As duas Américas

“A guerra é um ato de força e não existe qualquer limite lógico para o emprego desta força. Cada lado obriga, portanto, o seu oponente a fazer o mesmo que ele. Tem início uma ação recíproca que deverá, em tese, levar a extremos.”

Clausewitz, Carl von (1832). Da guerra. Livro I, Capítulo 1, parágrafo 3.

A invasão do parlamento dos EUA, em 6-2021, por adeptos de Donald Trump, descontentes com a não reversão dos resultados eleitorais, é a consequência natural do extremar das posições políticas no país, após a eleição de 2016. Trump era apenas uma trampa (como disse noutro lado, em 13-6-2016), mas o enjoo político do povo não deve ser ignorado.

Trump foi eleito numa plataforma eleitoral em que o racismo branco era mais ou menos evidente, a recuperação dos rendimentos a prioridade económica (em vez do welfare) e o isolacionismo a opção de política externa. No poder, impôs protecionismo comercial face à China e outros, e recuperou a economia. Não obstante, dividiu ainda mais o país, numa retórica xenófoba e de provocação aos meios, políticos e apoiantes da esquerda.

A administração Obama, em conjunto com o séquito de Hillary Clinton, tentou, antes e depois da eleição de Trump, um golpe de Estado encapotado com a utilização dos serviços secretos (CIA e FBI) para que este nem sequer tomasse posse. Depois, de Trump assumir a função, as mesmas forças internas de “La Resistance” em aliança com os parlamentares do Partido Democrata e os média aliados, tentaram a sua destituição constitucional. Falharam ambas as manobras.

No final de maio de 2020, ocorreu a revolta racial afro-americana, com tumultos, destruição e pilhagens, a propósito da violência policial. Isto, num contexto mediático politicamente correto, de luta neomarxista de classes baseada na identidade da pele e de orientação sexual, de apoio à insurreição, de perseguição de valores conservadores, de restrição à liberdade de expressão e de cultura elitista de banimento virtual e social dos adversários.

A pandemia da Covid-19, desvalorizada por Trump em ano eleitoral, provocou até agora cerca de 370 mil mortos e uma crise económica gravíssima. O receio do contágio permitiu a votação por correspondência: mais fácil mas menos livre. Mais gente votou, especialmente no grupo de abstencionistas marginais. E a liberdade do eleitor sozinho na cabine de voto não é a mesma do que no seio da família. As leis eleitorais foram sendo mudadas até ao dia do sufrágio, o que gerou ainda mais desconfiança.

Trump perdeu. Mas, apesar da rara evidência de fraude eleitoral, não aceitou os resultados, que contestou no tribunal, e mobilizou os seus seguidores. Como num país sem Estado de direito democrático.

A invasão do Capitólio é a resposta do lado perdedor. Realizada por extremistas, mas simbólica do assalto popular ao castelo do poder político que os despreza e vilipendia. Dividida politicamente entre a direita conservadora apavorada e a esquerda liberal militante, ganham os extremos: racismo, xenofobia, segregação e puritanismo, de um lado; mortificação racial, fronteiras abertas, ditadura do relativismo e revolução dos costumes, do outro. A América está em guerra consigo mesma.

António Balbino Caldeira

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Latest comments

  • Eu parece-me que este artigo não tem ponta por onde se lhe pegue.

    “Não obstante, dividiu ainda mais o país, numa retórica xenófoba”

    Pena é que tenha ganho uma boa fatia de votantes entre “afros” e “latinos”.

    “No poder, impôs protecionismo comercial face à China”

    Desconhece o proteccionismo de facto que a China aplica a tudo e todos?

    “No final de maio de 2020, ocorreu a revolta racial afro-americana, com tumultos, destruição e pilhagens, a propósito da violência policial. ”

    A propósito de ter aplicado valentes marretadas no tráfico de droga. “a propósito” … Esses tumultos acabaram com a vitória dos gangs apropriados nos respectivos territórios, com centenas de mortes entre os ‘oprimidos’.

    Este artigo raia a vigarice. Se fosse pela descrição dos factos já seria problemático, mas pelos pressupostos é dramático.

  • Confesso que este artigo me surpreendeu. A meu ver, a análise cuidada e ponderada da vida política dos EUA nos últimos anos, dificilmente poderia dar este resultado. Não foi assim o seu trabalho de investigação no passado. Mas posso estar enganado.
    Entretanto, a revista Time editou este artigo, que talvez ajude a perceber melhor como as coisas aconteceram por lá recentemente.

    https://time.com/magazine/
    The secret history of the shadow campaign that saved the election

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