Ordem social pressupõe estrutura e estrutura pressupõe hierarquia. A hierarquia ideal está vinculada ao conhecimento e à virtude. Conhecimento não é mera colecção de factos, mas antes a sabedoria de interpretá-los; nem virtude é a simples habilidade técnica, mas sim a conduta que brota da verdade descoberta.
A ideologia igualitária do nosso tempo pretende nivelar todos, erradicando toda a fonte de autoridade, o que constitui uma grave ofensa ao conhecimento e à virtude. Com o avanço do igualitarismo a sociedade foi-se desfragmentando, perdendo a coesão hierárquica e a confiança e segurança que essa coesão lhe proporcionava. Se antes cada um sabia o seu lugar e o seu fim, hoje estamos quase todos vagando num vazio à procura de raízes e propósitos, não os encontrando senão na subjectividade de cada um.
Por isso vemos as recentes gerações imersas num mundo fantasioso onde todos os limites saudáveis já foram transpostos e onde o risco à integridade espiritual, psicológica e até física é cada vez maior. Um caso paradigmático que ilustra esta verdade é a ideologia de género e o seu trabalho de pressão social para aprovar e normalizar a mutilação e castração de crianças e adolescentes em nome de uma suposta “identidade real” que não é condizente com a sua constituição ontológica.
Por mais que cada um queira fazer de si a medida de todas as coisas, a realidade é inescapável: o sujeito está num mundo, o subjectivo tem sempre uma ponte de ligação ao não-subjectivo, e é pela interacção com o não-subjectivo que o sujeito se vai edificando.
Ao rejeitar toda a base de sabedoria, cultura e moral que criou e sustentou toda uma civilização por mais de 2000 anos, este sujeito desenraizado não tem como julgar o que vê fora de si. Ele não tem a capacidade de discernimento porque perdeu a referência ao Bem absoluto e à Verdade absoluta. Por esse motivo, ele pode apenas imitar o que vê, escolhendo aquilo que lhe produz mais prazer ou conforto. Vive, então, no nível de um bichinho, uma vida em que as suas escolhas não são propriamente humanas, mas proto-humanas, pois são mais determinadas do que livres.
Isto explica o motivo pelo qual, à medida que as teorias desconstrucionistas do género e da sexualidade se vão multiplicando, vemos cada vez mais jovens confundidos em relação à sua própria ontologia. A necessidade de pertença e aprovação pelos pares na adolescência é tão forte e tão crucial para a sua integridade psicológica, que ele facilmente se desfaz dos valores certos para obter uma ilusão de amor externo.
A ideologia igualitária veio desembocar no desconstrucionismo a partir da negação de uma autoridade filosófica que estava assente na metafísica. Rejeitando essa autoridade, rejeita-se a possibilidade de conhecimento verdadeiro, e a prova disto é a seguinte: num mundo hiper-especializado como o nosso, nem mesmo os especialistas (as pretensas autoridades) se atrevem, por exemplo, a dar uma definição de “mulher”, pois qualquer definição que tentem dar pode ferir a subjetividade de alguém. Ao dar mais valor aos sentimentos auto-referentes de indivíduos desconectados da verdade, essas pretensas autoridades revelam a distância abismal que esta civilização galgou desde o seu centro vivo para a periferia moribunda.
Resta dizer que o ideal igualitário é literalmente impraticável, porém, isso não protege as nossas mentes dos seus efeitos subversivos e destrutivos. Ele promete a cada um de nós o seu próprio reino, e assim nos seduz. O escudo que nos salvaguarda de qualquer ideologia nefasta, em última instância, está na resposta do Mestre ao seu tentador: adorarás o Senhor teu Deus e só a ele lhe prestarás culto.
Francisca Silva
*A autora escreve segundo a anterior norma ortográfica.
JB / Março 2, 2023
Parabéns pelo artigo.
Rejeição é a solução.
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