Equiparados a delinquentes

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*imagem editada

Se o bastonário da Ordem dos Advogados (OA) não tivesse telefonado para Belém, a pedir a intervenção presidencial para desbloquear a ordem do Ministério da Administração Interna que impedia o advogado dos proprietários de entrar no complexo turístico Zmar, Marcelo Rebelo de Sousa teria feito alguma coisa num assunto escandaloso? Faz-nos duvidar, dado o silêncio que vinha mantendo, quando já tinha sido dado o alerta de violação dos direitos humanos e desrespeito da Constituição com a aprovação pelo Governo da requisição civil para alojar nas casas daquele complexo os trabalhadores de duas freguesias de Odemira que se encontram sob cerca sanitária.

Na interpretação do Correio da Manhã, de 4-5-2021, como se fosse um fait divers, tão ao gosto do jornal, a diligência do bastonário junto do Palácio de Belém seria classificada de “cunha”. Sucede que o que estava em causa são valores essenciais dos direitos dos cidadãos que pagam os seus impostos para o Estado resolver situações que justificam a sua intervenção, mas não à custa de terceiros que nada fizeram para serem violentados com a apropriação dos seus bens. Quando há cidadãos que se sentem ameaçados por decisões unilaterais do Governo, num repugnante exercício de autoridade, é normal que queiram defender-se. Impedir a defesa de cumprir a sua missão só está ao nível de países com ditaduras, como a China, a Rússia ou a Venezuela.

O bastonário, Luís Menezes Leitão, escreveu no jornal i de 4-5-2021 que “constitui uma profunda lesão dos direitos das pessoas permitir que estranhos ocupem, ainda que temporariamente, a sua habitação, permitindo-lhes usufruir da sua casa, incluindo os seus móveis e objectos pessoais, expondo assim a sua vida privada a terceiros.” Prosseguindo, acrescentou: “Ora, não há qualquer indemnização pela requisição temporária de imóveis que possa compensar os danos não patrimoniais que sofre quem vê a sua casa invadida por estranhos e a sua vida pessoal devassada.” Menezes Leitão tem sido um incansável combatente contra os abusos do Governo aproveitando as leis especiais que aprovou para controlar a pandemia.


Marcelo chamado à liça

Sendo chamado à liça pelo conhecimento público do telefonema do bastonário da OA a solicitar a intervenção do presidente da República, Marcelo percebeu que tinha de apanhar um comboio em andamento e, no dia seguinte, através da sua porta-voz oficiosa, Ângela Silva. do Expresso, fez saber que pediu “relatórios” sobre a situação laboral nas estufas agrícolas de Odemira. Também foi anunciado que na segunda metade de Junho fará uma Presidência Aberta no Alentejo. Quanto à questão que motivou o referido telefonema, Ângela Silva informava que Marcelo não quis comentar a requisição civil do Governo mas “deu instruções à sua Casa Civil apara ajudar a desbloquear o confronto que se avolumava entre Governo e privados”.

No mesmo dia da notícia do Expresso, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, voltou à carga para reafirmar a posição do Governo, dizendo que, se necessário, será utilizada “a zona não privada do parque de campismo da Zmar”. Face à cedência que tivera de fazer na véspera, na sequência da intervenção da Casa Civil de Belém, o autoritário Cabrita insistiu na posição governamental com o claro intuito de marcar uma posição de força. Nesse sentido, lembrou que essa zona não privada do parque tem disponibilidade para instalar 90 a 120 pessoas. Sentindo-se ameaçados, o advogado dos proprietários de casas no Zmar interpôs em tribunal uma providência cautelar contra a fundamentação da requisição temporária do complexo turístico.

