
Da grande distribuição à universidade, da universidade a Angola, de Angola ao empreendedorismo, e agora, do empreendedorismo até onde… não faço a mais pequena ideia. O que é uma ótima sensação...
Quando uso a palavra “empreendedorismo”, ou me chamam “empreendedor” fico algo presunçoso, mas sinto também uma vergonha alheia (ainda por decifrar o seu significado), talvez por ser uma situação nova, encontrar-me num papel que parece estar na moda. Ser empreendedor é “cool”. Mas, ligo pouco. Uso-a sobretudo por facilitismo, porque quando me perguntam o que faço, não seria prático dizer: repositor de stocks, “faxineiro”, administrativo, técnico de marketing, relações públicas, criador de conteúdos, contabilista, check-inner, decorador, serralheiro, carpinteiro, canalizador, etc.
Sinto que a minha carreira só agora começa, sinto-me um amador, que nada sei, a lidar com situações pela primeira vez.
Mas o meu trajeto profissional não começou agora aos 37 anos.
Foi lá mais atrás em 2002, quando entrei no mundo da grande distribuição alimentar ainda enquanto estudante do secundário, na caixa do supermercado, passando pela reposição de stocks, limpeza do parque de estacionamento, até depois, integrar as equipas de chefias na direção das lojas.
Abandonando nesta altura os estudos, fiquei-me pelo secundário. Admitindo que não era um fascínio, um objetivo, muito menos tinha um incentivo familiar para entrar na universidade.
Todavia, mais tarde seria uma malapata.
Admitindo que a premissa “nunca é tarde” está correta, teria sido melhor na idade própria do que quando me deparo com a necessidade de um curso superior, tendo assim que dar um passo atrás para depois poder dar dois em frente.
O bichinho do trabalho, da independência financeira ganha preponderância e leva-me a assumir com afinco a minha carreira na grande distribuição.
Com apenas 22 anos foi-me atribuído a primeira loja enquanto responsável máximo. Ma altura, mudei-me de malas e bagagens para a Nazaré. Não só o primeiro grande desafio profissional estava a começar, como também um enorme desafio pessoal: sair do conforto da casa do pais, alugar uma casa e morar sozinho num sítio onde não conhecia ninguém.
Passei depois por várias outras lojas, cada uma mais desafiante do que a anterior.
Mas a frustração começou a instalar-se. Sentia-me estagnado, os desafios eram vulgares, já conhecidos e de relativa facilidade de superação. Queria mais. Sentia-me capaz de mais e demonstrei-o às estruturas da empresa.
Dar um salto profissional nesse momento significava entrar em cargos das estruturas centrais, cargos esses de maior dificuldade de acesso, não só por haver menos vagas naturais, mas porque as regras de admissão em nada favoreciam a ascensão na empresa de alguém que crescesse de baixo e de dentro. E os concursos internos que existiam dependiam sempre do estatuto de licenciado – e de uma boa “networking” interna….
E se assim o era, se precisava de um “canudo” para subir na carreira, decidi começar por aí. Matriculei-me no Instituto Politécnico de Santarém, submetendo-me às provas de admissão no chamado “acesso a maiores de 23 anos”. E dez anos depois de abandonar o secundário, ingressei na licenciatura em Marketing é Publicidade (no regime pós-laboral), hoje infelizmente extinto…
Ensino superior: uma desilusão com raios de esperança, que me abriram os horizontes
Não só pelo “músculo” de estudante já estar muito emperrado, esta adaptação ao ensino foi um desafio gigante. As principais razões para essa dificuldade eram, porque me mantinha em funções enquanto gerente e a distância superior a 50 quilómetros do trabalho às instalações da Escola Superior de Gestão e Tecnologia de Santarém (ESGTS). As aulas decorriam das 18:30 à meia-noite; mas com os trabalhos requeridos nas cadeiras, o esforço começava mais cedo e acabava mais tarde.
Contudo, com a ajuda preciosa da minha companheira, que iniciava ela também a licenciatura de Engenharia Agronómica, no mesmo Instituto, tudo se tornou mais gerível, mas com desgaste difícil de descrever. Lembro-me das viagens de regresso noturnas em que, se fôssemos juntos, o que fazia de co-piloto (normalmente eu) dormia todo o trajeto, e nos dias em que ia sozinho, tinha muitas vezes de encostar e passar um pouco “pelas brasas” para conseguir retomar a condução.
