Em nome da vida!

As razões invocadas pela Rússia para a invasão da Ucrânia foram de natureza meramente política e militar: defesa de populações de origem russa que estariam a ser oprimidas por forças nazis às ordens de Kiev, redução do poderio militar crescente da Ucrânia impedindo que ela se tornasse membro da NATO, como pretendido pelo governo de Zelensky (a Rússia considera a NATO uma organização hostil, anti-Rússia, sendo a Ucrânia um peão avançado no jogo de xadrez que o Ocidente tem supostamente jogado com a Rússia e jogara com a URSS).

Todavia, a realidade é que, com a invasão da Ucrânia, a Rússia está a mostrar-se uma potência que recorre à guerra para se expandir, ao passo que a NATO avança pela via da adesão de países soberanos e democráticos – nada que se compare com o método bárbaro do adversário. “Em política, o que parece, é!” – dizia um grande estadista português.

A União Soviética desmoronou após a queda do muro de Berlim e com ela viria a desmoronar-se o Pacto de Varsóvia, que era o adversário natural da NATO. Esta poderia ter seguido o mesmo caminho por já não haver (alegadamente) um adversário com quem medir forças, mas não só continuou como se expandiu para Este com a livre adesão de alguns países que antes pertenciam ao Pacto de Varsóvia.

O adversário da NATO passou a ser a Federação Russa, a mãe da falecida URSS comunista e que, na verdade, nunca deixou de estar desligada do antigo poder comunista. O que houve foi uma reforma no interior do partido quando Gorbatchov assumiu o poder. Nas eleições subsequentes, apenas têm sido escolhidos ex-comunistas, Iéltsin, Putin, Medvedev, Putin. Assumindo que as eleições têm sido legítimas, haverá uma preferência dos russos pela “evolução na continuidade”! Putin e companhia parecem (o que parece, é!) ter a pretensão de se manter no poder, nem que para tal tenham de alterar a lei e de se revezarem (salvaguardando a matriz do autoritarismo comunista).

A “pouca” democracia existente hoje na Rússia deverá converter-se numa aberta ditadura, a que muitos preferirão chamar de autocracia. Aleksandr Dugin é um dos principais ideólogos de Putin e seguidor do filósofo Heidegger. Dugin advoga a relativização das instituições e das leis; a multipolaridade que visa a destruição da hegemonia dos EUA; o neo-eurasianismo (constituição de um bloco Europa-Ásia) e aquilo a que ele chama de “quarta teoria política” como alternativa ao liberalismo, comunismo e fascismo.

Isto significa que estão reunidos os ingredientes para que Putin seja um digno sucessor de Hitler, que se inspirava igualmente na filosofia nietzschiana. E Putin envereda pelo mesmo caminho bélico que Hitler tomou quando invadiu a Polónia, e que deu origem à II Grande Guerra. A única diferença entre Putin e Hitler é que o primeiro não segue (ainda) o caminho da sublevação das massas com discursos inflamados contra inimigos internos e externos. O maior erro do Ocidente seria causar algum dano à população russa de modo a que ela passasse a apoiar cegamente o líder e este se transforme numa espécie de reencarnação de Hitler ou de Estaline.

Mesmo que Putin pudesse ter alguma razão nas suas exigências em relação à Ucrânia, perde-a toda ao enveredar pela guerra de invasão contra este país vizinho, que se encontra a braços com problemas internos de movimentos separatistas.

No plano económico, a Rússia deixou de lado a economia planificada comunista, privatizando as grandes empresas estatais. Daí originaram os magnatas que orbitam em torno do poder e o sustentam, donde resulta o nome que se lhes dá – o de oligarcas (e.g.: as empresas de exploração dos combustíveis estão nas mãos dos oligarcas russos e gozam da proteção do Kremlin).

A Europa Ocidental tornou-se dependente dos combustíveis fósseis com origem exterior. Em contrapartida, o exterior adquire à Europa diversos produtos e serviços que compensam largamente o que ela despende na importação de combustíveis, fazendo com que a sua economia cresça mais do que se deixasse de produzir para exportar, ao mesmo tempo que permite que os países a quem compra combustíveis também possam crescer com a venda dos mesmos. Ou seja, a energia é essencial para o progresso do mundo e, sem ela, o retrocesso seria inevitável.

Uma das origens dos combustíveis fósseis que a Europa Ocidental importa é a Rússia que, ao contrário da Europa, possui enormes reservas de combustíveis e tem uma localização que permite a chegada de petróleo e gás por dutos e de carvão por via férrea, a preços vantajosos.

Tudo faria crer que a dependência da Europa Ocidental dos combustíveis da Rússia podia ser vantajosa para ambos. Porém, a invasão da Ucrânia pela Rússia está a colocar em risco as vantagens mútuas dessa interdependência – para a Europa Ocidental, a disponibilidade de energia barata, para a Rússia, a entrada de divisas.

Não se percebe que a Rússia queira e possa terminar a colaboração económica com a Europa Ocidental, assim como também não se percebe que a Europa Ocidental queira realmente acabar com ela, sabendo que terá de sofrer privações e perder competitividade se basear a sua economia em combustíveis mais caros de outras origens. Mas foi a Rússia que precipitou o início do fim dessa parceria, ao invadir um país soberano que pretendia fazer parte da União Europeia, e por onde passa um dos mais caudalosos suprimentos de gás que chega aos países da União. E isto depois de, em 2014, ter amputado a Ucrânia ao anexar a península da Crimeia.

