Mais Cem “Preguiças”

O ministro do Planeamento, Nelson de Souza, anunciou no Parlamento que o Governo já contratou mais de cem técnicos para gerirem a implementação dos fundos europeus. Segundo notícia do Observador, de 29-4-2021, o ministro disse ainda ter criado “um centro de competências especializado, designado como plano APP”, onde os contratados serão integrados. Como a notícia se limitava a essa informação, ficámos sem saber como se processou a sua contratação, se se realizou um concurso para o efeito ou se foram aplicadas as regras socialistas vigentes na Administração Pública.

Desde que tomou o poder em Dezembro de 2015, o Governo de António Costa subverteu as regras da contratação dos cargos da CReSAP, criada no executivo que o antecedeu para conferir independência, transparência e credibilidade ao recrutamento e selecção dos dirigentes públicos. Para que o novo organismo fosse levado a sério, o então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, pediu ao líder da oposição, António José Seguro, que indicasse um nome para a ele presidir e assim aconteceu com a escolha de João Bilhim. 

Dada a conhecida voragem do PS para ocupar o Estado, o Governo de Costa passou a desrespeitar as competências da CReSAP ao fazer as nomeações em regime de substituição para colocar, sem pudor, os “seus”.

O exemplo emblemático é a designação sem concurso do boy socialista Tiago Preguiça, de 34 anos, antigo dirigente da JS, para o cargo de director-geral da Segurança Social. Qual a qualificação que o recomendava, de acordo com o critério socialista? Não era obviamente uma carreira fantástica na função pública que o tornasse um quadro merecedor da nomeação, pois a ela não pertence, mas ter estado seis anos nos gabinetes de Vieira da Silva e António Costa. E o que espera Costa de Tiago Preguiça? Que seja um bom controleiro e que cuide dos boysgirls que enxameiam a Segurança Social. Num trabalho (leitura paga) de 22-4- 2021, o Observador assinalava que “as nomeações de dirigentes com ligações ao PS foram crescendo nos últimos anos nos centros distritais da Segurança Social e são hoje mais de dois terços.” Acrescentava o jornal: “Nas cúpulas são praticamente todos (socialistas).”


Nepotismo que choca

O escândalo da designação de Tiago Preguiça para director-geral levou a revista Sábado, na edição de 29 de Abril, pela repórter Maria Henrique Espada, a investigar muito mais nomeações dentro da mesma lógica de favorecimento de boysgirls. Os exemplos sucedem-se. A revista conta que o líder do PS em Penafiel, Nuno Araújo, que foi chefe de gabinete do ministro Pedro Nuno Santos quando este esteve encarregado da pasta dos Assuntos Parlamentares, viria a ser nomeado por este administrador do Porto de Leixões e, em 2020, promovido a presidente do conselho de administração. 

Mas há mais situações de nepotismo referenciadas que chocam. Vários adidos em embaixadas foram nomeados após passagens por gabinetes do Governo. Alguns são filhos de nomes da nomenclatura socialista, como Francisco Lacerda Machado, amigo de Costa, ou de Pedro Silva Pereira, antigo ministro de Sócrates.

Nada se sabe, entretanto, sobre os cem técnicos contratados por Nelson de Sousa, nomeadamente o seu curriculum e donde vêm. Deve ser isso mesmo que o Governo quer. Cabendo ao executivo socialist a gestão da implementação dos fundos europeus, matéria em que o Governo faz crer aos portugueses que é o dono do dinheiro e a sua distribuição da sua responsabilidade, certamente recrutou gente de confiança que lhe garanta o controlo total de uma operação que envolve muitos milhões. Não custa a acreditar, perante tamanha opacidade de um processo de escolha, que sejam mais cem “Preguiças” que entram pela calada na máquina do Estado. Só no âmbito da militância partidária é que o Governo se sente seguro para fazer o que entende no segredo dos gabinetes, sem ter de dar muitas explicações, como vamos vendo.

