Atacar o Irão

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O Irão, ao que tudo indica, incapaz (ainda) de efectiva aposta militar contra Israel, levou a cabo um ataque a um cargueiro israelita e, através de um navio petroleiro a navegar sem identificador, poderá ter descarregado milhares de toneladas de crude nas águas israelitas, tendo provocado (deliberadamente?) um desastre ambiental na costa israelita.

Simultaneamente, mais mísseis balísticos foram lançados por proxies iranianos sobre bases iraquianas que albergam tropas americanas. Prossegue a ofensiva dos proxies houthis sobre a província de Marib. Houve intercepções de drones sobre a Arábia Saudita. E a Coreia do Sul teve de pagar um resgate milionário por um seu navio, apresado em águas internacionais pelos militares iranianos. Guerra assimétrica!

Quanto ao programa nuclear, sabe-se que o Irão já tem quase três toneladas de urânio enriquecido e prossegue as actividades de enriquecimento em Fordow, Kashan, Natanz, etc.

Isto num momento em que a administração Biden, ansiosa por desfazer tudo o que tem o dedo da administração anterior, retirou o seu apoio à Arábia Saudita na guerra no Iémen, e procura a todo o custo apaziguar os aiatolas. O objetivo é voltar ao naïf acordo nuclear de Obama, que deu tudo aos aiatolas em troca de declarações de boas intenções, que a realidade no terreno imediatamente demonstrou não serem mais do que isso mesmo.

Ao mesmo tempo, no documento de estratégia “Interim National Security Strategic Guidance“, de 3-3-2021, a Casa Branca fez um aviso claro a Israel e aos parceiros árabes, para não procurarem soluções militares para os problemas da região. “Não acreditamos que a força militar seja a resposta para os desafios da região e não damos aos nossos parceiros no Médio Oriente, um cheque em branco para prosseguirem políticas em desacordo com os nossos interesses e valores”, diz o documento.

O problema é que, se para Biden e a maior parte dos ingénuos líderes  europeus, o Irão é apenas um irritante assunto, mais ou menos longínquo, que pode ir sendo empurrado com a barriga, para Israel, um Irão dotado de armas nucleares é uma ameaça existencial.

Europa e EUA acham que se podem dar ao luxo de aceitar uma contenção segundo o modelo que funcionou com a URSS. Mas não Israel, cujas exíguas dimensões lhe não permitem encaixar um ataque deste tipo, mesmo que depois varram da superfície da terra o país dos aiatolas. E, de resto, é muito duvidoso que os fanáticos religiosos que a acreditam na apocalíptica vinda do Madi, sejam dissuadidos por lógicas de interesses. “Russians love their children too”, cantava Sting, em 1985. Porém, isso não é óbvio no caso iraniano, se nos recordarmos que, na guerra contra o Iraque, os responsáveis militares iranianos enviaram milhares de crianças e adolescentes à frente das tropas que atacavam, para fazer explodir as minas e saturar as defesas iraquianas.

Se usar as armas nucleares em retaliação, Israel já não existirá e a comunidade internacional limitar-se-á a enviar ajuda humanitária, condenando vivamente o Irão, durante uns tempos. Contudo, o facto estará consumado.

Israel não têm ilusões quanto ao que acontecerá no dia em que o Irão tenha a bomba e a capacidade de a lançar ou fornecer.As declarações dos sucessivos líderes iranianos, são indícios inescapáveis, e os esforços estratégicos são a prova de que não se trata de meras bravatas:

  • A entidade sionista deve ser erradicada do mapa”.. “Nós não adoramos o Irão, mas sim Alah…que esta terra arda se tal for necessário para que o Islão triunfe”.(Khomeini, Qom, 1980)
  • O regime sionista deve ser varrido do mapa.” (Amadinejad, Presidente do Irão, 26Out2005, Conferencia “Um mundo sem sionismo”)
  • O regime sionista [….] está a caminho da aniquilação. É uma árvore podre que será eliminada por uma tempestade” (Ahmadinejad, Presidente do Irão 14Abr2006, Teerão, Conferência de apoio à Intifada).