Face ao perigo real que a atual Rússia representa para a Europa e para o mundo ocidental em especial, seria sensato que se tomassem medidas no sentido de a isolar, mesmo que isso signifique um esforço enorme do Ocidente.

A verdade é que já existe uma guerra, e essa guerra, que por enquanto só mata ucranianos e russos, pode muito depressa generalizar-se, a pretexto das ajudas em armamento enviado pelo Ocidente à Ucrânia. O perigo é real e não serão as sanções que irão parar a Rússia – que dispõe de outros mercados para os seus recursos energéticos, como a China ou a Índia.

Em nome da vida, é urgente prestar toda a ajuda humanitária à Ucrânia, é urgente não alimentar a guerra, é urgente cortar os laços com a Rússia, cujo líder já deu sinais evidentes de demência. E é absolutamente vão tentar chamar um louco à razão pela força, porque isso é também uma ideia de louco.


Henrique Sousa

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Sub-diretor do Inconveniente

Latest comments

  • Já que fala em hitler e ex-urss.
    WALL STREET AND THE RISE OF HITLER – Wall street e a ascensão de hitler
    https://aaargh.vho.org/fran/livres5/suttonhitler.pdf
    .
    WALL STREET AND THE BOLSHEVIK REVOLUTION – Wall street e a revolução bolchevique
    https://www.voltairenet.org/IMG/pdf/Sutton_Wall_Street_and_the_bolshevik_revolution-5.pdf
    .
    Parece que os piratas informaticos fizeram das suas.
    Soros Ukraine Strategy -Estratégia de Soros para a Ucrânia
    George Soros A self-appointed advocate of the new Ukraine – Um auto-nomeado defensor da nova Ucrânia
    March 12, 2015
    https://pt.scribd.com/document/267364428/Soros-Ukraine-Strategy
    .
    Fomos, somos e seremos sempre carne para canhão, porque optamos por ter uma visão apaixonada das coisas.
    Tenho pensado. Anda alguém ou organização, a controlar o armamento que sai de um sítio para ver se chega todo ao destino?

  • THE BEST ENEMY MONEY CAN BUY
    https://www.lovethetruth.com/books/antony_sutton/the_best_enemy_money_can_buy.pdf
    .
    Invasão do Afeganistão pelos soviéticos e a ajuda americana. Anos mais tarde quando os americanos invadiram o Afeganistão, os russos deram uma ajuda, facultado bases militares aos americanos.
    .
    “Overnight, the Soviets had captured the Kabul airfield and had surrounded the capital city with tanks.”
    “Tanks? In an overnight invasion? How did 30-ton Soviet tanks roll from the Soviet border to the interior city of Kabul in one day? What about the rugged Afghan terrain? The answer is simple: there are two highways from the Soviet Union to Kabul, including one which is 647 miles long. Their bridges can support tanks. Do you think that Afghan peasants built these roads for yak-drawn carts? Do you think that Afghan peasants built these roads at all? No, you built them.” (tu, americanos)
    “It was part of Lyndon Johnson’s “Great Society. Soviet and U.S.’ engineers worked side by side, spending U.S. foreign aid money and Soviet money, to get the highways built. One strip of road, 67 miles long, north through the Salang Pass to the U.S.S.R., cost $42 million, or $643,000 per mile. John W. Millers, the leader of the United National survey team in Afghanistan, commented at the time that it was the most expensive bit of road he had ever seen.”
    “If there were any justice in this world of international foreign aid, the Soviet tanks should rave rolled by signs that read: “U .S. Highway Tax Dollars at Work.””
    “Nice guys, the Soviets. They just wanted to help a technologically backward nation. Nice guys, American foreign aid officials. They also just wanted to help a technologically backward nation… the Soviet Union.”
    “American Trucks in Korea and Vietnam — For the Other Side”
    .
    No meio de tanta desinformação e ocultação, temos de agradecer a pessoas como o senhor A. Sutton, que pagou um preço extremamente elevado por nos informar o que se passa nos bastidores.

  • Wall Street and the Russian Revolution – with Richard B. Spence
    https://www.youtube.com/watch?v=6kYwIhxqHG0

    • Caro Josephvss, obrigado pela ligação.
      Tenho tentado acompanhar o que tem deixado mas o meu franciú anda pelas ruas da amargura lol
      DEBUNKING A CENTURY OF WAR LIES – THE CORBETT REPORT
      https://ugetube.com/watch/debunking-a-century-of-war-lies-the-corbett-report_FnQPhZQX2KYQUEp.html
      Ficaram de fora o auto-ataque às torres gêmeas para justificar o ataque americano ao Afeganistão e a guerra contra o terrorismo, uma boa parte patrocinado por eles, como as razões para atacar a ex-Jugoslávia, a Síria e agora as razões para o “ocidente” “defender” a Ucrânia, ou melhor o povo ucraniano…
      O tempo mostrará as verdadeiras razões por detrás de tanta aflição para defender a Ucrânia, quiçá são mais do que nós pensamos.

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