Vom Kriege a Minsk, passando pelo corno de África

Clausewitz, general prussiano, escaldado das guerras com Napoleão, passou tudo a papel e explicou muito bem explicadinho:

As guerras ganham-se, mas, por vezes, têm de ser totais sem nunca perder de vista – e não há como fugir disto – que a guerra é, em última análise, um puro acto de violência que visa impor a nossa vontade ao inimigo.

Sim, inimigo, não adversário, porque a guerra não é um jogo, mas um instrumento criado pelo homem para resolver conflitos de outra forma irresolúveis. E é preciso dizer isto, porque muita gente, formatada nas ideologias utópicas, tão bem-pensantes como afinal distópicas, acredita piamente que a guerra é um mal em si.

No Ocidente, principalmente numa Europa kantiana, pacifista, que se acredita na pós-História, esquecemo-nos cada vez mais disto. Hoje, as democracias, quando são confrontada pelo “hostis”, tergiversam, cedem, pagam, agacham-se, imploram e apresentam-se com as duas mãos atadas atrás das costas, com mais assessores jurídicos do que soldados, mais covardes que valentes, usando mais os textos do Direito e os catecismos morais do que os manuais de Táctica e de Estratégia.

É toda uma nova visão moral do poder e da força, assente no repúdio e vergonha da História, nos complexos de culpa, na cobardia, na racionalização da fraqueza e na busca ansiosa da absolvição espiritual.

Numa palavra: decadência!

Os inimigos que nos confrontam sabem disso e usam os nossos tabus éticos e limites legais, para se protegerem e atacarem.

O que está a passar-se na fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia é apenas um dos mais recentes episódios do fenómeno a que até já os moles políticos de turno designam de “guerra híbrida”.

Estados muito mais fracos, em termos de potencial, não hesitam em congregar esforços para nos confrontarem, como um garoto na rua que insulta, cospe, troça e pontapeia um antigo campeão de boxe, agora gordo, caquéctico, perdido, e sobretudo cobarde e arrependido.

O velho boxeur pode perfeitamente assustar o garoto com um olhar, mas nem isso se atreve a fazer.

É neste ponto que está a Europa e brevemente também os EUA — a avaliar pelo que aconteceu no Afeganistão, pelas ameaças explícitas da China, pelas micro-agressões do Irão, da Rússia, etc, etc.

Momentaneamente, na fronteira bielorrussa, a Europa fez frente, não pela vontade dos timoratos a Oeste, mas porque a Polónia, país ainda não totalmente dominado pela ideologia da decadência e da auto-mutilação, traçou linhas na areia, não com retóricas e baboseiras, mas com a espada.

Não deixa de ser irónico constatar que esta Polónia, que enfrenta os bullies e mostra uma vitalidade histórica inexistente no Ocidente, é hoje encarada com desfastio e reprovação pelos bonzos decrépitos e decadentes das capitais a Oeste.

E não deixa de ser interessante relembrar que foi um rei polaco quem, em 1683, salvou a Europa do domínio de Maomé, quando os invasores muçulmanos se preparavam para abocanhar Viena.

Esta guerra “híbrida”, como lhe chamam os moles appeasers de Bruxelas, é afinal um tipo de guerra que, por exemplo, Israel vem sofrendo há muitos anos.

É uma guerra assimétrica, mas a assimetria assenta menos nos meios do que na vontade de usar toda a força necessária e suficiente.

Nós, no Ocidente, chegámos ao ponto de preferir perder as guerras, fugir, conceder e renunciar aos objectivos justos e vitais, do que arriscar usar a força qb.

Hegel dizia que numa metafórica batalha inicial entre dois indivíduos primevos, um deles cederá por medo de morrer. Abdica nesse momento da sua liberdade. O outro, o que se dispõe a morrer, é, paradoxalmente, o homem livre.

Nós somos livres?

Quando nos rendemos e aceitamos, por medo, o diktat do outro, deixamos de o ser.

Os russos, chineses, etc, abdicam dos seus objectivos em virtude de teias de aranha?

Lembram-se da pirataria no Corno de África?

E do modo como os piratas se riam das nossas fragatas e demais parafernália tecnológica? Como parodiavam os nossos pruridos legais?

Só perderam o riso quando russos, chineses e outros, passaram a usar os ancestrais métodos de combate à pirataria.

E, de repente, acabou-se a pirataria. À bala!

Os russos, que leram muito bem a pusilanimidade dos wokes ocidentais, estão-se nas tintas para o Direito Internacional e para o jus in belo. E é por isso que esmagaram os rebeldes muçulmanos em Grozny, invadiram a Geórgia e a Ucrânia, anexaram a Crimeia, empurram os bielorrussos para a frente, e destruíram os opositores do regime sírio. Limitam-se a ler directamente Clausewitz e a sugerir o uso, ou usar mesmo a força toda, sem olhar a tabus, a convenções, a civis…

A Polónia e a Bielorrússia estão frente a frente.

A Europa cacareja, a Rússia envia bombardeiros estratégicos a sobrevoar a zona e concentra milhares de homens na fronteira da Ucrânia. O objectivo é claro: Paguem!

Os islamistas na Síria e os talibans no Afeganistão.tinham boas hipóteses de prevalecer face a ataques ocidentais, sempre precedidos de avaliações jurídicas, de ponderações humanitárias, de análises morais, de culpabilidades colaterais. Bastava-lhes — bastou-lhes! —, moverem-se no seio da população, confundirem-se com os civis, usarem hospitais, escolas e mesquitas como bases de ataque e postos de comando, e convidarem jornalistas woke a denunciar os “massacres”.

É o que fazem com bastante sucesso em Israel.

Porém, com os russos isso não funciona. Porque os russos atiram com tudo o que têm, sobre tudo o que mexe, incluindo os jornalistas.

Não há CNN nesses corações das trevas, porque as bombas não os poupariam e eles sabem disso.

E os jornalistas woke preferem indignar-se no hotel, contra quem os poupa e os considera, como acontece com os israelitas.

O Ocidente, ou reaprende a ler Clausewitz, ou vai ter muitos dissabores….Na Bielorrússia e não só!


José do Carmo
* O autor usa a norma ortográfica anterior.

Nota: Vom Kriege (Da guerra) é uma obra do general Carl von Clausewitz, de 1832.

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Latest comments

  • Olá
    Gostava que falasse da guerra que os Ingleses fazem desde que o Rei separou a Inglaterra do Papa e se instituiu o equivalente a papa para poder conquistar territórios que nos estavam destinados pelo tratado de Tordesilhas, desde aí ininterruptamente fazem a tal guerra hibrida em todas as frentes, e como eramos seus concorrentes e por causa das invasões os posemos cá a mandar, devem ter sido eles a financiar napoleão no início quando havia muita confusão em França a seguir á revolução.

  • “Lembram-se da pirataria no Corno de África?… …E, de repente, acabou-se a pirataria. À bala!”
    .
    Será que também acabou a devastação pesqueira, e os despejo de materiais tóxicos e radioativos, ilegais, nas águas territoriais dos piratas?
    .
    Os melhores vídeos desapareceram…
    Conheça os Piratas da Somália
    https://www.youtube.com/watch?v=gDIHYgyEnP0

    Vergonha “Marinha de Portugal combate piratas da Somália.” Gastamos o nosso dinheiro na cumplicidade.
    https://www.youtube.com/watch?v=6pCPoDy8-eY

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