
A verificação de factos existe desde o começo do jornalismo. Percebe-se que um órgão de comunicação tenha a preocupação de não espalhar mentiras e boatos para não perder credibilidade e, por consequência, deixar de ter leitores que são os que o sustentam. Isso é tarefa interna do órgão de comunicação que, quando dá uma notícia, deve certificar-se da sua correção.
Com o advento da Internet, meio onde qualquer um pode dizer o que entender, surgiu a preocupação com a desinformação que daí pode resultar. Deste modo, e principalmente desde a primeira década deste século, começaram a aparecer jornalistas e agências especializados na verificação de notícias e postagens cujo conteúdo levanta dúvidas.
A verificação de factos (fact-checking) é um jornalismo de segunda, que vive à custa do outro jornalismo e de postagens na Internet. Mas, pelo que se vê, deve ser rendível porque há cada vez mais verificadores de factos, pagos pelas redes, pelos meios televisivos e, quiçá, pelos governos e mesmo por organizações ou pessoas poderosas.
Entre os assuntos mais verificados, aparecem com frequência os que envolvem políticos. Por exemplo, alguém refere que o político X proferiu uma afirmação chocante e outras pessoas começam a partilhar esse facto e ele acaba por se tornar viral. Os fact-checkers entram logo em campo e vão à procura das fontes. Por vezes encontram-nas e conseguem classificar a afirmação de acordo com um leque de opções que vão do verdadeiro ao falso, passando por parcialmente verdade, descontextualizado, parcialmente falso, enganoso, etc., recorrendo amiúde a opiniões de “especialistas”.
Há ainda assuntos de interesse histórico como uma opinião, fundamentada ou não, sobre o que poderá ter acontecido em relação a certo facto histórico em alternativa à versão oficial que sobre ele exista. Nestes casos a referida opinião é chamada uma teoria da conspiração, como por exemplo defender que não houve Holocausto, que o homem não foi à Lua, que Jesus Cristo não existiu, etc. Os fact-checkers não se preocupam muito com estas opiniões porque não constituem um verdadeiro perigo para alguém em especial, acredite quem quiser…
Também há outras opiniões que podem ir da teoria da Terra plana à ovniologia, passando pela astrologia, magia negra, etc.. Também isto não preocupa os fact-checkers, até porque o jornalismo considerado sério serve-se por vezes delas para atrair gente que nelas acredita, ou quer acreditar, e os curiosos. Ler um horóscopo não faz mal, se for bom dá-nos alento, se for mau dizemos que é treta e pronto. Se um jornal noticiar acerca do aparecimento de um ovni, vende mais, apesar da notícia poder não corresponder à verdade. Os anúncios de astrólogos que prometem tudo curar, de males de amor a cancro, são bem-vindos nos meios de comunicação e não merecem atenção dos fact-checkers.
Poderia ainda dar-se vários outros exemplos de factos sobre os quais nenhum fact-checker se interessa e que podem ser patranha como a publicidade de suplementos alimentares, mágicos aparelhos de audição, planos de saúde com cobertura empolada, etc. Mas sendo fontes de rendimento para os órgãos de informação, como podem eles desmenti-los?…
Porém, certos líderes mundiais, principalmente se forem de direita, são alvo de fact-checking por pares. Por vezes nem é necessário a intervenção de agências verificadoras porque, no mundo esquerdino e politicamente correto em que vivemos, certas afirmações desses líderes são alvo de chacota, que, por si só, substitui o fact-checking. Foi o que se passou com o ex-presidente americano Trump em relação às acusações que fez à China sobre a origem do coronavírus e à defesa da hidroxicloroquina para tratar a doença. A maior chacota feita a Trump foi quando ele perguntou a um colaborador se não haveria um desinfetante que pudesse ajudar a combater a doença. Nas redes sociais, o desinfetante referido por Trump passou a ser produto de limpeza, lixívia, etc.
Outro líder alvo de fact-checking do tipo chacota nas redes é Bolsonaro, ele também defensor da hidroxicloroquina ou de que a doença não passa de um resfriado, o que é verdade para 98% dos infetados.
Mas há assuntos que nunca escapam aos fact-checkers e esses são os relacionados com as posições oficiais da ONU ou da OMS (que a maioria dos governos segue), principalmente as relativas à pandemia: aqui os fact-checkers das redes e sites de multimedia mostram-se zelosos em extremo a censurar tudo o que não está conforme às recomendações oficiais. A simples menção de algumas palavras como vacina, covid ou a referência a medicamentos não reconhecidos pela OMS, dá logo origem a alertas que acompanham a postagem. Algumas vezes chegam a apagar as postagens, entrevistas ou vídeos inconvenientes e bloquear os seus autores, sejam eles Trump ou um prémio Nobel.
Justifica-se o fact-checking pandémico pelo receio da “desinformação”? Isto quando os governos recorrem a estados de emergência, de contingência, calamidade, bloqueios, adotam medidas musculadas e prendem ou aplicam coimas aos que não cumprem as regras?… Até mesmo o recolher obrigatório foi imposto como se estivéssemos em estado de sítio…
A censura só é exercida por quem tem uma “verdade” que quer proteger como é o caso dos países com governos comunistas e totalitários.
A desinformação combate-se com informação útil e honesta, sem necessidade de censura. Porém, o Estado paternalista, e os diretórios das redes sociais, não reconhecem aos cidadãos a capacidade de julgar o que está certo ou errado. Estaremos já perante um poder mundial autoritário, cuja verdade é única e inquestionável?…
Reivindiquemos por isso o direito à “desinformação”. Porque já não se sabe exatamente separá-la da “informação”. Os fact-checkers não têm autoridade para estabelecer o que está certo ou errado. Mesmo que recorram a especialistas. Os especialistas nem sempre estão certos, nem seguros, como se pôde já sobejamente constatar nesta pandemia.
Henrique Sousa
José Ferrão / Junho 10, 2021
O problema não está na reposição da verdade. Como dizia o outro, “tudo é relativo”.
O problema está em associar procedimentos administrativos à reposição da verdade.
E o procedimento administrativo mais radical são os subsídios públicos à imprensa.
Nunca se deve perder de vista que um silêncio de quem é pago para falar diz mais do que uma notícia baseada nesse silêncio.
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