O advento da teocracia woke

A Finlândia é (ainda) considerada uma democracia liberal. E numa democracia liberal, os direitos fundamentais como a liberdade de expressão, de religião, etc, são condições sinequanon.

Mas é na Finlândia que uma deputada (Paivi Rasanen) e uma clériga (Juhana Pohjola) de uma Igreja Cristã (luterana) estão a ser julgadas em tribunal, por iniciativa do Governo, por expressarem livremente as suas crenças religiosas.

PR, médica, mãe e avó, é acusada de “agitação étnica” por ter publicado um panfleto sobre a sua visão religiosa do casamento, e sobre a homossexualidade, por ter participado num debate na rádio sobre o mesmo tema, e por ter feito um tweet com uma passagem da Bíblia.

JP está também acusada de “agitação étnica” por ter colocado o panfleto de PR no website da Igreja.

A pena que é pedida pelos procuradores públicos é de 2 anos de prisão.

Isto não é um mero fait divers.

O julgamento, cuja sentença se saberá a 30 de Março, começou com a acusação do Estado a ler passagens da Bíblia, enfatizando que a palavra “pecado” pode ser ofensiva.

Ora como política e como pessoa livre, PR deveria ter o direito de debater qualquer tema sem incorrer em penas criminais. E JP, como clériga cristã, deveria também ser livre de publicar um panfleto sobre a visão bíblica das coisas, sem temer ser presa.

Na verdade, toda a gente, numa democracia liberal, deveria ter garantido o exercício desses direitos básicos, independentemente do que cada um pensa sobre os assuntos em si.

Mas a democracia está a morrer sob a batuta do politicamente correcto.

Começou de mansinho, com recomendações de “inclusividade” na linguagem, foi crescendo com censura social, ostracismo, cancelamentos de oportunidades, empregos e negócios, e atinge agora o nível superior típico de regimes totalitários e das teocracias:

– A prisão por ofensa aos dogmas “correctos”, o julgamento em tribunal por o cidadão escolher viver ou falar das suas crenças religiosas, desde que não aprovadas pelos teocratas no poder.

Não, isto não é só um problema da longínqua Finlândia. Está a acontecer um pouco por todo o mundo ocidental, a propósito de um sem número de questões, com os radicalismos ideológicos a imporem pela força a sua intolerante visão do que é “correcto” e do que pode ser dito ou deve ser silenciado.

Por cá, a Carta dos Direitos Digitais prevê expressamente a criação de órgãos de censura a que chama eufemisticamente “estruturas de verificação de factos” e, tratando-se de uma lei, não é preciso ser especialmente inteligente para perceber que, mais tarde ou mais cedo, alguém irá parar a tribunal por escrever algo que as “estruturas” considerem “falso”. E também já há bastantes casos de pessoas prejudicadas profissionalmente por “desinformação”, tal e qual como acontecia com a Censura no tempo do Estado Novo.

Nos EUA, que estão mais “avançados” no caminho para o abismo, a maioria “democrata” na Câmara dos Representantes, aprovou leis (Equality Act e Global Respect Act) que ilegalizam o desacordo em questões de sexo e ideologia de género, pelo que qualquer pessoa que expresse ideias sobre estes assuntos que não sejam as “correctas”, corre o perigo de ir bater com os costados no tribunal.

A Finlândia é lá longe, mas é o canário na mina que alerta para o perigo de morte que paira sobre os fundamentos e pilares da democracia liberal e da nossa civilização.

O que se perfila no horizonte é uma teocracia woke, em nada diferente, salvo o tipo de dogmas, das teocracias islâmicas, ou do totalitarismo chinês.


José do Carmo

* O autor escreve segundo a anterior norma ortográfica.