O objetivo inicial era simples: ter um canudo que pudesse colocar no CV e assim me permitir evoluir na minha carreira numa grande empresa de distribuição alimentar, podendo concorrer a vagas mais promissoras. Outros voos, outros salários.
Aqui chegado, o ensino superior, foi uma desilusão.
O impacto inicial foi francamente negativo. Sentia-se na espuma dos dias que a estrutura de ensino não colocava o aluno em primeiro lugar, não direcionava os seus esforços para preparar potenciais profissionais, dar-lhes ferramentas para vingarem num mercado de trabalho competitivo e com oportunidades escassas. Havia problemas internos na Instituição que passavam para os estudantes, unidades curriculares em que os seus planos de estudos eram empolgantes, mas na prática não se concretizavam, havia aulas de “cumprir calendário”, professores desajustados à finalidade, com conteúdos e formas de lecionar desinspiradas.
Os raios de esperança provêm das exceções, que infelizmente não faziam a regra, professores de vocação que cobriam as vazas dos inúteis, que incutiram em mim uma mentalidade de que muito poderia fazer com o meu futuro. Não digo que traçassem as coordenadas do meu destino, mas foram moldando o meu pensamento, aguçando o sentido crítico na procura das melhores soluções, no desenvolvimento de um método de aprendizagem que gerava curiosidades contínuas, de não esperar muito para decidir fazer. Por isso, digo que, apesar dessas desilusões, o ensino superior despertou uma mudança de rumo. E comecei a migrar um pouco para fora do padrão, redirecionando os meus objetivos.
Os horizontes abriram-se a curiosidade aumentou, a necessidade de desenvolvimento pessoal foi ficando maior de dia para dia. Um exemplo prático atual, nessa linha de evolução dos meus conhecimentos, são os cursos técnicos on-line que tenho feito para responder às tarefas que tenho pela frente para o desenvolvimento da minha empresa: marketing digital, produção de vídeo para redes sociais e outros. E também a leitura, que passou de dois livros por ano, para três ou quatro por mês.
Ainda antes de oficialmente me tornar o primeiro licenciado da família, comecei a criar um plano estratégico para o meu futuro. Coloquei todas as possibilidades em cima da mesa: inicialmente o objetivo era progredir dentro da empresa, depois abriu-se um leque de opções mais vastas e ambiciosas.
Criei um curriculum vitae apelativo de uma única página (porquê mais?!), um perfil no LinkedIn atrativo e uma abordagem a empresas com o mote “O melhor de dois mundos” que consistia em realçar as minhas aptidões enquanto profissional experiente correlacionada com a recente aprendizagem académica.
No dia em que devia apresentar oralmente o meu trabalho final na escola em conjunto com os meus companheiros de grupo – digo melhor, companheiros de licenciatura e grandes amigos – rebentam as águas à minha mulher e ela entra em trabalho de parto. No meio das contrações, já regulares, envio um email aos meus colegas com a minha parte do trabalho para que o possam apresentar mesmo sem mim. E assim fizeram, com muita distinção, um facto que agradecerei sempre.
Num curto espaço de tempo fiz algumas entrevistas de trabalho para as principais empresas de recrutamento. Porém, foi através de uma abordagem direta que me fizeram no LinkedIn já com diploma de licenciado na mão, e pai de uma menina de nove meses, que viria a ter a minha melhor proposta de trabalho.
Angola, a experiência de uma vida, pessoal e profissional
A abordagem através do LinkedIn chegou de Angola, de uma empresa da grande distribuição em Angola, empresa de capitais 100% Angolanos, que tinha portugueses nos seus principais quadros de direção, com carreiras feitas nas multinacionais em Portugal, exportando assim a sua experiência para Angola, que era exatamente o que me estavam a propor. Após a primeira mensagem, seguiram-se algumas chamadas telefónicas, trocas de emails e finalmente as entrevistas via Skype.
