Cuba e o paraíso terrestre

Em Cuba a população saíu à rua contra o governo, o que, aliás, já aconteceu outras vezes, sempre com os mesmos resultados:

Feroz repressão, assassínios, prisões, enfim, a típica receita dos regimes comunistas.

Ora, como a esquerda europeia não se cansa de referir, Cuba é um paraíso terrestre, onde um deus menor de longas barbas e problemas na tripa, garantiu, por decreto e durante meio século, a felicidade e a harmonia.

Senão dos cubanos, pelo menos dele e dos seus amigos.

O velho problema dos paraísos é que há sempre uns insatisfeitos, uns reaccionários, que não resistem a trincar o fruto da árvore do conhecimento e acabam por saber aquilo que não era suposto saberem.

Já Adão e Eva tiveram esse problema e é até por isso, dizem, que andamos por aqui a penar neste vale de lágrimas, quando podíamos muito bem estar debaixo de um coqueiro, nas Maldivas, a beberricar uma poncha e com duas belas moçoilas a dançarem o hula hoop à nossa frente.

Cuba era, até há uns tempos, a verdadeira “terra da fraternidade”, qual Grândola qual carapuça, era em Cuba que o poder era de tal modo fraterno que até se transmitia entre irmãos.

Depois, por culpa, sei lá, do Trump ou isso, o poder deixou de ser fraterno e foi parar às mãos, não do povo, era o que faltava, gente burra e com falta de caco, mas de um finório muito apreciado, iluminado e elogiado pelos seus fraternos kamaradas, de ambos os lados do Atlântico.

Os mesmos que, caladinhos que nem ratos, quanto à vida miserável dos cubanos, jamais sofreram de afonia quando se travava de enumerar e gabar os prodigiosos “sucessos” da ditadura, no paraíso onde os amanhãs iriam um dia cantar “hasta la victoria siempre“!

Por exemplo, o combate à obesidade era referido como um verdadeiro case study, porque uma visionária medida comunista limitou, em tempos, a 1800 calorias o conteúdo das senhas de racionamento. Que aliás, há que reconhecer, eram ainda assim uma fartura pantagruélica se compararmos com as 1500 que o camarada Mao, também em tempos, achou suficientes para os chineses.

Um verdadeiro comunista tinha de ser esbelto como Mao, da mesma maneira que um verdadeiro nacional-socialista tinha de ser loiro como Hitler.

Na altura esta saudável dieta cubana terá provocado, sugeria a OMS no tempo em que ainda não tinha sido adquirida pelo senhor Xi Jinping, várias epidemias de doenças mentais e fetos defeituosos, por avitaminose.

Mas, segundo os kamaradas, isso era apenas propaganda do “Império”, e enquanto a OMS despachava à pressa milhares de inúteis pastilhas multivitamínicas, o camarada Fidel jurava, sem se rir, que a tal epidemia se devia à “guerra biológica movida pela CIA”.

Claro que a frugalidade imposta ao bom povo cubano tem várias vantagens e uma delas está à vista na própria senha de racionamento, da qual não consta o papel higiénico que, além de fazer bem ao planeta e essas coisas, tem inteira lógica, face ao intermitente funcionamento da tripa do elegante cubano médio.

O camarada Fidel, esse também sofria de graves e muito publicitados problemas de tripa, mas mais pelo excessivo de trabalho da mesma, porque a senha de racionamento do camarada Fidel era algo mais generosa.

Igualdade e tal, tudo bem, mas sem exageros.

Todos os animais são iguais, mas os que mandam são mais iguais que os outros e por isso mesmo têm certas e determinadas regalias, como aliás se vê por cá, com o ministro Cabrita a repimpar as opulentas nalgas em bólides roubados, o sr Costa, o sr Ferro e o sr Marcelo a irem ver os futebóis por essa Europa fora, fazendo manguitos aos lisboetas, etc.

Se bem que, lá pelo paraíso caribenho, não convém falar muito alto desse tipo de “desigualdades”, porque se trata, vá lá, de sigilosos “segredos de Estado” que, em mãos reaccionárias, pode fazer descarrilar a “Revolução”.

É exactamente por isso que os Comités de Defesa da Revolução (os jagunços do regime) que existem em cada bairro, trabalham afanosamente para manter permanentemente actualizado o cadastro das actividades inamistosas dos moradores.