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Latest comments

  • Aquilo que se chama movimento Woke é movimento comunista internacional.
    Por isso há que usar nomes apropriados.
    Nunca acabou com a queda do muro de Berlim e quando a URSS acabou.
    Esse movimento está vivo e domina na Europa e em quase toda a América latina.
    Nos USA pouco falta para que estejam de facto no poder, mas já dominam a nível federal por exemplo o Supremo Tribunal e o Congresso.
    Decerto já infiltraram os serviços secretos.
    São financiados por grupos que optaram pela globalização da sua indústria, por exemplo.
    No Canadá e na França quem governa foi designado Por uma organização internacionalista, Merkel foi uma das primeiras.
    Portanto, desengane-se que pensa que é coisa de ocasião.
    Quando tomaram conta dos mídia em todo o mundo, financiados pelos capitalistas globalistas deram um passo de gigante seguindo a doutrina marxista, leninista, trotskista maoísta.
    O resto é conversa para meninos…

  • Concordo com muito do que diz no seu texto, em especial por não ter medo de afirmar o politicamente incorrecto mas verdadeiro, o totalitarismo chinês.
    sobre o senhor Salazar, do que julgo saber como certo, ou próximo, do seu pensamento, se pudesse ser transportado aos dias de hoje, parece-me que quem ele censuraria são exactamente aqueles, cujas acções critica.
    “A Finlândia é (ainda) considerada uma democracia liberal.”
    Mais uma vez teoria e prática são duas coisas diferentes e muitas vezes distantes.
    .
    Why Freedom of Speech Is Necessary | Jordan B Peterson (porque razão a liberdade de expressão é necessária)
    https://www.youtube.com/watch?v=E9PxdJNIc6w
    .
    Jordan Peterson: Free Speech & the Right to Offend (liberdade de expressão e o direito de ofender)
    https://www.youtube.com/watch?v=44pERGAaKHw
    .
    Jordan Peterson teaching statistics to Ratina Omidvar (J. Peterso. ensina estatística a Ratina Omidvar)
    (Mais do que isso, mostra a falsidade da forma como se arranjam, supostas estatísticas, para justificar certos objectivos e evidência/desmonta a cilada que a senhora quis que ele caísse.)
    https://www.youtube.com/watch?v=R7DmjNkeO0k
    .
    Audiência na sua totalidade
    2017/05/17: Senate hearing on Bill C16
    https://www.youtube.com/watch?v=KnIAAkSNtqo
    .
    Court rules ‘women’ can’t be redefined (Tribunal decreta “mulheres” não podem ser redefinidas)
    https://www.rt.com/news/549990-court-rules-scotland-redefine-women/

  • Pois não me adivinhe o que penso estar longe ou perto.
    Mas afirmo e reafirmo o que está à vista de quem quiser ver.
    Sobre se concordar ou não sobre coisas que estão à vista, não me aquece nem arrefece. Sobre Salazar tenho a minha ideia e a minha ideia à luz do tempo em que viveu e no que se passou depois.
    Mas sobre o pensamento Woke não tenho dúvidas de que é o comunismo internacionalista.