Não podendo continuar mais tempo em silêncio, Marcelo abordou o assunto numa saída de agenda para pedir uma averiguação ao que está a acontecer no sector agrícola alentejano. Segundo declarou, é preciso “apurar o que há de ilegal e se eventualmente haverá qualquer coisa de criminoso” (jornal i, de 5-5-2021). O SEF já veio dizer que não detectou imigrantes em situação irregular (Expresso, 5-5-2021). Quanto às condições em que trabalham e vivem, não é de agora que se sabe que são as piores. Com alguma frequência, foram dados alertas por reportagens da comunicação social a que não se ligou, porque este poder político – Presidente da República e Governo socialista – instituíram o hábito de desvalorizar ou relativizar o que incomoda. Agora que as condições sanitárias foram novamente expostas, obrigando a um isolamento profiláctico, assistimos a um triste rodopio de políticos muito preocupados com a situação no concelho de Odemira.


“Um cenário de terror”

Afirmou o autarca socialista deste concelho, José Alberto Guerreiro, que várias vezes alertou o Governo para os abusos de direitos humanos e condições precárias de habitabilidade e nunca recebeu apoio desse lado (cf. Expresso, de 3-5-2021). Seja como for, de um momento para o outro, tivemos a correr para Odemira ministros, políticos, SEF, Ministério Público, Polícia Judiciária, Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), Protecção Civil, Segurança Social e GNR, todos com muita pressa em mostrar serviço para impressionar a opinião pública. A GNR “mostrou-se” especialmente pela madrugada, às quatro da manhã, de 6-5-2021, com um contingente armado e vários elementos da força militarizada com cães para fazer entrar no complexo 28 imigrantes. Não havia nenhuma situação de resistência à vista que justificasse tal aparato. Um “cenário de terror”, como lhe chamou um dos advogados dos proprietários, segundo a Lusa, desse dia. Os nomes Costa/Cabrita estão associados a este acto de abuso de poder contra o direito de propriedade.

Logo no início deste processo, em 30-4-2021, a ceramista Ana Westerlund, viúva do actor Pedro Lima, proprietária de uma casa no Zmar, denunciou nas redes sociais o que iria acontecer com a requisição civil e não se coibiu de dizer que se sente “a viver numa ditadura”. Mal podia antecipar que o complexo seria invadido por uma força da GNR, cuja desproporcionalidade do contingente só tem paralelo quando são feitas rusgas a bairros considerados problemáticos, por serem focos de criminalidade e de tráfego de droga. O único pecado dos proprietários foi defender os seus bens contra uma decisão governamental arbitrária e levada por diante pela dupla Costa/Cabrita.

Se depois da diligência do bastonário junto de Belém tivessem alguma esperança que Marcelo ajudasse a resolver a situação, nada se verificou. Quando, horas antes da intervenção musculada da GNR, lhe perguntaram sobre a indignação dos proprietários, foi redondo a responder: é preciso manter “a preocupação com a saúde pública”, ao mesmo tempo que “respeitando a situação de entidades, pessoas ou famílias que porventura habitem a área que ou vem a ser requisitada ou objecto de acordo” (Lusa, 5-5-2021). “É um processo que tem vindo a mudar e a ser elaborado ao longo do tempo”, concluiu. Viu-se!… Em vez do diálogo que estaria em curso por parte do advogado com o Ministério da Economia, o problema resolveu-se rapidamente com armas e cães. É a vitória fácil da força bruta sobre os cidadãos indefesos. Sobre o assunto, nunca mais se ouviu uma palavra a Marcelo. 


“Acto de terrorismo político”

O Supremo Tribunal Administrativo admitiu, entretanto, em 7-5-2021, segundo a RTP, a providência cautelar interposta pelos proprietários e, ao suspender a requisição civil decretada pelo Governo, anuía que deviam ser retirados os imigrantes realojados no local. Mas, do alto da sua arrogância, Cabrita arranjou logo vários subterfúgios para resistir ao cumprimento da decisão do tribunal, começando por dizer que o Governo ainda não tinha sido notificado. Inesperadamente, em 8-5-2021, conforme take da Lusa, 15 dos 28 imigrantes foram transferidos do Zmar para outros alojamentos fora do seu perímetro. Por este andar, se a providência cautelar vier a produzir algum efeito, o que não sucedeu até agora, provavelmente já lá não estará ninguém dos que foram para ali deslocados e, assim sendo, o Governo considerará que conseguiu o resultado que pretendia e os resto fica esquecido.

