
Portugal acaba de aprovar a lei da eutanásia, sendo o quarto país da Europa a fazê-lo. Os Países Baixos, a Bélgica e o Luxemburgo foram os primeiros. Estes três países (Benelux) mantêm laços muito estreitos e formais desde 1944 e foram os percursores da Comunidade Económica Europeia (CEE).
Estes três países têm um sistema de prestação de cuidados paliativos muito mais desenvolvido do que em Portugal. Os doentes e as suas famílias, na Bélgica, nos Países Baixos e no Luxemburgo, com doença incurável, prolongada e progressiva sabem que, se quiserem, têm ao seu dispor cuidados paliativos de qualidade e em tempo oportuno por forma a prevenir o agravamento do seu sofrimento e proporcionar a máxima qualidade de vida possível a si e aos seus familiares.
Em Portuga, os cuidados paliativos ainda estão longe de chegar a todos os que precisam. Para além da ainda baixa e tardia referenciação, a verdade é que não há unidades, equipas intra-hospitalares e equipas de apoio domiciliário em número suficiente e que cubram todo o território.
Mas o que são cuidados paliativos? Porque devem fazer parte dos cuidados de saúde primários? Os cuidados paliativos tal como são concebidos na atualidade e que compreendem cuidados clínicos, de formação e de investigação surgiram no final da década de 50 do século passado em Inglaterra e, segundo a Organização Mundial de Saúde, são cuidados que pela sua abordagem visam melhorar a qualidade de vida dos doentes, e das suas famílias, que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável e/ou grave e com prognóstico limitado, através da prevenção e alívio do sofrimento, com recurso à identificação precoce e tratamento rigoroso dos problemas não só físicos, como a dor, mas também dos psicossociais e dos espirituais.
Os cuidados paliativos nunca esquecem a família. Esta é um elo fundamental para o sucesso. Uma família que vê morrer o seu ente querido em sofrimento, também ela está em sofrimento e com a agravante de que, mesmo depois da morte do seu familiar, muitas vezes esse sofrimento permanece. Os cuidados paliativos são a resposta nestas situações.
Os cuidados paliativos dirigem-se a todos, desde os recém-nascidos até aos mais idosos. O que vemos em Portugal é a grande maioria da população morrer sem ter acesso a estes cuidados. Isso pode considerar-se criminoso. Porque uma coisa é uma pessoa não querer cuidados paliativos, outra coisa bem diferente é impossibilitarem-lhe o acesso, porque não há, ou chegam tarde demais, ou nem sequer a referenciaram para benefício desses cuidados.
Portugal tem uma das populações mais envelhecidas do mundo. O número de anos de vida saudável de um idoso português é dos mais baixos da Europa. Esta realidade diz que um idoso português tem mais comorbilidades do que, neste exemplo, um idoso belga, holandês ou luxemburguês. Logo, tem um risco maior de vir a ser atingido por uma doença incurável, prolongada e progressiva, que o faça sofrer e que, por não ter acesso em tempo útil a cuidados paliativos de qualidade, o possa levar em desespero a pedir a eutanásia, que dentro de meses vai estar disponível legalmente.
Mas, imaginemos que, por absurdo, todos os doentes, desde os mais jovens aos mais idosos, e as suas famílias, a necessitar de cuidados paliativos e que não têm acesso aos mesmos, desde os mais jovens aos mais idosos, e as suas famílias, solicitassem a eutanásia porque o Estado Português não lhes consegue dar esses cuidados de saúde. Qual seria a resposta do Governo? E já agora, de todos nós? Será que só com esta subversão da lei da eutanásia, o Governo português seria forçado a criar uma rede de cuidados paliativos de qualidade para todos e que cubra todo o território?! Tem o doente, dilacerado pela dor, de pedir a morte porque o Estado não lhe garante os cuidados de saúde que aliviam o seu sofrimento?!…
Paulo Pascoal
Presidente da Associação de Familiares e Amigos do Doente em Cuidados Paliativos no Agora e no Depois – Afetos p’ra Vida