Amónia verde: a nova bomba

aqui falámos do hidrogénio verde que, por si só, representa uma aposta ruinosa para a nossa frágil economia. Os projetos de hidrogénio verde em Portugal, que vão utilizar uma boa parte das verbas da UE destinadas a mitigar os danos económico-sociais da pandemia, pretendem extrair por eletrólise o hidrogénio da água e usar este hidrogénio verde para a mobilidade elétrica, para substituir parte do gás natural importado e na indústria que dele necessite, incluindo a petrolífera.

Porém, o hidrogénio, para além de ser uma aposta ruinosa, coloca sérios problemas técnicos de armazenagem e transporte, além de questões preocupantes de segurança. Mas os projetos vão avançar inexoravelmente. Já se viu que este Governo, tal como o de Sócrates, não tem uma oposição esclarecida e consciente do erro que eles representam.

Assim, após a delapidação de milhares de milhões de euros da bazuca, que serão gastos para pagar tecnologia estrangeira insipiente, vai acontecer quase de certeza um grave acidente com o hidrogénio. Deus queira que não haja vidas a lamentar nesse acidente pré-programado, mas o hidrogénio verde acabará, ele próprio, numa explosão pior do que a da bazuca que o financiou. Este é o nosso prognóstico.

Os grandes problemas de armazenagem e transporte do hidrogénio verde estão a fazer com que a comunidade verde procure formas de os contornar. Uma das ideias consiste em usar o hidrogénio verde para a produção de amónia que, por ter origem no hidrogénio verde, também se chamará verde.

Transformar hidrogénio em amónia é uma tecnologia assente, sendo o processo mais eficiente o de Haber-Bosch, cujo desenvolvimento valeu a Fritz Haber e a Carl Bosch os Prémios Nobel de Química de 1918 e 1931, respetivamente.

Resumidamente, o processo consiste em utilizar hidrogénio e azoto puros que reagem a alta pressão e temperatura, originando amónia, que é um composto (gás à temperatura e pressão ambientes) cuja molécula tem um átomo de azoto e três de hidrogénio. A reação liberta bastante calor, calor esse que é usado para manter a reação, mas de que grande parte se perde na separação da amónia por condensação. A perda de calor e a energia gasta na compressão dos dois gases fazem com que se deva ter em conta o rendimento energético desta transformação.

De facto, a reação do hidrogénio com o azoto pode considerar-se uma “primeira queima” do hidrogénio por se tratar de uma reação com libertação de calor. O produto da queima é amónia, que poderá depois sofrer uma segunda queima com oxigénio ou ser separado de novo em azoto e hidrogénio (mais perdas) para ser utilizado no final como combustível ou pilhas de combustível para gerar eletricidade. A formação da amónia a partir de azoto e hidrogénio dá-se com uma variação de entalpia (energia contida nos produtos) de menos 20% a que se somam os gastos do processo. Pelo que se pode, grosso modo, estimar um rendimento energético de 60% ou menos, pois mesmo para a obtenção do azoto a partir do ar é necessário gastar energia.

A utilização da amónia como “veículo” de armazenamento e transporte do hidrogénio verde implicará, portanto, uma perda adicional de energia, a somar às da produção do hidrogénio verde. Isto significa que, de 100 unidades de energia captadas do sol ou do vento, apenas 36 vão chegar ao consumidor (100×0,6×0,6), perdendo-se a energia pelo caminho, e exigindo investimentos astronómicos: produção de energia elétrica verde, geração de hidrogénio verde e transformação deste em amónia verde.

Fonte: Kapson

Apesar destas considerações técnicas com graves consequências económicas, existem já vários projetos para fazer da amónia verde uma nova arma de combate ao CO2 (leia-se combustíveis fósseis):

O Japão considera utilizar amónia verde como “aditivo” nas centrais a carvão, apesar de implicar um aumento de preço da eletricidade destas centrais em até 30%:

“Pesquisa reúne empresas do setor, universidades e órgãos do governo para desenvolver uma tecnologia que reduza a emissão de gases poluentes em usinas mais antigas”.

A Alemanha está focada na amónia (e no metanol) para fornecer energia verde:

“A amónia – uma substância química comum composta de um átomo de azoto rodeado por três de hidrogénio – é outra opção. O hidrogénio pode ser convertido em amónia líquida e vice-versa para ser transportado ao redor do globo”.

No sul da Austrália a maior fábrica de amónia verde ganha impulso:

“Considerado um dos principais potenciais transportadores químicos de hidrogénio, a amónia verde – um composto químico de azoto e hidrogénio renovável – também é um combustível potencial para centrais de grande escala, tornando-se numa oportunidade atraente de exportação”.

A amónia tem uma larga aplicação como matéria-prima para o fabrico de adubos e na indústria química, e é obtida principalmente a partir do hidrogénio produzido pelo processo de reformação de gás natural e do azoto separado do ar por arrefecimento, em cuja composição entra em 78%. A utilização da amónia como “veículo” do hidrogénio verde e como combustível é uma “aposta” absurda porque vai encarecer ainda mais esse bem essencial para a economia que é a energia.

Passaria pela cabeça de alguém com os pés no chão utilizar a amónia obtido do gás natural (cinzento?) como combustível? Certamente que não. Mas já sendo amónia verde, ninguém vê o absurdo porque os governos zelam pela viabilidade dos projetos, seja taxando os fósseis ou subsidiando, ainda que transitoriamente, os “verdes”.


Henrique Sousa
Editor para Energia e Ambiente do Inconveniente

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Sub-diretor do Inconveniente

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