
A Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados da Assembleia da República (AR) reuniu, “à porta fechada“, em 27-7-2022, para apreciar um parecer elaborado pela deputada Márcia Passos (do PSD), sobre a “situação da senhora deputada Mariana Rodrigues Mortágua, na sequência do ofício confidencial enviado pelo Tribunal Constitucional“, sobre, alegadamente:
- Omissão da atividade, e rendimentos, do exercício de artigos de opinião pagos no Jornal de Notícias (JN) e de comentário pago na SIC, nas declarações sobre rendimentos, património e cargos sociais, no Tribunal Constitucional, em 11-12-2015;
- Omissão dessas atividades e rendimentos nas declarações de inexistência de incompatibilidades e impedimentos no Tribunal Constitucional, em 11-12-2015;
- Omissão dessas atividades e rendimentos na declaração de registo de interesses na AR;
- Omissão dessas atividades e rendimentos na declaração de inexistência de incompatibilidade ou de impedimento na comissão parlamentar do estatuto dos deputados;
- Incompatibilidade na acumulação do subsídio de exclusividade do Parlamento com o exercício de artigos de opinião pagos no JN e de comentário pago na SIC. O parecer foi aprovado na referida comissão por todos os grupos parlamentares à exceção do Chega, que se absteve.
Para além do facto sintomático da Comissão de Transparência ter reunido à porta fechada, importa analisar o parecer.
A promoção do Ministério Público (MP) no processo-crime aberto sobre o caso, afirma que na “declaração de inexistência de incompatibilidades e impedimentos”, de 11-12-2015, no campo n.º 3, “Enumeração de cargos, funções e atividades profissionais”, Mariana Mortágua declarou que “Além do cargo de deputada [não] exerce qualquer outra atividade”, embora exercesse desde abril de 2015 a atividade de publicação remunerada de uma coluna semanal de opinião no JN e de comentadora da SIC entre junho de 2015 e setembro de 2019. A deputada do Bloco de Esquerda só veio a fazer essa menção na declaração única de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos, que entregou em 12-12-2019.
Além da não declaração das atividades e rendimentos da coluna de opinião no JN e do comentário pago na SIC, no Tribunal Constitucional e no Parlamento (ver pontos 1 a 4 acima), importa analisar a questão da incompatibilidade do recebimento do abono de despesas de representação devido ao regime de exclusividade do mandato de deputada, conforme “o n.º 6 do artigo 16.º da Lei n.o 4/85, de 9 de abril (Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos), na redação dada pela Lei n.º 3/2001, de 23 de fevereiro, abono este a que têm direito os Deputados que declarem no registo de interesses que não exercem regularmente qualquer atividade económica, remunerada ou de natureza liberal”.
O parecer aprovado na Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados de 27-7-2022, desculpa a deputada Mariana Mortágua, com as seguintes justificações:
- O Estatuto dos Deputados, na redação em vigor na XII (2011-2015) e XIII (2015-2019) Legislaturas, “não prevê qualquer sanção para a omissão do dever de atualização do registo de interesses” no Parlamento. Indica a Comissão de que a prática é de que “detetada a omissão desse dever declarativo, é o Deputado visado notificado para corrigir a situação, inscrevendo as atividades em falta no seu registo de interesses”.
- Muito embora, no início da XIV Legislatura (de 25-10-2019 a 28-3-2022) a deputada Mariana Mortágua ter declarado, «”pela primeira vez junto da Assembleia da República, no campo relativo às atividades exercidas nos últimos três anos, ter exercido as atividades de colunista do JN desde “2015-04-01” e ter exercido as atividades de comentadora televisiva na SIC entre “2015-07-01” e “2019-09-30”», mas não referido que essas atividades eram remuneradas, “à data, não existia campo específico para declarar se essas atividades eram, ou não remuneradas”. O facto de não existir um “campo específico” sobre se as atividades eram ou não remuneradas não impedia que essa indicação fosse feita pela deputada.
- O Parecer não esclarece se a declaração era manuscrita num impresso da AR e se o impresso não tinha espaço físico para essa menção, importante para determinação da compatibilidade da atividade com o abono de despesas de representação devido ao regime de exclusividade.
- O Relatório da Avaliação Inicial dos Registos de Interesses dos Deputados à XIV Legislatura, elaborado pelo Grupo de Trabalho do Registos de Interesses, e aprovado, por unanimidade, na reunião da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados de 13-2-2020, determinou que as colaborações remuneradas com a imprensa escrita são consideradas ao abrigo dos direitos de autor, mas que o comentário televisivo remunerado não é compatível com o mandato de deputado.