Quando já não esperava recebo um email com a proposta final para o cargo de diretor de loja de um hipermercado da empresa. Uma proposta financeira muito difícil de recusar e com ótimas condições, casa em condomínio fechado com empregada, carro e motorista, viagens, seguro de saúde, etc.
A proposta foi aceite após ponderação familiar. Não muita, porque ao longo dos últimos anos a hipótese de emigrar já estava em cima da mesa, e o timing para o fazer, na nossa perspetiva, estava a terminar. Procurávamos uma mudança, um empurrão na vida. E agora tínhamos essa oportunidade em mãos. A minha companheira também seria integrada no Grupo, passando também pelo processo de seleção, e com todo o mérito recebeu uma proposta para gerente de departamento de hipermercado, proposta também bastante atrativa. Isso permitia que a nossa expatriação fosse mais rendível e menos longa.
Apresentei a minha carta de demissão, que não é aceite no primeiro instante. Sou chamado à sede da empresa para uma reunião com a direção de Recursos Humanos. Tivemos conversa honesta e aberta, que principia por uma espécie de discurso de desculpa por até àquele momento não me terem dado oportunidade de progressão de carreira, apesar de já estar referenciado para tal; e que teria o seu lugar para breve. Demonstraram apreço pelo meu trabalho e deixaram a porta aberta para um eventual regresso no futuro.
Seguiu-se o processo de preparação para esta mudança:vistos, vacinações, consultas, arrendar a nossa casa, vender um carro…
Parto primeiro. Chego a Luanda a 25 de Abril de 2016, pelas 18 horas, noite cerrada – em África anoitece muito cedo – e sinto logo aquele “bafo quente” à saída do avião. Nervoso, expectante, sou recebido de forma simpática por um motorista da empresa. Quando saio do aeroporto há muito barulho, confusão, uma série de pessoas que querem pegar nas minhas malas, ajudar-me a transportá-las até ao carro para ganhar uma gorjeta. Uma azáfama com que após algum tempo me acostumei. Mas ali fiquei muito desconfortável, sentindo-me inseguro.
Este mesmo processo seria repetido duas semanas depois, aquando da chegada do resto da família, a minha esposa com a nossa filha, numa viagem muito cansativa de oito horas com uma bebé pequenina, e algumas complicações à chegada por causa de uma pequena rasura no boletim de vacinação, muitos nervos. E, de seguida, aquele impacto barulhento do bulício de Luanda. Quando chegámos a casa a minha companheira desmorona-se emocionalmente, situação perfeitamente compreensível. Contudo, rapidamente foi ultrapassada. Em pouco tempo, estávamos instalados e a ganhar as nossas rotinas.
Olhando agora para trás, e de forma muito resumida, Angola ficará para sempre marcada nas nossas vidas. Recordamos a nossa aventura com muita saudade. Foram muitas mais as experiências positivas do que negativas, embora as negativas que vimos fossem de carácter dramático: fome, doença, morte…
As experiências positivas estão maioritariamente associadas às pessoas. A sua alegria, os sorrisos, a amizade, a dança desinibida e espontânea assim que toca alguma “batida” de música africana. Também o bom tempo (uma maravilha!), a praia e a piscina perto e disponíveis. O único dia de folga era ao domingo – um fim-de-semana completo livre era muito esporádico. Os dias de folga eram bem gozados, sempre com uma sensação de “férias”. E aquele nascer e pôr do sol africano é a mais bonita das paisagens que vi até hoje!
Ao nível humano foi uma vivência única. Não dá para descrever em poucas linhas. Digo apenas que ao fim de três anos tornou-se cada vez mais difícil fazer cumprir o que decorria da minha função, a qual requeria rigor, disciplina, exigência e cobrança constantes. As quais, por vezes, eram difíceis de adequar a pessoas que tinham um sofrimento e dificuldades sérias de sobrevivência no seu dia-a-dia, em que chegar todos os dias ao trabalho, era um desafio literalmente de vida ou de morte.
