Não, o Channel 5 não é só um perfume francês para senhoras.
É também um canal televisivo da Nova Albion, muito progressista, diverso, inclusivo e fofinho, que vai lançar uma série sobre a bela e fatal Ana Bolena, que endrominou o rijo Henrique VIII e tramou a “nossa” Catarina de Aragão, neta de Filipa de Lencastre (sim, a mãe da Ínclita Geração, como se ensinava no liceu, no tempo em que a disciplina de História não tinha como objetivo fazer-nos sentir envergonhados dos nossos pais, avós e tetravós)
E quem vai ser a atriz?
A bela Scarlett Johansson? Megan Fox? Emma Watson?
Nada disso. A atriz vai ser a jamaicana Jodie Turner-Smith.
Qual o problema?
O problema é… bem… não sei como dizer… isto é… não sei como dizer isto sem que me caia a patrulha Woke em cima, vamos lá ver, trata-se da Inglaterra, não há por lá afro-americanos e a senhora também não é, vá lá, subsaariana, como fica bem dizer-se, muito menos africana. Como se designa alguém com a pele negra em Inglaterra?
Não encontro a palavra, o meu inglês não é grande coisa.
Bem, a senhora é, digamos, algo morena, pronto. Na verdade, muito, mesmo muito morena, talvez morena demais, atrevem-se alguns a aventar (muito a medo), para uma putativa rainha inglesa do século XVI, nascida em Norfolk, muito longe portanto da Jamaica.
Sim, eu sei que não é nada de novo, agora mesmo está no canal Disney Plus (esse templo da “inclusão” que acaba de despedir a atriz Gina Carano por não recitar os versículos da religião woke), o excelente musical “Hamilton” no qual todos os fundadores dos EUA, desde Washington a Jefferson, passando pelo escocês Hamilton, são interpretados e muito bem, por moreníssimos atores, vá lá, afro-americanos, pronto!
Todavia, isto não causa comichão.
Na ópera, nos musicais, etc., os cantores fazem o papel que é preciso, com uma certa latitude, sem que as pessoas se importem. Por exemplo, ninguém estranha que a bela Desdemona (Othello) seja interpretada pela algo menos esbelta Montserrat Caballé.
Mas num drama histórico a coisa fia mais fino, é como ver o Brad Pitt a representar Shaka Zulu num filme, de tanga, tufos nas pernas e um osso atravessado no nariz. Há ali qualquer coisa que não joga, não bate a bota com a perdigota, como diz o povo.
A questão aqui é quando o politicamente correto desagua neste nonsense de representar dramas supostamente históricos, com atores que… bem… não se parecem nada. Da mesma maneira que não ocorreria a ninguém com dois dedos de testa, pôr, por exemplo, a sofrível atriz Catarina Martins a representar o abrutalhado D. Afonso Henriques, apesar da sua (dela) avantajada e burguesa corpulência.
Mas claro, notar isto é capaz de ser racismo. Racismo que, saliente-se “não existe de negros para brancos”, como muito bem declarou, quiçá sob o efeito de uma tonelada de alucinogénicos, a senhora Joana Cabral do SOS Racismo, em recente entrevista à TVI24.
Relembre-se que, quando a voz do Joe Gardner no filme “Soul”, da Pixar foi dobrada, na versão portuguesa, pela voz do Jorge Mourato, provavelmente um odioso white supremacist, estoirou um fragoroso escândalo. Rasgaram-se vestes, houve petições, declarações de Mamadou Ba, indignações cósmicas, aqui d’El Rei que se trata de “apropriação cultural” por parte do heteropatriarcado supremacista branco, e rebeubeubéu pardais ao ninho.
É que estas coisas não são uma estrada de duas vias. Aqui, no universo woke, a direção certa é só uma:
– para um lado, muito bem, inclusão, diversidade, andorinhas nos ninhos, aromas a lavanda e paz mundial;
– para o outro lado, racismo, apropriação cultural, black face, xenofobia, homofobia, transfobia, white privilege, regressão civilizacional, fascismo e Mordor.
Mas, porque não gosto de falar sem saber, tive uma certa curiosidade em averiguar por que razão foi escolhida a moreníssima jamaicana para representar a cara pálida inglesa. Se calhar, até haveria razões de peso para tal, sei lá, a falta de atrizes de pele menos morena, por causa do Covid e isso.
O que averiguei foi que havia que “desafiar todas as convenções e projetar uma luz feminista”.
Que Ana Bolena desafiou as convenções, não há qualquer dúvida. Além de causar um monumental cisma na Igreja, fez com que o rei repudiasse a pobre Catarina de Aragão e decapitasse o seu chanceler, Thomas More, o autor da “Utopia”. Até aí eu entendo.
O que não me entra assim à primeira, é a relação entre “luzes feministas” e cor da pele.
Os produtores afiançam, todavia, que “estão absolutamente encantados de poder contar com o magnetismo de Jodie Turner-Smith para enquadrar a determinação de Ana Bolena, em ser uma igual entre os homens e preparar o caminho da sua filha, Elizabeth.
Eu, por esta altura, já estava com um copito a mais, porque não só não vejo que a Jodie seja parecida com um homem magnético, como até comecei a imaginar o Diogo Infante no papel de Elizabeth.
Porém, antecipando as perplexidades “racistas”, os partidários da escolha da jamaicana salientam que, atenção, não era primeira vez que uma atriz BAME interpretava Ana Bolena.
Não sabem o que é BAME?…
Eu também não sabia, mas o Google nestas coisas woke está por dentro de tudo, e fiquei a saber que significa Black, Asian and Minority Ethnic, incluindo tudo menos os white, esses mafarricos cósmicos.
Fui confirmar e, de facto, Merle Oberon, nascida em Bombaim, em 1911, e aparentemente filha de um irlandês e de uma mestiça de Ceilão, já tinha representado Ana Bolena, em 1933, esse ano tão precocemente woke.
Ah, pronto, toma lá que já vais aviado!…
O facto de a senhora Merle ser muito menos morena que a nossa jamaicana, na verdade muito menos morena que a esmagadora maioria das não BAME, não é para aqui chamado.
O que importa é que a patrulha woke já está em condições de apontar o dedo acusador a todos aqueles, racistas e fascistas, pá, que achem estranho ter uma jamaicana da cor do ébano, a fazer de Ana Bolena.
E já que falámos na Disney, estou em pulgas para ver os “Avengers” na versão woke, diversa e inclusiva. Provavelmente com um novo Odin, um viking nascido em Wakanda, e a judia e louríssima Scarlett Johansson a fazer de Black Panther, para “desafiar as convenções e projetar luzes feministas”.
José do Carmo