Cotrim e Ventura: consentem a censura

Passados quase dois meses da votação na Assembleia da República, a única justificação para a abstenção de João Cotrim de Figueiredo e André Ventura à lei da Carta Portuguesa dos Direitos Humanos da Era Digital, seria terem considerado que a lei apenas sofria de lapsos de matéria e não de forma. Ainda que talvez “mal disfarçada”, nas palavras de Cotrim, em 2-10-2021

Segundo esta interpretação, a lei, “ridícula” para Cotrim, seria demasiado generalista e abstrata, podendo futuramente vir a ser alvo de reformulações dos partidos, alegadamente defensores da liberdade de expressão.

O facto é que, se estes partidos quisessem dar algum contributo para a discussão na especialidade, não se teriam posicionado categoricamente contra na discussão do diploma na generalidade, dizendo então, desta vez Ventura, que não havia “interesse nenhum em defender a liberdade” da parte dos partidos proponentes e que a “censura política não passará” (ou não passaria)… Mas, ter-se oposto ab initio, não impedia que procurassem corrigir as partes mais perigosas da lei.

A Iniciativa Liberal acabou por meter os pés pelas mãos ao colocar um vídeo nas redes sociais com o discurso, na discussão na generalidade, de Cotrim sobre a Carta, confundindo propositadamente o facto da votação em que se abstiveram tratar-se da final. Este facto levou à indignação de centenas de cidadãos em comentários ao vídeo.

André Ventura não quis ficar atrás na tentativa de tapar o sol com a peneira e, depois de ter visto o seu perfil do Twitter suspenso 24 horas no dia 13-5-2021, apenas três dias depois da referida denúncia, propôs a proibição da censura nas redes sociais, copiando a decisão do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro e sem fazer referência à Carta da Censura (Lei n.º 27/2021) em cuja votação se absteve. O que originou novas críticas.

É possível que a votação tenha sido negociada com estes dois partidos minoritários, dado o seu silêncio cúmplice e o facto de só se ter sabido da existência da lei na comunicação social um mês depois (embora de forma distorcida), justamente por não ter merecido a oposição de nenhum partido com assento parlamentar.

Não obstante os partidos se envolverem na espiral de silêncio juntamente com a imprensa dominante, tem havido algumas intervenções públicas no sentido de a quebrar.

Três dias depois da denúncia em primeira mão pelo jornal online Notícias Viriato (NV), seguiu-se o episódio do podcast do publisher do Observador, José Manuel Fernandes (com a participação do ex-candidato liberal à Presidência da República Tiago Mayan, no qual se omitiu a menção ao NV), uma investigação do Inconveniente, um debate na TVI24 (que contou com a contribuição de Joana Amaral Dias), uma edição do semanário Nascer do Sol – que dedicou dez páginas ao assunto e que contou com a participação de José Manuel Fernandes, Helena Matos, João Pereira Coutinho, Paulo Otero e de António Abreu (diretor do Notícias Viriato e do Diário do Distrito) –, uma edição do jornal i (que também não conseguiu contactar os deputados que se abstiveram), uma rubrica de 3 minutos na CMTV com Eduardo Cintra Torres, além de vários artigos de opinião: Alberto Gonçalves, Helena Matos, José Diogo Quintela, P. Gonçalo Portocarrero de Almada, Carlos M. Fernandes, Mário Ramires e Vítor Rainho.

A lei, que abre as portas para a censura por parte do Estado a pretexto de combater a “desinformação”, entrará em vigor dia 17-7-2021, sessenta dias após a sua publicação. No Inconveniente, relataremos os próximos capítulos desta novela tragi-cómica.

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Latest comment

  • Um episódio inesperado e vergonhoso por parte de dois partidos que se arvoraram em oposição aos partidos já existentes.
    Episódio que consiste em um ludíbrio dos simpatizentes dos mesmos partidos porquanto depositaram neles alguma expectativa de decência. Foram enganados!

    Assim, ou aquelas formações políticas corrigem aquele tiro no pé, outros tiros havendo também, ou a solução consiste na posição do cliente do supermercado: se homem do dito não tem lá maçãs que agradem, venho embora e nesse dia não como maçãs. Simples!
    Não estou para aturar gente de estofo político diminuto e de intenções políticas mal esclarecidas.
    Deve haver no dia das eleições algum sítio interessante para ir passear …

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