A equação foi  linearmente descrita pelo aiatola Rafsanjani, ex-presidente do Irão: “Uma bomba atómica será suficiente para destruir o regime sionista, mas uma resposta sionista apenas causará danos ao mundo islâmico, que sobreviverá“.

Não restam muitas dúvidas. “Esta gente (o actual poder no Irão) jogará a carta nuclear da mesma forma que joga a carta do terror global” (Mohamed Abtahi, ex-vice-presidente do Irão).

Israel tem, pois, escolhas de pesadelo pela frente, uma vez que a diplomacia e as acções encobertas nada mais podem fazer senão retardar por algum tempo o claro objectivo iraniano de se dotar de armas nucleares e vectores para as lançar.

Mas Israel sabe também que ao atacar entrará inevitavelmente em choque com a administração Biden. De resto, a atitude vagamente desdenhosa de Biden em relação aos Acordos de Abraham, de 2020, que configuram basicamente um pacto anti-iraniano, está inquinada pelo facto de estes acordos terem sido um sucesso da administração Trump.

Nesse sentido, as recentes ações e declarações do presidente Joe Biden em relação à Arábia Saudita e ao Egipto são preocupantes, porque a mesma retórica acusadora não é aplicada ao Irão. Apesar de ser este país o grande desestabilizador e agressor da região. A decisão de retirar o apoio à Arábia Saudita na guerra do Iémen, por exemplo, equivale a entregar a vitória ao Irão, num palco estratégico importantíssimo, cometendo o mesmo erro estratégico que a administração Obama.

Israel é um país forte, mas mais pequeno e com menos população que Portugal. As boas relações com os EUA são um pilar essencial de sua segurança nacional. Porém, o país já desafiou os desejos americanos no passado – e fá-lo-á novamente, se estiverem em causa interesses vitais.

E por isso volta a falar-se insistentemente na elevada probabilidade de um ataque israelita às infra-estruturas nucleares iranianas.

O Irão, por sua vez,  é um estado revolucionário e violento. Diz ao que vem e não hesita em gastar rios de dinheiro para projectar terror para fora das suas fronteiras.

Um ataque israelita é pois um cenário que a cada dia se torna mais credível e, para tanto, contam com a colaboração de estados árabes sunitas como a Arábia Saudita, EAU, Egipto, etc,  também eles na linha da frente da belicosidade iraniana.

O problema militar  é que as instalações nucleares iranianas são múltiplas e não estão tão facilmente acessíveis como o reactor iraquiano Osirak, em 1981. Pelo contrário, estão enterradas e disseminadas, algumas delas em áreas populacionais, utilizando as pessoas como escudos humanos, numa deliberada exploração de tabus morais próprios da civilização ocidental.

Contudo, apesar disto, do gesticular ameaçador dos iranianos e do coro daqueles que os querem apaziguar a todo o custo (alguns deles, quiçá, até rejubilariam intimamente caso Israel fosse destruído), clamando que não há opção militar para resolver o caso iraniano, à vol d’oiseau, e discorrendo sem preocupações de pormenor, antevejo algumas possibilidades:


1.ª – Ataque aéreo prolongado

A Força Aérea iraniana, bem como os seus sistemas de defesa antiaérea, são incapazes de fazer frente a forças aéreas modernas e bem treinadas, como a israelita. A sua boa escola de pilotagem de modelo ocidental, herdada do Xá, foi destruída e purgados quase todos os pilotos. Não terá quaisquer hipóteses de sobrevivência no ar. Cada avião que levante voo será detectado e abatido com mísseis ar-ar, ainda antes de o seu radar ter detectado o que quer que seja.

Quanto ao sistema de defesa aérea, apesar de melhorado nos últimos anos com a prata da casa e compra de mísseis russos, não terá grandes hipótese de importunar as esquadrilhas israelitas, porque será posto fora de combate logo nos primeiros momentos da operação, provavelmente com mísseis de cruzeiro e mísseis anti-radiação, disparados de aviões a muitos quilómetros de distância.