Nunca se sabe se um deles não se irá transformar, numa noite de lua cheia, em perigoso reaccionário a soldo do imperialismo americano, desatando a fazer desonestas comparações entre o nível de vida do paraíso terrestre e o dos infernos “capitalistas e neoliberais”.

Outros prodigiosos sucessos do paraíso castrista, garantem-nos os crentes, são a medicina e a educação.

O facto de a estratosférica medicina cubana não ter ganho até agora um único Nobel, só prova a influência da CIA.

A nível de cuidados de saúde, Cuba está num fantástico 5º lugar no luxuoso bairro latino-americano. É certo que um pedação atrás do Chile, o que é chato porque o Pinochet só mandou matar 3000 oposicionistas, e até entregou o poder a outros, enquanto o tio Fidel, tão admirado pelo nosso ex-presidente Jorge Sampaio, e alvo de juvenis excitações do Professor Marcelo, além de alapado na cadeira até ao fim, fez mais de 30 000 risquinhos na sua bengala, já contando com as largas centenas de “reaccionários” que o celebrado assassino Che Guevara despachou em exímios fuzilamentos.

Aliás, apesar das continuadas fugas, o paraíso continua cheio de “reaccionários” incapazes de apreciar o privilégio das 1800 calorias e que pretendem, veja-se o desaforo, viajar para os infernos capitalistas e neoliberais, ou até importar esse tenebroso sistema para a ilha.

Pobres e mal-agradecidos.

Por essas e por outras é que os esclarecidos dirigentes, de vez em quando, nos intervalos da reeducação revolucionária, mandam despejar ferro em cima destes demónios, como está a acontecer por estes dias.

Claro que a culpa é do famoso “bloqueio” americano que, talvez porque não existe (por vezes os fiéis entusiasmam-se e confundem “bloqueio” com “embargo” económico, o que corresponde mais ou menos a confundir sabonetes com carrinhos de linhas), permite que Cuba faça comércio com quase todos os países do mundo e tenha até acesso a financiamentos preferenciais da UE.

A exportação de mão-de-obra escrava, perdão, de médicos controlados pelo regime, rende também aos porcos, perdão, aos camaradas líderes, umas gordas maquias em divisas, entregues directamente pelos importadores ao governo cubano, ficando para os escravos, perdão, os médicos, alguns tostões para comerem uma sopita.

Alguns destes ingratos desertam e fogem, mas não se ficam a rir, porque os filhos, cônjuges, pais, tios ou irmãos, levam nas orelhas e é bem feito.

A mais próspera indústria do paraíso terrestre é, todavia, a que se baseia na “iniciativa jinetera”, um inovador conceito que recupera em novos moldes uma tradição velha como o mundo, de facto, a mais velha profissão do mundo.

É sempre de louvar esta saudável ligação às raízes mais profundas e autênticas da natureza humana.

O paraíso terrestre está no bom caminho. É a terra da utopia…mas só para os que não vivem lá, que esses andam outra vez em protestos reaccionários, vá-se lá compreender as pessoas.

O que dizem a doutora Catarina Martins, o doutor Costa e o doutor Jerónimo?

Assobiam para o ar!


José do Carmo

* O autor usa a anterior norma ortográfica.

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Latest comment

  • José do Carmo, esse toque de humor ajuda bem a passar a mensagem do drama. Excelente artigo!
    Embora sem pretensões, mas também tenho algo para a troca que publiquei no Jumento para provocar os xuxas :
    “…Mas a boa notícia de hoje é o facto de Cuba ter acordado finalmente da letargia em que esteve quase 60 anos, e voltar a sentir a vontade de fazer uma revolução!
    Não é fantástico ver velhinhos com 80 – 90 anos todos animados a reviver o ideal revolucionário?
    Contudo o Miguel Canel denota alguma falta de fairplay, senão mesmo desconhecimento da história de Cuba.
    É no que dá por malta nova á frente duma república de velhos!
    O parvalhão em vez de encarnar o papel de Fidel Castro como seria de esperar, resolveu escolher o papel de Fulgencio Batista! Olha a moenga … ”
    [ https://jumento.blogspot.com/2021/07/pelourinhos.html#comment-5453441706 ]

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