No que respeita ao tempo de estadia, primeiro tínhamos como marco fazer uma reavaliação quando atingíssemos um ano. Ponderámos e decidimos redefinir o objetivo para os três anos, pois seria a altura em que financeiramente estaria atingido um ponto que nos colocava em boa posição para nos projetarmos para o próximo passo nas nossas vidas. Isso também coincidia com a idade em que a nossa pequena, deixava de ser assim tão pequena, e entrava em idade pré-escolar. Nesse momento, a presença e convivência com a família, andar de forma despreocupada e segura e ensino de qualidade ganhavam agora outra importância no seu desenvolvimento, e seria conveniente regressar.
Após o primeiro ano em Angola, e já perfeitamente adaptados e a disfrutar, começamos a planear o que faríamos quando regressássemos de vez.
A ideia de iniciar um negócio próprio fazia cada vez mais sentido durante e após o ensino superior. O empreendedorismo, a criação de novos produtos e serviços, a fundação de novas empresas, todo este mundo das start-up’s mudou o meu pensamento.
Se eu colocava grande empenho e dedicação enquanto profissional por conta de outrém, porque não fazê-lo por conta própria?…
Que tipo e área de negócio seria bom apostar e investir?
O turismo sempre foi uma área que gostámos muito, não só por adorarmos viajar, conhecer novas culturas e geografias, mas porque trabalhar com clientes em modo de férias, clientes com espírito aberto, positivo, bem-disposto, seria entusiasmante. Ter um produto ou serviço que trabalhasse esta vertente seria o ideal.
E rapidamente achei que não precisaríamos de esperar pelos fim do prazo de três anos em Angola, pelo nosso regresso definitivo a Portugal, para começar o negócio. Ainda não tínhamos completado o primeiro ano e já comprávamos a nossa primeira casa de praia no Algarve. Começamos desde logo a rendibilizá-la, no alojamento temporário de turistas mesmo a mais de 8 mil quilómetros de distância. Era também a melhor maneira de colocar a multiplicar o dinheiro que estávamos a ganhar e nenhuma aplicação bancária nos daria um rendimento semelhante.
Ao longo dos restantes anos em Angola, os poucos tempos livres foram passados a idealizar o modelo de negócio futuro que aplicaríamos quando regressássemos. E nas férias que tínhamos passávamos bastante tempo a tratar desse futuro, procurar os melhores negócios para aquisição de novos imóveis e melhorar os que já tínhamos.
Quando regressamos definitivamente, alguns meses depois de fazermos três anos de expatriação, já tínhamos o negócio a rolar. Passaríamos então a estar dedicados a tempo inteiro ao mesmo, no Algarve. Aos três apartamentos que comprámos, juntámos duas autocaravanas. E, entretanto, criámos condições para gerir alojamentos de terceiros. Crescemos de dia para dia. Somos uma empresa familiar pequena mas com vontade de fazer diferente. Adaptamo-nos de modo ágil às exigências e tendências de consumo do novo turista para que lhe possamos proporcionar um melhor serviço e nos colocarmos na melhor posição para sermos os escolhidos no meio de tanta oferta.
A pandemia da Covid-19 colocou-nos desafios inesperados, apanhando-nos numa fase de crescimento, e lançamento de novas linhas de negócio. Não tivemos perdas em relação a anos anteriores, mas ficaríamos aquém das perspetivas e orçamentos idealizados. Travámos lançamentos de novos produtos e serviços e suspendemos investimentos. O objetivo é resistir, mas nunca abdicando de crescer. Acreditamos que a nossa resiliência dará os seus frutos.
A curto prazo será gradual o retorno à normalidade. Todavia, a médio-prazo a retoma do turismo será, na nossa visão e apoiado por tudo o que temos lido e acompanhado de forma próxima, bombástica.
Por isso, estamos concentrados em nos colocar na melhor posição possível para 2022 ser um ano extraordinário para os nossos projetos. E vamos agarrar todas as oportunidades para fazer esta empresa crescer.
O que se seguirá?
Depois de consolidados no turismo de praia em época alta, e turismo nómada digital/teletrabalho na parte restante do ano, temos o objetivo do turismo rural para concretizar. Existe o local, muitas ideias, um modelo de negócio diferenciador a nascer. Lá chegaremos!
Talvez vos conte como num próximo artigo no Inconveniente.
Vítor Ferreira Santos
Cozy Days