  • A propósito do passado e do presente: Ao ouvir dizer que vive numa “democracia”, o cidadão comum imagina que, malgrado algumas tramas sórdidas urdidas pelos políticos por trás das cortinas, o esquema de poder que domina a sociedade coincide com a estrutura visível das instituições e, em última instância, pode ser controlado mediante a pressão do clamor público ou o exercício do voto. Algum resíduo oculto, aqui e ali, será mais cedo ou mais tarde revelado pelos bravos jornalistas que destampam as latrinas e vasculham os esgotos, expondo os ladrões e conspiradores à luz do dia para que sofram as penas da lei. Não obstante falhas ocasionais, no conjunto o sistema, arejado pelos bons ventos da liberdade de imprensa, encarna os ideais iluministas da transparência e da racionalidade.
    Lamento informar que há pelo menos trinta anos esse sistema cessou de existir. O poder dos governos sobre as populações civis já é praticamente incontrolável, reduzindo cada vez mais a um mero formalismo jurídico a diferença entre democracia e ditadura. Não, não se trata de nenhuma “teoria da conspiração”. Conspirações existem, mas não são elas que produzem esse estado de coisas. Ao contrário, é ele que torna viável, hoje em dia, a criação de um governo global omnipotente, imunizado contra qualquer tentativa de controle popular. O fenômeno resulta da convergência de três fatores:
    Primeiro: A complexidade crescente da administração pública, continuamente fortalecida pelos aportes da tecnologia e das ciências sociais, fornece aos governos toda sorte de instrumentos para implantar as medidas que bem desejem sem ter de passar pelo controle legislativo nem muito menos pelo debate público. Das decisões fundamentais que alteraram a estrutura de poder no mundo nas últimas duas décadas, diluindo soberanias e transferindo a autoridade dos Estados para organismos internacionais, somente uma parte ínfima chegou a ser matéria de discussão parlamentar, e a maioria nem sequer recebeu da mídia uma cobertura proporcional à vastidão das consequências políticas que produziu.
    Segundo: A progressiva concentração dos meios de comunicação nas mãos de um reduzido número de grandes grupos econômicos íntimos do poder estatal, associada à tomada das redações por uma nova geração de jornalistas ideologicamente comprometidos, transformou jornais, revistas e canais de TV, de veículos de informação e debate, em agências de engenharia comportamental e controle político. A censura de notícias inconvenientes, a exclusão das opiniões divergentes, a promoção descarada dos ídolos da esquerda, a militância sistemática em favor dos objetivos propugnados pela revolução globalista tornaram-se quase que normas de redação, cinicamente impostas por toda parte como a expressão pura do jornalismo mais neutro e objetivo. Da noite para o dia, valores e critérios explosivamente revolucionários, hostis aos sentimentos de quase toda a população, passaram a ser apresentados como se fossem a opinião maioritária e obrigatória, o padrão supremo da normalidade. Em todo o Ocidente não há, por exemplo, um só grande jornal ou canal de TV que não trate toda oposição às propostas LGBTIetc e abortistas como conduta aberrante e criminosa, dando a impressão de que os novos códigos de comportamento que se deseja implantar são consensos universais milenares, só rejeitados por fanáticos e doentes mentais. É evidente que isso não é jornalismo nenhum, é um teatro psicológico planejado para produzir mudanças comportamentais. É a engenharia da complacência.
    Terceiro: a queda da URSS deixou desorientadas e órfãs as massas militantes por toda parte, liberando um enorme potencial humano que, não sabendo viver sem uma “causa social” que justifique sua existência, foi facilmente modificado para servir, agora fartamente subsidiado pela elite financeira, sob as novas bandeiras da revolução global. Foi a vitória completa do fabianismo e do gramscismo sobre as versões mais arcaicas do movimento comunista. Com velocidade impressionante, as militâncias locais foram unificadas, criando, pela primeira vez na História humana, a possibilidade de mobilizações de massa quase instantâneas em escala mundial – a mais formidável máquina de pressão política e intimidação psicológica que o mundo já conheceu.
    Sob o influxo desses três fatores, a velha democracia representativa tornou-se apenas a camuflagem jurídica e publicitária de novos esquemas de poder que a maioria dos cidadãos não compreende e em geral não conhece.
    Não se passa um dia sem que se criem novas estruturas de poder, novos meios de controle social, novos instrumentos de manipulação psicológica destinados a ter um impacto brutal, quase sempre destrutivo, não só na política e na economia, mas na vida privada e na mente de todos os seres humanos colocados sob a sua órbita. E esses factos se desenrolam, quase todos, à margem da atenção pública, seja porque são produzidos por meios burocráticos discretos, contornando o debate, seja porque não chegam a ser noticiados, seja porque o são de maneira propositadamente deficiente, sumária e eufemística, de modo que somente uma fração mínima e inofensiva da população se dê conta do seu verdadeiro alcance e significado.
    O sonho de Antonio Gramsci, o “poder onipresente e invisível”, já é uma realidade em todo o mundo ocidental.

  • Bom e assertivo texto, revelando como mansa e hipocritamente uma democracia se transforma numa ditadura!
    O autor revela que também está parcialmente amordaçado ao politicamente correcto, pois compara com a censura do ENovo, que gostesse ou não, tinha um grau de honestidade e coerência que a actual NÃO tem, pois tinha um Estatuto e os rostos dos censires eram conhecidos, além de que se baseava em Valores Morais e não em cartilhas ideológicas ao sabos do marxismo/estalinismo/hedonismo.
    Para ver o fosso entre a censura do ENovo e a actual que já tem quase 50 anos, basta comparar o grau de honestidade dos governantes de então e os de agora, pois a censura não é mais que uma das imagens dos respectivos governantes.
    Ou já se esqueceram que neste regime tivemos governantes que obtiveram diamantes de sangue da UNITA e absolveram terroristas com crimes de sangue?

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