Nuno Aurélio que se refere a jornalista Catarina Guerreiro, do semanário Sol, neste excerto do artigo “Abusos na Igreja: os 8 suspeitos investigados”, de 8-5-2013, como tendo alegadamente abusado de dois menores de 15 anos, um dos quais se teria suicidado:

“Colocado em Paris
Pelo menos duas vítimas de 15 anos, escuteiros, acusaram um padre da cruz quebrada de abuso sexual, nos anos 90. um dos jovens veio a suicidar-se, tendo os familiares contado tudo ao Patriarcado. O bispo Albino Cleto (falecido em 2012) terá então telefonado à família a pedir desculpas por não ter tomado outras medidas e chegou a marcar uma reunião com D. José Policarpo, o que nunca aconteceu.
O caso foi arquivado pelo ministério público (MP), em abril passado, por na altura não ter sido feita queixa no prazo legal, estando agora o crime prescrito. Quanto à denúncia relativa ao outro menor, que terá mesmo recebido tratamento devido a uma penetração anal violenta, também foi arquivada por não ter sido possível ao MP recolher indícios de crime. o padre foi transferido da Cruz Quebrada para a Encarnação, tendo passado pelo secretariado do Patriarcado de Lisboa. desde 2007, está em Paris, no santuário de Nossa Senhora de Fátima.”

Sobre este caso, veja-se ainda o Expresso, de 22-12-2022, o Sol, de 8-5-2013, o CM, de 28-7-2022, o CM, de 4-8-2022 e o Expresso, de 16-9-2022.

Onde passou, ocorreram “problemas”. Consta de um mail em nome de “padres lisboa”, de 20-11-2022, a que o Inconveniente teve acesso, que os pais do menor de 15 anos, de nome Emanuel, da paróquia da Cruz Quebrada, que se atirou para debaixo de um comboio alegadamente em consequência do abuso sexual pelo padre Nuno Aurélio, receberam dinheiro do Patriarcado de Lisboa em troca de silêncio.

Porém, por a gravidade dos casos referidos ser ainda maior, o padre Nuno Aurélio foi transferido, durante o mandato de D. José Policarpo, para França, passando a reitor do santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Paris. O padre Nuno Aurélio não é citado no relatório final da “Commission indépendante sur les abus sexuels dans l’Eglise (CIASE)”, de 5-10-2021, e não obtivemos notícia de outros abusos sobre crianças ou adolescentes.

O Inconveniente escreveu, em 22-9-2022, à Conferência Episcopal francesa (com conhecimento à Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica portuguesa), para saber se foi feita qualquer denúncia sobre o padre Nuno Aurélio ou sobre outros padres portugueses transferidos para França em situações deste tipo, mas não obteve qualquer resposta.

Contactado pelo Inconveniente, o padre Nuno Aurélio preferiu não comentar estas notícias, informando apenas que o Ministério Público e a justiça eclesiástica investigaram “a denúncia”, desde novembro de 2012 a maio de 2015, tendo arquivado os processos. O nosso jornal não teve acesso aos processos mencionados e desconhece as suas conclusões.

António Balbino Caldeira

Nota: Sobre o enquadramento do tema veja-se, no Inconveniente, “Abusos sexuais de menores na Igreja Católica portuguesa”, de 17-8-2022, e ainda “Abusos sexuais de menores na Igreja Católica portuguesa – II”, de 24-8-2022, sobre a distinção entre abusos sexuais de menores de 14 ou 16 anos (consoante tenham ocorrido depois ou antes de 2007) e coação, assédio e abuso de adolescente ou jovem internado, da homossexualidade ou heterossexualidade praticantes por clérigos e pessoas consagradas maiores a quem o Código de Direito Canónico, no cânone 277.º, estipula “continência perfeita e perpétua”.