
Em 28-12-2021, fui constituído arguido num processo-crime por difamação intentado por Fernando Rosas.
O motivo foi eu ter escrito e publicado em 18-2-2021, no Inconveniente o artigo “Ó Rosas, crimes há muitos!…”. Esse texto motivou a queixa por alegado delito de expressão colocada por Fernando Rosas, paradoxalmente Comendador da Ordem da Liberdade.
Uma queixa do político Fernando Rosas, ex-PCP (desde 1961), ex-Esquerda Democrática Estudantil (1968), ex-MRPP (fundador em 1970, sai em 1979 na altura do afastamento de Arnaldo Matos do partido) – partido revolucionário que, já em democracia, clamava pela “morte aos traidores” e “morte aos renegados” e praticava a violência, inclusive armada –, ex-candidato a deputado pelo PSR e fundador do Bloco de Esquerda (BE). Um percurso político sinuoso, de luz e penumbra, do sobrinho de João Dias Rosas (ministro de Salazar e de Marcelo Caetano), começando no comunismo ortodoxo, passando pelo trotskismo, depois pelo maoísmo, até se envolver na salada russa do Bloco.
Para lá de desmentir o artigo do Inconveniente, o que fez nos média a que acede quando quer, Fernando Rosas avançou com queixa para os tribunais e através do BE com queixa na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), em vez de solicitar direito de resposta ao Inconveniente. Todavia, nem o BE, que não é citado no meu artigo do Inconveniente – nem sequer existia à data dos factos –, nem Fernando Rosas, solicitaram direito de resposta ao nosso jornal, nem nos contactaram sobre o artigo.
O meu artigo surgiu na sequência da indignação com o juízo de valor que Fernando Rosas fez do tenente-coronel comando Marcelino da Mata, o militar português mais condecorado de sempre, por ocasião do seu falecimento. No debate na TVI24, com Ribeiro e Castro, “Marcelino da Mata: herói ou vilão?”, na noite de 17-2-2021, Fernando Rosas fez-lhe as seguintes imputações:
- “Marcelino da Mata é um homem que traiu a causa da independência nacional do seu próprio país” (55’’-1’00”).
- “Marcelino da Mata é um criminoso de guerra, indiscutivelmente. Indiscutivelmente.” (11’15’’-11’20’’).
Porém, Marcelino da Mata nasceu, viveu e combateu, num território juridicamente português, servindo o exército regular e não foi punido, penal ou disciplinarmente, por qualquer ato ou facto, pelas autoridades de então ou pelo novo regime após 1974. Pelo que as duas imputações de “criminoso de guerra” e de traidor à Pátria são, essas sim, ofensivas da honra e consideração deste herói nacional. E dessas calúnias se disse politicacorretamente que cabem na liberdade de expressão… A deles.
Marcelino da Mata foi torturado no RALIS, em maio de 1975, por militares e por civis ligados ao MRPP (identificados como Ribeiro e Jorge, na página 109 do livro de Miguel Marujo, “Morte aos traidores”, Matéria Prima, 2018). Um partido que operava dois cárceres privados, no Restelo e em Sintra, onde sequestraram e torturaram o ex-fuzileiro José Jaime Coelho da Silva e sua mulher Maria Natércia Coelho da Silva, em conjunto com militares, segundo o “Relatório da Comissão de Averiguação de Violências sobre Presos Sujeitos às Autoridades Militares”, de julho de 1976, mais conhecido como Relatório das Sevícias. Declarou o oficial-comando Marcelino da Mata a essa comissão (pp. 73-74) que:
“Foi interrogado no RALIS acerca do Exército de Libertação Português (ELP) e de atividades conspiratórias contra a Guiné, assuntos de que nada sabia; durante o interrogatório, que se prolongou desde a meia noite até cerca de das 07h00 do dia seguinte, 18MAI75, foi agredido violentamente com uma cadeira de aro de ferro e com cinturão, e foi torturado com choques elétricos nos ouvidos, sexo e nariz, do que resultou ter desmaiado; cerca das 09h00 foi algemado e conduzido a uma cela que um militar, entretanto, encheu de água até ao nível dos tornozelos; pelas 23h00 foi retirado da cela e conduzido ao Forte Militar de Caxias; esteve sem comer e sem dormir desde as 17h00 do dia 17 até ás 09h00 do dia 19; no RALIS retiraram-lhe todos os documentos, vários objetos e mil e quarenta escudos em dinheiro.”
