Não restam dúvidas que, na questão energética, existem diversos grupos de pressão (lóbis), cada um a puxar a brasa à sua sardinha, como diz um conhecido ditado popular.
Uma vez que a narrativa climática pretende excluir todos os combustíveis que produzam CO2 – considerado o principal responsável por um suposto aquecimento global de consequências catastróficas –, a única tecnologia energética isenta de emissões de CO2, além das renováveis como hídrica, eólica e solar, é a da energia nuclear de cisão. A narrativa climática está assim a contribuir para reabilitar a temida energia nuclear e o respetivo lóbi está a cavalgar nesta onda.
A narrativa climática foi congeminada pelo lóbi das eólicas de modo a torná-las atrativas e conseguirem ultrapassar os obstáculos dos custos elevados que tinham de início e a questão da intermitência que levou a que lhes fosse dada prioridade de entrada na rede. Mais tarde, quando as solares se tornaram mais baratas, entraram também no mesmo lóbi que usa a narrativa climática para ser atraente.
Convém lembrar que as tecnologias eólicas e solares começaram a ganhar terreno após a crise petrolífera de 1973 e a ideia inicial era conseguir poupar algum combustível. O primeiro parque eólico português (oferecido pelo governo alemão) foi construído em 1986 na ilha do Porto Santo, Madeira, e tinha 240 kW apenas de potência porque nas horas de vazio o consumo era da ordem dos 500 kW. Logo nos primeiros meses de funcionamento pôde constatar-se uma economia considerável de gasóleo na pequena central da ilha. Mais potência eólica não traria muito mais economia e causaria problemas de estabilidade de frequência e tensão na rede elétrica.
Numa perspetiva de economia de combustível, as renováveis como a eólica e solar fazem sentido mas a potência instalada deve manter-se inferior ao mínimo do consumo. Mas isso não agrada ao lóbi das renováveis que, valendo-se da narrativa climática, não quer apenas poupar combustível mas substituí-lo por completo, sem limite para a potência a instalar que pode ultrapassar em muito a potência de pico do consumo e exige sistemas de armazenamento de grande potência e capacidade. E para aí se caminha com enormes investimentos em eólicas (on e offshore), solares, bombagens, “gases renováveis” como o hidrogénio e a amónia “verdes”, etc.. Muito vai ser preciso investir até que se possa dispensar o único fóssil ainda permitido na produção de eletricidade – o gás natural!
Porém, a energia nuclear, tal como a das centrais a carvão, é potencialmente uma das mais baratas, estando vocacionada para funcionar o maior número de horas possível a plena potência. Quanto mais energia produzir, menos ela custará, o que resulta dos elevados investimentos necessários e da vida útil das centrais. Por outras palavras, as centrais nucleares e a carvão estão vocacionadas para funcionar na base dos consumos, a potências próximas das suas potências nominais, de modo a que o custo do kWh produzido seja o mais baixo possível.
Mas parece que a era em que se desejava energia barata está a chegar ao fim porque as energias renováveis intermitentes estão a tornar inviáveis a operação de centrais de base como as nucleares ou a carvão. Foi isso que fez com que se fechassem as centrais a carvão em Portugal que já só trabalhavam cerca de 13% do tempo, inviabilizando a sua operação.
A França, que possui vasto know-how na tecnologia nuclear e onde a energia nuclear é principal, depois de um período em que esta parecia estar em declínio, voltou a apostar forte no nuclear com vista à sua expansão no âmbito interno e para exportação.
Na Alemanha as centrais nucleares foram, a título definitivo, encerradas mas a sua ausência favoreceu o retorno de centrais a carvão porque as intermitentes não permitem responder à procura de base. Além disso a Alemanha importa energia de origem nuclear de França numa situação semelhante a Portugal que importa agora mais de Espanha depois do fecho das centrais a carvão.
Na Finlândia, um dos países em que a energia nuclear é a principal, entrou em funcionamento em 2022 mais uma grande central nuclear, a Olkiluoto 3, mas que não está a produzir como se esperava porque a abundância de outras energias não o permite e obriga a central a reduzir a potência em horas em que o preço da energia é negativo, isto é, quanto mais se produzir mais terá de se pagar. Claro que há 18 anos, quando a construção da central foi iniciada, não se podia prever esta situação. Vamos ver como evolui a situação, nomeadamente se as eólicas, solares e outras não terão de ser dispensadas.
A Dinamarca, uma das pioneiras da energia eólica e onde ela é a principal, pondera-se agora reverter a lei de 1985 que proíbe centrais nucleares, quiçá porque elas são “verdes” e evitam emissões de CO2. A Dinamarca, pioneira da energia eólica, a apostar na energia nuclear? Como vai correr o casamento? O casamento de centrais intermitentes como as de vento ou do Sol com centrais de base como o carvão ou nuclear, não é dos melhores casamentos, como já constatámos com as nossas centrais a carvão em que elas foram mortas pelas intermitentes com quem as casaram à força. As centrais intermitentes casam melhor com centrais de ponta como as a gás ou hídricas (com bombagem ainda melhor) na medida em que estas preenchem as flautas (ausência de vento e/ou sol). Estará a Dinamarca a ponderar desistir de parte da eólica para poder introduzir o nuclear?
Com estes exemplos vimos que a energia nuclear é vista de diversas formas em diferentes países mas há indícios de que a sua reputação está a melhorar na UE, embora não haja um consenso ainda. Apesar de considerações técnico-económicas desaconselharem o casamento de intermitentes com centrais de base, o lóbi nuclear serve-se também da ideologia climática para se intrometer na economia “verde”, isto é, livre de carbono, e, pelo visto, com algum sucesso.
Para quem a narrativa climática é música para boi dormir, o que se devia mesmo fazer para produzir energia elétrica barata era reduzir as intermitentes à sua insignificância e instalar centrais de base nucleares e/ou a carvão, continuando as hídricas e o gás a fazer as pontas, sem necessidade de outra argumentação que não a de uma gestão racional e competente da rede elétrica.
Há que ter em consideração que uma central nuclear demora no mínimo 10 anos a construir e uma central a carvão de raiz demora 7 anos no mínimo. Por isso, é preciso pensar se um país como Portugal que só contribui com 0,1% do famigerado CO2 a nível mundial tem de ser o campeão das energias renováveis e o exemplo no combate às alterações climáticas, prejudicando enormemente a sua economia e competitividade.
Henrique Sousa
Editor para Energia e Ambiente do Inconveniente