Olhando para o encadeamento das situações e dos factos, percebe-se hoje que, nos termos em que foi aprovada a requisição civil para o Zmar, os proprietários só podiam reagir da forma que o fizeram, em defesa do direito à propriedade privada. Sim, não podia ser de outro modo. António Barreto, em entrevista ao jornal Nascer do Sol, de 8-5-2021, afirmou que “a requisição civil em Odemira é um acto de terrorismo político”. Ora, com a esperada reacção pela decisão governamental, a Costa/Cabrita interessava sobremaneira criar um abcesso com os proprietários para esbater a indiferença do Governo socialista perante a exploração dos trabalhadores agrícolas nas circunstâncias em que têm sido denunciadas. Ainda agora, soube-se que a Diocese de Évora alertou, em Dezembro de 2019, através de um documento, para “a humilhante problemática dos migrantes no Alentejo” e, segundo declarou ao Correio da Manhã, em 8-5-2021, o arcebispo D. Francisco Senra Coelho, o Estado ignorou os avisos.

Num jornal de esquerda pró-governamental como é o Público, o seu director, Manuel Carvalho, haveria de encaminhar o seu editorial, de 8-5-2021 para o ponto que mais podia agradar ao Governo, ignorando o que foi a sua intervenção musculada neste processo: “A atitude do ministro Eduardo Cabrita explica mas não justifica as reacções dos donos das casas do Zmar que se seguiram. O que foram dizendo revela muito mais do que um legítimo instinto de protecção dos seus bens e da defesa dos direitos de propriedade: revela também um preconceito para com os imigrantes e insensibilidade para com os seus dramas pessoais”. No fim, os maus da fita são os proprietários, que, seguindo o raciocínio do director do Público, deveriam comportar-se com sentido de obediência. Em muitas cabeças da esquerda, ainda perdura a mentalidade comunista de ocupação do Alentejo.


Francisco Menezes

*O autor usa a norma ortográfica anterior.

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Latest comments

  • Muito bem! Também o ex- humorista e actual moço de fretes Ricardo Araújo Pereira, vilipendiou descaradamente os proprietários, no sentido que o artigo refere. Muito oportunamente,para o Governo, em horário nobre de Domingo.

  • O País precisa de forças politicas que se assumam como conservadores e de direita, estes criminosos que governam há muito este país têm de ser afastados. Liberdade precisa-se. Os orgãos de comunicação social são controlados pela extrema esquerda e pela chamada esquerda socialista e maçon, o país é governado há dezenas de anos por gente sem escrúpulos que se julgam donos da verdade, controlando hoje todo o Estado. Portugal, há muito não é uma democracia, os poderes pilar são dominados por gente parasita, a grande maioria nunca se lhe conheceu um trabalho que não esteja ligado a nomeações dados pelos poderes políticos, as grandes empresas gozam connosco. A Sonae detém um jornal de extrema esquerda, o Público, qual o objectivo? Manter-se encostado ao poder? Hoje, estes e os concorrentes são donos de grandes mercearias. Lembro-me há uns anos ameaçarem de se deslocarem para o estrangeiro. Pois que vão, mas se cá o ganham cá devem pagar os seus impostos, sem protecções por parte deste estado corrupto até à medula. Com todos os poderes capturados, só resta correr com estas quadrilhas e repor o Estado de Direito e a Liberdade.

  • Ótimo artigo.

    Foi cometido um crime gravíssimo contra a propriedade privada.

    No entanto o crime mais grave que ultrapassa todos os outros foi a forma terrorista/ditatorial com que os emigrantes foram presos a meio da noite, como criminosos, retirados das suas casas, dos seus bens para fazer a, contra a sua vontade, pensando que iam ser deportados, só pela vontade do ministro. Acho que esse crime é muitíssimo maior que qualquer outro que foi cometido.

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