Juiz acusa Presidente da Assembleia de ser “um pedófilo”. Será verdade?

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Na sequência de declarações de Ferro Rodrigues de que os jovens portugueses “têm mesmo de mudar de atitude” de resistência à vacinação contra a Covid-19, o juiz Rui Fonseca e Castro publicou um vídeo em que acusa o atual presidente da Assembleia da República de ser “um pedófilo (…), um abusador sexual de crianças, preferencialmente institucionalizadas”, usando as palavras do veterano socialista para lhe sugerir mesmo que “deveria mudar de atitude tirando a sua própria vida”.

O número dois na hierarquia do Estado acabou por queixar-se ao Conselho Superior de Magistratura (CSM) de “vídeo atentatório da sua honra que o Juiz Rui Fonseca e Castro publicou no seu canal no Youtube, salientando a gravidade das declarações contidas no referido vídeo, que, além do mais, se afigura constituírem um crime público”.

O órgão administrativo responsável pela gestão e disciplina da judicatura portuguesa prontamente comunicou a possibilidade de originar novo processo disciplinar contra o juiz ou de ampliar o objeto do processo em curso (por alegado apelo ao incumprimento da lei).

São recorrentes acusações semelhantes nas redes sociais contra Ferro Rodrigues, pelo seu envolvimento no megaprocesso Casa Pia, tendo motivado inclusivamente várias petições online para a sua demissão que chegaram a reunir vários milhares de assinaturas (aqui, aqui e aqui).

Mas será que a acusação do juiz tem fundamento?

Vamos aos factos.

Em 5-1-2004, o CM noticiou, no artigo “Prescrição salva Ferro”, que “Ferro Rodrigues, segundo a TVI, não foi acusado no âmbito do processo Casa Pia por os alegados crimes de abuso sexual terem prescrito. De acordo com a estação televisiva, no processo vêm referidas duas situações que originaram arquivamentos: falta de indícios e prescrição dos factos, tendo o líder do PS sido incluído nesta última“.

Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues foi referido no processo de abuso sexual de menores da Casa Pia por quatro jovens vítimas, tendo processado duas delas por denúncia caluniosa e, mais tarde, por depoimento falso, tendo perdido ambos os processos. Com efeito, um dos jovens terá reiterado, em 13-10-2005, que vira Ferro Rodrigues na “Casa dos Érres”, no Restelo, onde alegadamente sucediam os abusos.

Mais tarde, a 6-9-2010, o DN dá conta que a defesa de Carlos Silvino (Bibi) imputara os crimes de abuso sexual de menores a Ferro Rodrigues, garantindo que este só não foi acusado “por prescrição dos crimes” e que os mesmos jovens que acusaram os outros também acusaram Ferro Rodrigues e Jaime Gama.

O inspector Dias André corroborou esta mesma versão numa reportagem à TVI de Ana Leal, onde diz que o nome de Ferro Rodrigues começa a ser referido “pelas gerações mais antigas” que o colocaram:

“nomeadamente na casa dos Érres e onde foram referidas orgias com meninas e com meninos. São indivíduos que hoje estão casados e têm uma estabilidade familiar e que não quiseram, de maneira nenhuma, vir aos autos formalmente, até porque já estava tudo fora de procedimento e os factos já estavam prescritos. E vieram estas gerações mais recentes – mas que também os factos já não estão em procedimento, portanto, já tinham mais de 16 anos e 6 meses à data – também a colocar essas mesmas pessoas na mesma casa, a referir as mesmas situações de abuso também.”

No entanto, Eduardo Ferro Rodrigues negou essas alegações.

Na acusação do processo Casa Pia, os procuradores João Guerra, Cristina Faleiro e Paula Soares, validaram os indícios de crimes de abuso sexual de menores praticados por Eduardo Ferro Rodrigues, mas não o constituíram arguido nem o acusaram por esses indiciados crimes já terem prescrito. Com efeito, a lei portuguesa determina que os crimes de abuso sexual de crianças prescrevam no prazo de 5 anos mas que o prazo de prescrição só começa a contar aos 18 anos de idade, quando as vítimas chegam à maioridade.

No caso de Paulo Pedroso, os imputados abusos sexuais sobre crianças teriam sido recentes e, por isso, foi acusado pelo Ministério Público, e esteve preso preventivamente. Não foi pronunciado pela juíza de instrução Ana de Barros Queiroz Teixeira e Silva, que desvalorizou as imputações de quatro jovens sobre o deputado Paulo Pedroso, então número dois do Partido Socialista, embora tenha validado os testemunhos dos mesmos jovens sobre os outros arguidos.

A deputada Cristina Rodrigues entregou na Assembleia da República, em 31-5-2021, um projeto de lei para que o prazo de prescrição dos crimes de abuso sexual só comece a contar aos 50 anos, pois a idade média em que as vítimas começam a falar sobre os abusos sofridos é cerca dos 30 anos. A dor do abuso sexual é tão grande que as vítimas sofrem em silêncio durante décadas sem conseguirem vocalizar os abusos.

Por outro lado, importa distinguir entre a condição de pedófilo e o abuso sexual. O indivíduo pode ser pedófilo e nunca incorrer em abuso sexual de menores. Ser pedófilo não é crime em si, tal como ser ladrão também não é. O pedófilo pode ter vontade de abusar de crianças, mas nunca o ter feito por falta de oportunidade ou medo das consequências sobre si, desde logo a retaliação da família (e por isso é que os abusadores de crianças da Casa Pia preferiam órfãos…). Então, o crime é quando a tara da pedofilia (o desejo de abusar de crianças, que é mais frequente no grupo dos que preferem crianças do mesmo sexo) se concretiza no abuso sexual de crianças. E jamais se deve confundir pedofilia com homossexualidade.

Em suma, os procuradores do processo da Casa Pia, João Guerra, Cristina Faleiro e Paula Soares, não acusaram Eduardo Ferro Rodrigues de abuso sexual de menores por os crimes de abuso sexual denunciados ao Ministério Público terem prescrito. Portanto, não é possível concluir que Ferro Rodrigues seja, ou não seja, pedófilo: o Tribunal não o julgou; e não é conhecido que lhe tenha sido feita uma perícia psicológica independente (nomeadamente, com medição da sua resposta cerebral e física a estímulos de imagens de crianças), que o ateste ou desminta.


* Imagem picada na página oficial do Grão-Mestre das Ordens Honoríficas Portuguesa.

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