- Os registos na Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados “ao longo das XII, XIII e XIV Legislaturas são demonstrativos de que existiram vários Deputados que, exercendo o mandato em regime de exclusividade, faziam, em simultâneo, comentário televisivo remunerado e que tal circunstância nunca mereceu qualquer reparo por parte dos Grupos de Trabalhos relativos aos Registos de Interesses nem, a final, por parte da própria Comissão”. Portanto, se a deputada prevaricou, não prevaricou sozinha; como tal, ninguém é punido.
- A deputada fez novo registo de interesses (em março de 2022) – já depois do caso ter sido aberto no MP e ter sido noticiado na imprensa – onde referiu o exercício de colunista do JN, desde 1-4-2015, e de comentadora televisiva remunerada na SIC, de 1-7-2015 até 28-2-2022 (e não remunerada desde essa data). E assim, decreta o parecer que “sanaram-se as irregularidades declarativas até então existentes no âmbito do registo de interesses da Senhora Deputada Mariana Mortágua”… Ainda que no Tribunal Constitucional o prazo para cumprir essa declaração fidedigna fosse de 60 dias e no Parlamento fosse de 15 dias.
- A deputada Mariana Mortágua «repôs o abono mensal para despesas de representação a que se refere o n.º 6 do artigo 16.º do Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos (Lei n.º 4/85, de 9 de abril), abono esse que recebeu indevidamente durante o período compreendido entre “2021-10-01” e “2022-02-28”, tendo esse acerto remuneratório sido efetuado no recibo de vencimento de março de 2022».
- Mas a deputada Mariana Mortágua já não foi obrigada a devolver o abono mensal para despesas de representação relativo à atividade de comentadora televisiva na SIC entre “1-7-2015” e “30-9-2019” porque “o Relatório da Avaliação Inicial dos Registos de Interesses dos Deputados à XIV Legislatura, elaborado pelo Grupo de Trabalho do Registos de Interesses em 13 de fevereiro de 2020, é posterior à primeira colaboração da Senhora Deputada Mariana Mortágua com a SIC“, muito menos sofreu qualquer sanção ou censura por essa omissão.
- Finalmente, o Parecer salienta que “a análise comparativa realizada permite ainda concluir que o entendimento proclamado no Relatório de fevereiro de 2020 é manifestamente mais restritivo no que respeita ao desempenho das funções dos Deputados e ao respetivo regime de exclusividade”. O problema parece ser a “análise comparativa”.
Portanto, conclui-se no Parecer de que “apesar de” e “embora”, e que “existiram diversas situações de vários Deputados”, e que Mariana Mortágua “repôs o abono”, aos costumes a Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados disse nada. Ou tudo.
Entretanto, a presidente da Comissão de Transparência enfatizou à Lusa (citada pelo DN), em 27-7-2022, que “não há aqui nem recuos nem avanços de nenhum partido”. E justificou que “a alteração do parecer hoje aprovado em relação à versão inicial – que tinha sido noticiada por alguns órgãos de comunicação social” foi feita devido a “factos posteriores que foram esse levantamento” de outros casos e não na “sequência de recuos ou avanços de ninguém”. A deputada social-democrata Márcia Passos corroborou a posição da deputada socialista de que não houve qualquer recuo, mas “alguns avanços”. As deputadas Alexandra Leitão e Márcia Passos não esclareceram que “avanços” houve face à posição anterior e para onde.
Constou que existiram pressões para a alteração do parecer, nomeadamente de Pedro Delgado Alves, coordenador do Grupo de Trabalho do Registo de Interesses da AR, para que Mariana Mortágua fosse ilibada de qualquer irregularidade ou ilegalidade, mas o Inconveniente não conseguiu confirmar essa informação que recebeu. A coligação PS-Bloco de Esquerda-PC foi desmantelada face à anterior legislatura, mas interessa ao Partido Socialista manter a dependência do Bloco de Esquerda, tal como do Livre, na AR.
Noutro entendimento do caso, poderiam alegadamente estar em causa crimes de peculato e de recebimento ou oferta indevidos de vantagem, previstos e punidos pelos artigos 375.º e 374.º do Código Penal. Desconhece-se qual a evolução do caso nos tribunais.
O Inconveniente contactou as deputadas Mariana Mortágua e Márcia Passos e o deputado Pedro Delgado Alves, mas até à hora de publicação deste artigo não obteve resposta.
Josephvss / Agosto 2, 2022
Noticias Russas 💥
https://pt.topwar.ru/199720-strannyj-diktator-antoniu-di-salazar.html
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José Carlos Maya / Agosto 4, 2022
Simplesmente, vergonhoso!
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