
Em artigo do Expresso de 7-2-2022, o jornalista Miguel Prado, responsável pelos sectores de Energia, Ambiente e Saúde, escreve sobre a seca, o fim do carvão e a eletricidade. Elaborou um guia com uma dezena de perguntas às quais dá as respostas que entendeu adequadas ou convenientes. Por coincidência ou não, o Governo fez, minutos antes, este esclarecimento.
Segundo Miguel Prado, não vai faltar energia elétrica, apesar da seca e apesar do fecho das centrais a carvão, cuja “desativação coincidiu com um ano especialmente seco e com uma conjuntura de preços internacionais do gás natural em níveis recorde”. Houve aqui alguma falta de planeamento por parte do governo ou foi deliberado?
Miguel Prado tem razão quando relata que as centrais a carvão já pouco produziam e que assim ficamos com um “país livre de carvão”. Mas não explica porque é que produziam pouco.
Nas 10 perguntas e respostas, sobressai a ideia de que o país vai no bom caminho ao encerrar a produção de eletricidade a carvão que já não era economicamente viável face à produção a gás, e reconhece até que a produção a gás sofreu uma queda maior do que a do carvão: “Números que mostram que as centrais a gás natural tiveram uma queda de produção maior ainda que a das centrais a carvão”. O que explica esta queda?
De resto, Miguel Prado ilustra bem com números e percentagens as suas respostas, refere que de facto, em relação a 2020 Portugal teve em 2021 um saldo importador de eletricidade de Espanha mais alto (10% contra 3%), mas relativiza comparando este défice com alguns anos anteriores em que também esse saldo foi alto, como em 2019 (7%) e em 2012 (16%).
O que Miguel Prado ignora neste artigo, quiçá por não se coadunar com a tese que suporta (do abandono necessário do carvão), é que a utilização das centrais a carvão era diminuta porque eram impedidas de funcionar pelas energias com tarifas feed-in como as eólicas, solares e de biomassa. Neste artigo, publicado em 19-10-2021, mostrei como é que as “eólicas” escorraçaram as centrais a carvão, prevendo igual destino para as centrais a gás. Ao reconhecer que a queda de produção das centrais a gás foi ainda maior que a das centrais a carvão, Miguel Prado corrobora esta minha antevisão.
Quer se queira, quer não, a segurança no fornecimento de energia elétrica em Portugal só pode ser conseguida com combustíveis fósseis, gás e carvão. Agora já só nos resta o gás. Mas se a política em relação às “eólicas” não alterar, podemos vir a assistir também ao fecho das centrais a gás, ficando reduzidos às renováveis e à importação de Espanha. As centrais a gás só são económicas com uma utilização de 60 a 70% ou mais, sob pena da energia que produzem ser sempre mais cara do que poderia ser. Mas com a atual conjuntura política em torno do gás, acabar com a alternativa do carvão, coloca Portugal na dependência de Espanha.
Mas, apesar da seca, Miguel Prado refere que a entrada em funcionamento das hidroelétricas do Tâmega é que darão a segurança perdida com o fecho das centrais a carvão, embora a mais potente delas já esteja a funcionar.
Na sétima pergunta, se há riscos de segurança de abastecimento devido ao encerramento das centrais a carvão, Miguel Prado refere: “Em linguagem simples, a DGEG admite que num caso extremo de falha de um elemento crítico da rede (por exemplo, o abastecimento de gás natural), a potência firme e disponível para ser mobilizada a qualquer hora pode não ser suficiente para cobrir pontas de consumo”.
A cereja no topo do bolo vem na resposta à oitava pergunta que, com a devida vénia, reproduzimos na íntegra com destaques nossos: À pergunta “Se esse risco (de segurança) se concretizar, o que acontece?”, responde Miguel Prado:
“Conforme a DGEG sugere, as medidas adicionais para colmatar uma eventual insuficiência da oferta das centrais em Portugal podem incluir a colaboração de Espanha, disponibilizando mais produção para exportar para Portugal, mas também medidas de redução da procura do lado de cá. Reduzir o consumo dos consumidores industriais será uma das vias, e fazer deslastres (cortes) pontuais de consumos não prioritários é outra solução. Este é, contudo, um cenário extremo. Segundo a DGEG, a partir de 2025 o padrão de segurança da rede elétrica é sempre cumprido. E, na verdade, poderá sê-lo antes disso, caso a Iberdrola consiga colocar as três centrais do Tâmega em operação antes dessa data. A primeira e mais potente dessas três centrais já está ligada à rede elétrica.”
Miguel Prado, ao garantir que só 2% do mix que importamos de Espanha é que provém do carvão, esquece-se que os eletrões não têm cor e a energia do carvão (embora pouca) foi substituída por energia importada, seja de Espanha, seja donde for.
Mas a questão principal não é a pouca energia que deixámos de ter do carvão cujas centrais foram escorraçadas pelas “eólicas”. O busílis é que os quase 2 GW de potência firme das centrais a carvão desapareceram e passámos a depender só das importações de Espanha e do gás natural importado, estando este envolto num futuro muito incerto e a ser também escorraçado cada vez mais pelas “eólicas” que não garantem segurança alguma, e esperando por mais hidroelétricas em cenário de seca e na iminência de ser necessário reduzir consumos industriais e haver cortes – o que já é suficientemente grave.
Outro argumento que muitas vezes se usa em discussões sobre eletricidade, e que Miguel Prado também invoca, é que a MIBEL (Mercado Ibérico de Eletricidade) permite comprar a eletricidade a preços mais baixos. Mas isso é um artifício que apenas serve para esconder os custos de produção dos vários sistemas porque o eletrão não tem cor. Mas cada central produz a eletricidade a um custo independente do preço da eletricidade no mercado. E é esse custo que importa fazer baixar para que os preços depois possam baixar. E o custo de produção do kWh das centrais a gás ou a carvão depende muito da sua utilização que as “eólicas” degradam, aumentando o custo da sua eletricidade. A descida de preço no MIBEL quando há muita produção “eólica” segue regras que não alteram em nada o custo de produção das centrais, sejam elas quais forem. O resto é misturar alhos com bugalhos e com eletricidade.
Henrique Sousa