Reitero o que escrevi no artigo, com base em informação pessoal e documental obtida: o ataque à mão armada, com sequestro e tortura, por um comando do MRPP (cinco operacionais) aos irmãos Ferreira de Sousa, e suas mulheres, na noite de 17 para 18 de maio de 1976, e ao fotógrafo Eduardo Miranda (dois operacionais) na noite de 18 para 19 de maio de 1976, foi dirigido à distância por Fernando Rosas.
A notícia que dei tinha, todavia, dois erros, que assumo: não consta do artigo de Helena Matos, no Observador, de 21-11-2015, “Morte aos traidores! Uma palavra de ordem levada muito a sério”, o nome de Fernando Rosas, mas da notícia do Diário de Lisboa, de 20-5-1976, página 20, “Ex-fotógrafo do ‘Luta Popular’ ‘visitado’ pelo M.R.P.P.” (“quando lá chegaram, avisaram também que o Fernando Rosas do Comité Central queria falar comigo“); e a notícia de Diário de Lisboa, de 19-5-1976, “Dois irmãos torturados – ‘Comando’ MRPP imita a PIDE” (pp. 1 e 20) não menciona o nome de Fernando Rosas, mas apenas a do dia seguinte. Esses dois erros de referência, não afetam em nada os factos descritos.
Para conhecer melhor a relação de Fernando Rosas com a liberdade de expressão, é útil relembrar dois textos.
Em 11-1-1979, Fernando Rosas, ainda no MRPP e diretor do Luta Popular, publica, nas suas páginas 1 e 3, um editorial em que atacava a “A farsa da liberdade de expressão”.

E na edição de 9-7-1979, pp. 1-2, o artigo não assinado, e portanto da responsabilidade do diretor, intitulado “Inequívoca exigência da opinião pública democrática – Luta Popular foi absolvido”, denunciam-se “processos persecutórios e censórios de tentar impedir e abafar a livre expressão de vozes incómodas ao poder” relativamente a um processo por abuso de liberdade de expressão, no qual o diretor do órgão do MRPP, Fernando Rosas, defendeu que “a absolvição do nosso jornal é uma exigência do bom senso, da justiça e do seu próprio prestígio, e da opinião pública democrática”.
Este processo-crime contra mim, enquanto autor da notícia e diretor do Inconveniente, soma-se à queixa do BE na ERC sobre o mesmo artigo, muito embora este partido não tivesse sido referido. A queixa foi assinada pela advogada Margarida Grilo, que tem mandato dos dirigentes do BE Jorge Duarte Gonçalves da Costa e Mariana Rodrigues Mortágua.
Só conheci a queixa do BE, quando o anterior gerente da empresa, recebeu em 11-11-2021, uma carta registada, com a Deliberação ERC/2021/276 (CONTJOR-1) do Conselho Regulador da ERC, tomada em 29-9-2021. Uma deliberação que a ERC tomou sem me notificar. Mas pela qual me sancionou, dando razão à queixa do BE sem me ouvir. Todavia, na página 2 da deliberação do Conselho Regulador pode ler-se:
“II. Oposição
9. Notificado para se pronunciar sobre a queixa em apreço, o Denunciado não respondeu.”
Protestei esse facto à ERC em 12-11-2021 e em 15-12-2021 esta entidade reconheceu parcialmente o descuido e deferiu a minha reclamação, através da Deliberação ERC/2021/385 (OUT-I):
“Tendo em conta o exposto, conclui-se ter-se verificado um vício de forma, por erro na notificação, que deve ter como consequência a anulabilidade de tudo quanto foi processado após o requerimento inicial, aproveitando-se apenas este, nos termos do artigo 163 n. 1, do Código do Procedimento Administrativo.”
Contudo, a verdade é que a ERC enviou a carta, em 21-7-2021, para a morada errada. O carteiro marcou “Desconhecido” no aviso de receção e foi devolvida ao remetente. A ERC usou a morada antiga do registo da empresa Inconveniente Média, Lda que a advogada do BE indicara na queixa, mas que havia sido entretanto alterada no pacto social e no registo da empresa jornalística. Contudo, a ERC possuía a morada correta na inscrição da empresa jornalística, bem como o endereço de correio eletrónico do jornal e até o meu telemóvel. Porém, não os usou, mesmo após o aviso de receção devolvido.
Enquanto foi e não foi, a mentira deu a habitual volta ao mundo vestida com as roupas imaculadas da verdade.
A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), que havia recebido, em 26-6-2021, do Inconveniente três pedidos de emissão de título de equiparado a jornalista, decidiu cinco meses depois (!), em 26-11-2021, recusar esse pedido, apoiando-se na deliberação da ERC (agora anulada). Apesar de termos um jornalista encartado a trabalhar connosco desde o início.
