João Quintela Cavaleiro, advogado e Professor Convidado da Católica Porto Business School, em artigo de opinião d’O Jornal Económico do dia 20-10-2021, fala sobre o preço da energia e advoga que a expansão das energias renováveis fará diminuir os custos de produção da energia elétrica. Citando:
“Espera-se ainda conseguir aumentar a produção de energia eólica, hídrica e com recurso ao hidrogénio, sendo que havendo uma suficiente penetração das fontes renováveis no mercado de produção de energia, será expectável que se diminuam os custos de produção da energia elétrica.”
Uma opinião é isso mesmo, uma opinião. Pode ser ou não fundamentada, não vem daí mal ao mundo. Mas se a “opinião” serve uma certa cartilha ideológica e carece de fundamentação, deixa de ser opinião e passa a ser propaganda.
Já escrevi sobre o assunto das “eólicas e do seu papel no preço das energias”. Ao contrário do que advoga João Quintela Cavaleiro, defendemos que as renováveis fizeram e farão subir ainda mais o preço das energias.
O custo nivelado comparativo de um MWh de energia elétrica produzido a partir de uma central em que o combustível é gratuito (vento, água, sol) pode ser calculado dividindo os custos totais (de investimento, operação, manutenção, etc.) pela produção durante a vida útil do investimento. A produção depende essencialmente da utilização da potência – parte do tempo em que a central trabalhou durante a sua vida. Para o vento, por exemplo, a utilização média é de 25% no máximo e é um valor que só depende do regime de ventos e que também não varia muito de ano para ano. Para o sol este valor cai para 16% e para a água também é baixa (20 a 30%) e pode variar de ano para ano dependendo da pluviosidade e também da gestão das centrais.
Isto significa que a gratuitidade do combustível se paga com fracas utilizações das potências instaladas. Assim, as únicas variáveis com que se fica para fazer baixar o custo da energia são os custos fixos, entre eles o investimento e a vida útil da central. O baixo custo da energia hídrica deve-se fundamentalmente à longa duração das centrais que podem funcionar durante 80 ou mais anos. As eólicas duram apenas 20 anos e as solares fotovoltaicas podem chegar aos 25 anos, e não há perspetivas de as prolongar muito mais.
Donde se conclui que só a redução dos custos de investimento podem fazer baixar o custo da energia das renováveis. Essa redução tem vindo a ser conseguida à custa do aumento da potência unitária dos geradores eólicos e da melhoria da eficiência e dos custos de fabrico dos equipamentos. No solar fotovoltaico essa redução tem sido efetivamente notável e conduziu já a custos da energia fotovoltaica semelhantes às das eólicas. Alguns cálculos apontam para custos atuais das eólicas e solares da ordem dos 50€/MWh, inferior a muitas alternativas não renováveis.
Vejamos o que se passa com o custo da energia produzida numa central em que o combustível não é gratuito. Temos que considerar aqui mais uma parcela, a que resulta da transformação do combustível em energia elétrica. Ela é calculada dividindo o custo específico do combustível (€/MWh) pelo rendimento da transformação. Por exemplo, se for uma central a carvão com um rendimento de 40% e se o carvão custar 10€/MWh, teremos o custo mínimo de 25€/MWh para a energia elétrica a acrescentar ao dos custos de investimento, operação, manutenção. Mas estes variam não só com os custos fixos mas com a produção e esta depende da utilização da central. Quanto maior a utilização, maior a produção e menor o custo da energia elétrica. Com uma utilização a tender para zero o custo da energia tende para infinito e haverá um valor mínimo da utilização abaixo do qual as centrais que usam combustíveis onerosos passam a não conseguir competir no mercado elétrico onde se inserem.
Antes do aparecimento das “eólicas”, as centrais térmicas tinham utilizações de 50 ou 60% que permitiam produzir energia elétrica a 50€/MWh. O aparecimento das “eólicas”, que passaram a ter prioridade de entrada na rede (tarifas feed-in) e beneficiaram de preços políticos de estímulo que excediam largamente o valor de mercado (chegando a mais de 300€/MWh nalguns contratos), acarretou a redução da utilização das centrais fósseis e consequente aumento do custo da sua energia. Esta redução de utilização é fácil de perceber porque, quando há energia renovável disponível, a sua entrada prioritária na rede acarreta a redução da potência de operação das térmicas que acabam por funcionar apenas para suprir as carências, com péssima utilização da potência instalada – e preços mais altos!