Lograda a supremacia aérea, e contando com apoio implícito da Arábia Saudita e até dos Emirados Árabes Unidos, a aviação atacante poderá executar paulatinos bombardeamentos estratégicos quando e onde entender, não só sobre as infra-estruturas nucleares, mas também sobre rampas de lançamento de mísseis balísticos e sobre unidades militares diversas.

O simples facto de aviões israelitas voarem à vontade sobre Teerão, constituirá uma enorme humilhação para um regime arrogante que assenta a sua dominação no medo e na imagem de força que transmite para dentro. Poucas ditaduras sobrevivem durante muito tempo a semelhante humilhação.


2.ª – Atacar a liderança e propiciar a mudança de regime

Se houver probabilidades claras de uma revolta interna, um ataque massivo e de surpresa sobre os principais líderes militares, políticos e religiosos, asseguraria a morte de dois terços da liderança iraniana, cortando a cabeça ao regime, lançando a confusão e tornando possível o desencadear de um golpe interno que conduza a uma mudança de regime. Teria de ser um ataque na mais completa surpresa, porque à menor desconfiança toda esta gente se enterra e protege. É o que farão os líderes sobreviventes. Não obstante, isso é, em si, uma derrota para um regime que necessita que o poder seja visível e infunda medo. O simples facto de se saber que os aiatolas sobreviventes estão escondidos nos bunkers, mostrará que o regime tem medo, o que poderá ajudará a galvanizar as forças anti-regime, que as há.

Há certamente mais opções em cima da mesa, e até conjugação de várias, como ciber-ataques devastadores, por exemplo, mas estas duas são suficientes para mostrar que a opção militar é viável e que se não for aplicada a tempo é apenas por falta de vontade e suicida tendência para o apaziguamento.

Israel é perfeitamente capaz de levar a cabo uma operação deste tipo. Não só tem uma força aérea capaz de operar a grande distância (tem aviões de reabastecimento), como dispõe de gigantescos e sofisticados drones capazes, também eles, de lançar poderosas bombas anti-bunker, repetidamente sobre os objectivos.

A acompanhar um ataque destes, será provavelmente enviada uma mensagem a avisar que o ataque é de objectivo limitado e que qualquer retaliação com mísseis balísticos, desencadeará a resposta das forças estratégicas de Israel, com mísseis Jericho, etc,  e ataques a infraestruturas industriais e outras. Eventualmente, caso o Irão ataque cidades e utilize armas químicas, poderá ser utilizada uma arma nuclear, a princípio numa zona deserta.

Uma eventual resposta utilizando o Hezbolah e o Hamas, será o pretexto para a derradeira destruição destes movimentos.

Se o Irão, como tenderá a fazer, cair no erro de atacar interesses americanos ou bloquear as rotas marítimas no Golfo Pérsico, para apressar a condenação internacional de Israel, a resposta americana será inevitável, mesmo que arrastando os pés, e poderá incluir a destruição de todas as capacidades militares do Irão.

Com mais ou menos variantes, isto irá acontecer mais cedo ou mais tarde, a não ser que o próprio Irão ponha fim aos programas nuclear e de mísseis, eventualmente por mudança de regime.

Claro que, como opção impensável, um ataque nuclear preventivo resolveria o problema, mas não há actualmente na democracia israelita qualquer político com estômago para tomar tal decisão, que seria sempre cedo demais. Israel sobreviveria mas seria o alvo de toda a ira mundial, mais ostracizado, isolado e odiado do que hoje é.

Aproxima-se o momento da decisão.

As nuvens acastelam-se e, como escrevia Shakespeare, na peça “Vida e morte do rei João“, publicada em 1623: “So foul a sky clears not without a storm“…


José do Carmo

*O autor usa a norma ortográfica anterior.

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Latest comments

  • Caro senhor

    Em duzentos (200) anos de história do Irão, quantas vezes este país declarou guerra a outro país e o atacou primeiro?