Nesta sequência, o BE promoveu na Assembleia da República o levantamento da imunidade parlamentar do deputado André Ventura, líder do CHEGA, por causa de um poste, de 20-2-2021, às 22:50, no seu perfil pessoal do Facebook, que citava (sem o nomear) o referido artigo do Inconveniente. O poste, não obstante, tinha como título “Fernando Rosas diz que Marcelino da Mata foi um criminoso, mas foi ele que torturou homens e sequestrou mulheres em 1976” – o que não constava do nosso artigo.
Todo este caso parece uma espécie de pescadinha de rabo na boca, a rodar em círculo pantanoso, numa agitação orquestrada do tipo “1-2-3”.
O Esquerda.net, jornal do BE, publicou em 16-11-2021, uma notícia com o seguinte trecho:
“Em curso encontram-se ainda os processos movidos por Fernando Rosas contra André Ventura, líder do Chega, e António Albino [sic] Caldeira, autor do texto “Ó Rosas: crimes há muitos!…”, publicado a 18 de fevereiro de 2021, que acusaram o historiador de ter torturado homens e sequestrado mulheres em 1976.”
O trecho dessa notícia, no que a mim, António Balbino Caldeira, se refere, é falso: não acusei Fernando Rosas de ter “torturado homens e torturado mulheres em 1976”. O que escrevi, com base em informação pessoal e documental obtida, e mantenho, é que o comando do MRPP de cinco homens que sequestraram e torturaram os dois irmãos Ferreira de Sousa e as suas mulheres, além do fotógrafo Eduardo Miranda (dois), em maio de 1976, foi dirigido, à distância, por Fernando Rosas. E, sendo preciso, os factos que apontei foram ao então número dois do MRPP e diretor do seu jornal Luta Popular (que foi desde 9-10-1975 a 26-7-1979) e não sobre o historiador.
Mas o Inconveniente não irá fazer queixa à ERC. Não o faremos porque não usamos a vergonha das queixinhas. E mesmo que tivéssemos nascido e sido educados num caráter vingativo e traiçoeiro, pelo que se vê do trajeto da carruagem desequilibrada e das suas molas desengonçadas também de nada adiantaria.
O camarada Fernando Rosas deu aqui um grande salto em frente à espera que desabrochem cem flores no colo da justiça para pisar quem exponha a verdade (lixo burguês) com a bota do terror vermelho.
E o BE lançou a frente tribunais, parecendo valer-se de uma presumida maioria marxista nos juízes e procuradores. Não lhe basta a frente política, a frente mediática nas redações, a frente da rua na agit-prop, a subversão nos coletivos, também lançaram uma ofensiva judicial. Dir-se-á que são queixinhas de quem está a perder o jogo…
Desde que iniciei o meu blogue Do Portugal Profundo, e agora no jornal digital Inconveniente, tenho sido insultado, injuriado, caluniado, difamado, eu e a minha família, em postes e comentários de vingança por causa da minha intervenção pública, nomeadamente a defesa das crianças da Casa Pia vítimas de abusos sexuais, o percurso académico de José Sócrates, a licenciatura de Miguel Relvas, a corrupção de Estado.
Nunca me fui queixar aos tribunais porque julgo que as ofensas no espaço público dos média devem ser respondidas nesse mesmo espaço público, quando o merecem (pois os insultos viram-se sempre contra quem os profere) e não com sanções judiciais de meninas queixinhas que querem ganhar o jogo à custa de árbitros venais ou no tapetão da secretaria. Creio, contudo, que as bofetadas do poder (SLAP – Strategic Litigation Against Protesters) são consequências da intervenção da cidadania, apesar dos custos pessoais, familiares, profissionais e financeiros, que acarretam – além da intrusão, ameaças de morte e tentativas de assassinato. Por ora, não têm matado, mas moem.
Por causa destes processos judiciais e administrativos, pedimos a ajuda financeira dos nossos leitores e amigos para sustentarmos a nossa defesa.
O trabalho pela verdade e liberdade de expressão continua. Mesmo que seja Inconveniente.
António Balbino Caldeira
Diretor
Rui Caldeira / Janeiro 8, 2022
Esta gente que assim age contra a liberdade de expressão é o cancro do país.
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Carlos Antunes / Janeiro 9, 2022
Escumalha que defende / defendeu ideologias (comunismo, trotskismo e maoísmo) responsáveis pela morte de dezenas de milhões de inocentes deveria ser, no mínimo, relegada à indiferença geral!
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Pingback: A judicialização da política (e a politização da Justiça) | Bordoadas / Fevereiro 14, 2022
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