O argumento mais utilizado pelos defensores da ideia de que “quanto mais energias renováveis menor será o preço da eletricidade” consiste em dizer que o preço no mercado ibérico (MIBEL) desce quando há mais potência renovável na rede e sobe quando há menos. Este argumento é falacioso e só serve para iludir incautos:
O mercado ibérico (MIBEL) é uma construção artificial que pouco ou nada tem a ver com os custos de produção de energia à boca das centrais tal como descrevemos acima e que seria a análise correta e honesta. No mercado de energia MIBEL, produtores e compradores fazem ofertas e o preço é fixado nesta base, sendo que muitos produtores e compradores se confundem. É pois de esperar que quando na rede há energia em excesso, esta baixe de preço e quando há energia a menos o preço suba. As renováveis com tarifas feed-in têm prioridade, têm um preço fixado nos contratos, preço que não sofre com as variações no mercado de energia. As outras, de origem não renovável, no intuito de conseguir maior penetração, baixam o preço quando são pouco necessárias e sobem quando são imprescindíveis. Portanto, os preços no mercado MIBEL não podem ser usados para afirmar que se houver mais energia renovável, os preços da eletricidade vão baixar. Uma consistente queda dos preços só se obtém com a redução dos custos de produção. Preço e custo não são a mesma coisa. E as renováveis fizeram de facto, e na prática, aumentar os custos da eletricidade produzida pelas térmicas.
E aqui chegados, falemos da imprescindibilidade das centrais. As renováveis intermitentes como o vento e o sol produzem energia de forma aleatória e, não havendo centrais para suprir as suas ausências, são incapazes de satisfazer a procura porque esta não depende de haver ou não vento ou sol, só depende do ritmo das atividades humanas.
Podemos, pois, calcular o custo da energia intermitente e podemos calcular o custo da energia de uma origem não intermitente. Mas não podemos comparar uma com a outra como muitas vezes se faz para demonstrar a viabilidade das energias renováveis, recorrendo mesmo a subterfúgios como a introdução da taxa de carbono sobre os fósseis e retirando ao custo das renováveis o custo da energia que substituíram. Porém, a questão não está só no custo, as renováveis não conseguem por si só satisfazer a procura e precisam da contribuição de fontes não renováveis capazes de produzir a pedido, pois só com um stock de energia primária e disponível é que se consegue este propósito.
É neste contexto que surge a ideia de recorrer ao armazenamento da eletricidade com a produção de um combustível com origem renovável. Este combustível é o hidrogénio que passa a chamar-se verde devido à sua origem nas renováveis.
Se as renováveis fizeram encarecer a energia das centrais a carvão e a gás, não só por serem pagas a preços políticos superiores como por terem reduzido a utilização destas centrais, imagine-se agora se, a juntar a mais investimentos na produção, armazenamento, transporte do hidrogénio, se deduzir as perdas de energia resultante do processo de eletrólise, da liquefação, do transporte, das perdas por difusão, etc.
E, mesmo que num futuro distante, o hidrogénio consiga substituir o gás e o petróleo (o carvão já sucumbiu às “eólicas”), até lá estaremos dependentes deles como energias imprescindíveis para satisfazer a procura. E, como imprescindíveis que são, far-se-ão pagar em conformidade. Não é por acaso que os preços do petróleo e do gás estão em alta e não tem a ver com questões políticas abstratas, é mais uma questão de oportunidade. Também não é só por causa do aumento da procura pós-pandemia. Quem detém esses recursos sabe que eles são e serão imprescindíveis e essenciais.
A ideia de uma descida de preço dos combustíveis pela maior penetração das renováveis pode ser mesmo apenas conjectural como advoga João Quintela Cavaleiro, isto é, uma opinião com fundamento incerto e não verificado. Citando o autor:
“Em face do exposto, espera-se assim que a presente situação seja efectivamente de ordem conjectural e que, pese embora a subida do preço da energia elétrica tenha tendência a manter-se durante um certo período de tempo, tal possa vir a ser revertido através do desenvolvimento de medidas com impacto na redução das emissões de CO2. Para países como Portugal, com manifesta falta de poder na geografia mundial de aquisição de energia, em momentos de escassez assumem redobrada importância o incremento de soluções energéticas endógenas – solar, hidrogénio, eólica –, nunca perdendo de vista o papel conjugado que o gás natural continuará a desempenhar nesta fase.”
O gás natural não tem apenas um papel conjugado, ele é e será durante muito tempo imprescindível e essencial e vamos ter de o pagar a bom preço por essa razão. Nós e todos os que dele precisam.
Na subida do preço da eletricidade, a grande responsabilidade deve ser assacada à política de proliferação irresponsável de energias renováveis (sob a batuta de Sócrates e Pinho) que escorraçaram o carvão e podem escorraçar o gás também. Podemos vir a sofrer um bloqueio energético (que nós próprios criámos) e com consequências parecidas aos do bloqueio de Berlim dos anos pós-guerra, 1948-1949, quando os aliados abasteceram por ar a cidade e em que dois terços dos carregamentos eram de carvão para aquecimento das casas. Relata-se também que, durante o bloqueio, os berlinenses cortaram todas as árvores da cidade para queimar nos seus fogões e resistir ao frio. A cada vez maior utilização da biomassa entre nós, pode conduzir o país à desflorestação se se persistir nas políticas de repúdio (bloqueio) de combustíveis fósseis convencionais para alcançar a redução das emissões de CO2 e cumprimento de metas impostas por aqueles que nem sequer tencionam cumpri-las: China, Rússia, Alemanha, Estados Unidos, etc.
Henrique Sousa
Editor de Energia e Ambiente do Inconveniente
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