Mais do mesmo

“Sou o mesmo de há cinco anos. Sou o mesmo de ontem.”

Esta foi uma das frases do discurso de posse de Marcelo Rebelo de Sousa, de 9-3-2021, mais destacadas pelos jornalistas. Não era a primeira vez que o dizia. Na campanha eleitoral repetiu-a. Quem queria Marcelo tranquilizar com tal afirmação? Obviamente, o principal destinatário eram os socialistas, a começar por António Costa. Portanto, não é correcta a ideia que circula de que Marcelo será mais exigente com o Governo neste segundo mandato. Nada disso. Quer a manutenção do status quo, a melhor garantia de que continuará a receber o apoio dos socialistas. Portanto, teremos mais do mesmo.

Costa mostrou-se eufórico com o discurso presidencial, ao declarar que o País está perante uma “agenda clara de cooperação institucional e de solidariedade estratégica”, o que lhe dava “ânimo de esperança e confiança para vencer esta crise, virar esta página e recuperar o país”. Como gosta de lisonja pessoal, o elogio de Costa a Marcelo corresponde ao que este esperava ouvir. Na verdade, a sua popularidade no segundo mandato volta a estar nas mãos dos socialistas, pois ela é também construída pela ausência de críticas. Se Marcelo se mantiver complacente com eles, como até agora, por que motivo haviam de o criticar?

De tanto falar, o discurso de Marcelo na tomada de posse foi uma repetição do que tem dito em entrevistas, análises e múltiplas declarações avulsas. Na manhã da posse, antes de chegar à entrada do edifício da Assembleia da República, onde o aguardavam honras militares, Marcelo desceu a pé a Calçada da Estrela, como fizera há cinco anos, mas acompanhado de repórteres da televisão, a quem ia respondendo. A banalização da sua palavra leva a que se deixe de reter o essencial do que diz e, nessa medida, a que tudo seja avaliado pela mesma bitola.


“Tem tudo para todos”

Nas reacções partidárias, Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, caracterizou bem o discurso: “Tem tudo para todos”. E, a seguir, um reparo, quando aludiu à distância que continuará a existir entre “aquilo que é dito e depois aquilo que é feito”. É a experiência que temos dos nossos políticos. Estão sempre a anunciar, a prometer, a dourar a pílula – vejam os títulos dos jornais –, mas a realidade que os portugueses vivem é feita de muita espera por aquilo que lhes é prometido e não chega a concretizar-se, de muita decepção em relação aos decisores políticos pelas suas constantes mensagens enganadoras e, ainda, de muita descrença na regeneração de um sistema que apodrece a olhos vistos.

O comentador Marques Mendes, um porta-voz oficioso de Marcelo, enalteceu, em 14-9-2021, obviamente as palavras do Presidente na posse, dizendo que era “um discurso de esperança”. Mas esperança em quê? Quando Portugal é dos países europeus que gasta menos nos apoios às novas dificuldades económicas e sociais causadas pela pandemia, quando os vícios do Governo são indisfarçáveis, quando o PS é dono e senhor do Estado, não faltam razões para crer que os próximos cinco anos serão a continuação do que o país está a viver com a governação socialista. E, então, o tão apregoado dinheiro que vem de Bruxelas? Do que se vai lendo na imprensa afecta ao PS, o Governo conta com esse caudal financeiro para manter a posição dominante na sociedade.

Quarenta e oito horas após o acto de posse presidencial, parecia surgir o primeiro teste às relações Marcelo-Costa a propósito do desconfinamento. Usando mais uma vez o Expresso, Marcelo fez constar que, após o jantar em Belém com Costa para tratar do plano, tinha ficado preocupado com as decisões que o Governo tencionava tomar e, desta vez, optaria pelo silêncio em relação à declaração do 13.º estado de emergência. Esta atitude foi logo lida como uma indicação da sua discordância quanto ao que estava a ser preparado na esfera governamental. “Não posso comentar decisões sobre o desconfinamento que ainda não conheço”, disse ao Expresso, em 11-3-2021, permitindo corroborar a ideia de que não queria comprometer-se com o plano que viesse a ser anunciado pelo Governo.


Enredo com origem em Belém

Neste aparente enredo com origem em Belém, os amigos de Costa na comunicação social viram imediatamente indícios de que Marcelo já estava a afastar-se do Governo. O Jornal de Notícias escreveu, em 12-3-2021, um editorial não assinado – portanto, posição oficial do jornal –, cujo título era “A solidão de Costa”. A primeira frase do editorialista era bem elucidativa:

“O silêncio de Marcelo Rebelo de Sousa foi, esta semana, ensurdecedor. A viagem para o Vaticano, à hora em que o Conselho de Ministros fechava o plano para reabrir o país, deu-lhe o pretexto para desta vez não falar aos portugueses, mas não disfarçou a discordância com as medidas tomadas antes da Páscoa”.

Em Roma, no dia 12-3-2021, Marcelo elogiou, na RTP3, o plano de desconfinamento e, no que antes tinha sido omisso, afastou a leitura da comunicação social de que não fez o habitual discurso ao país por se querer distanciar do Governo nessa matéria. Adiantou inclusivamente que não ter falado ao país resultara de uma decisão tomada em conjunto com Costa no jantar de Belém, onde fora debatido o plano equacionado pelo Governo. E, para que não restassem dúvidas, Marcelo sublinhou que “a coincidência e a convergência, não só institucional como também estratégica” entre o Governo e o Presidente da República está presente no plano de desconfinamento. Costa, por sua vez, atribuiu, em 11-3-2021, a especulações jornalísticas as ditas divergências entre Belém e S. Bento.

Cada vez mais dependente de fontes oficiais, o nosso jornalismo adora alimentar os cenários políticos que lhe são passados por Belém e S. Bento. Normalmente, fazem tristes figuras com as manipulações que lhe são passadas, de que é um bom exemplo este alegado desencontro entre Marcelo e Costa. Como escrevia o sátiro austríaco Karl Kraus (1874-1936) sobre os diplomatas, também os políticos mentem aos jornalistas e depois acreditam nessas mentiras quando as lêem nos jornais”. Se se é viciado em vichyssoise – e sabemos quem é –, se dizer a verdade ao mais alto nível da política vai sendo uma excepção, como temos também visto, a tendência será certamente para repetir o que parece ter dado bons resultados nos últimos cinco anos. Por isso, o que nos espera nos próximos cinco? Obviamente, mais do mesmo.


Francisco Menezes

*O autor usa a norma ortográfica anterior.

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