Por isso, o Governo não se importou que o Parlamento Europeu questionasse a seriedade portuguesa no processo de escolha do procurador José Guerra como representante português na Procuradoria Europeia. Era este o único nome que lhe oferecia confiança numa função que requer independência dos magistrados perante o poder político dos Estados-membros. Para Costa, independência é sinónimo de ameaça, pelo que, ao arrepio das regras estabelecidas para a selecção dos representantes nacionais naquele órgão, impôs quem lhe dava mais jeito. Há poucos dias, o Parlamento Europeu manifestou “profunda preocupação” pelas “informações erróneas” que lhe foram enviadas pelo Ministério da Justiça português sobre as qualificações e experiência daquele procurador (ver Público, de 29-4-2021). José Guerra tornou-se um homem sob suspeita, devido à escolha política, e Portugal desprestigiou-se.


Abusos por conta do dinheiro dos contribuintes

Os abusos do Governo quanto a processos de nomeação vão sendo denunciados aqui e ali. Se não estivesse enfeudada ao Governo, esperava-se mais da comunicação social no combate ao desplante socialista. Talvez pela dimensão que este já adquiriu, a ministra da Modernização do Estado e Administração Pública, Alexandra Leitão, disse no Parlamento, segundo a Lusa, em 27-4-2021, que o Governo estava a pensar “fazer uma alteração à lei de recrutamento de dirigentes da função pública”. Quando se quis saber mais detalhes do que estaria a ser preparado, respondeu que “tem vários aspectos que agora não vou anunciar”. O que disse e nada é a mesma coisa. Mais uma vez, o Governo recorre ao velho truque de, quando há críticas, faz crer que está a estudar-se uma solução. Depois, passa-se à fase do silêncio e o assunto desaparece da actualidade.

No entanto, foi essa mesma Alexandra Leitão que anunciou, em 27-4-2021, conforme refere à Lusa, que os filhos de trabalhadores da administração pública que tenham de se deslocar para estudar em Lisboa poderão beneficiar, no próximo ano, de uma residência universitária com 47 camas. Classificou a decisão de “uma medida solidária”. As críticas não se fizeram esperar. Vista como uma medida que privilegia um grupo social sob a protecção do Estado com regalias que não se encontram no privado, a ministra não aguentou a pressão dos comentários violentos nas redes sociais e “em alguns órgãos de comunicação social” e teve de se explicar, optando por um texto, em 29-4-2021, no jornal pró-governamental Expresso. No meio de tantas justificações, argumentou que “é o cumprimento da função social do Estado empregador”. Não convenceu.

Isto faz lembrar um caso que ultimamente tem dado brado em Espanha. Irene Montero, ministra da Igualdade no Governo de Sanchez, membro do Podemos, companheira do líder Pablo Iglesias, de quem tem três filhos, contratou Teresa Arévalo, uma militante do mesmo partido, para chefe de gabinete adjunto com um salário anual de 51.946 euros. Soube-se, entretanto, que a sua principal tarefa é ser cuidadora da filha mais nova do casal. O caso chegou à Justiça que o está a investigar por alegado delito de administração desleal. Para adensar a obscura situação, Irene Montero recusa entregar no Congresso dos Deputados o curriculum de Teresa Arévalo como justificação necessária da sua contratação. Pelos vistos, o método socialista é idêntico tanto em Portugal como em Espanha. Eles são o Estado, o dinheiro do contribuinte é deles, agem como querem e não têm de dar explicações. 

Daí ser hoje cada mais evidente que as desigualdades começam com o exercício do poder, quando quem governa procura impor “a sua lei”, atropelando as regras estabelecidas para proteger o seu grupo político ou as corporações que lhe conferem suporte e bajulação na comunicação social. Tornou-se notório que os interesses desses privilegiados superam os interesses da maioria da população, ampliando ainda mais o fosso entre governantes e governados. A meritocracia deixou de ter valor para se favorecer uma oligarquia que faz gala em exibir que é tão poderosa que a sociedade não tem outro remédio se não submeter-se-lhe. Ninguém tenha dúvidas: muitos mais casos “Preguiça” vão florescer. O actual poder socialista considera-se impune.


Francisco Menezes
* O autor usa a norma ortográfica anterior.

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  • Excelente artigo! Retrato fiel da miséria que vivemos. Ontem, em Madrid, lá se foi o Iglesias e espero bem que os seus boys e girls o acompanhem.
    Por cá, trata-se da desgraça prevista desde que Costa usurpou o poder. Há Costa e Costa, os restantes, figurantes, são meras “fotocópias”.

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