A intolerância dos virtuosos

Seth Jahn, ex-polícia, ex-militar dos “Green Beret” , fez comissões no Iraque e Afeganistão, como militar e civil. Ferido em combate, ficou com sequelas físicas permanentes. Tal não o impediu de subir montanhas, lutar na MMA e ser chamado à selecção americana de futebol, tendo inclusivamente participado nos Jogos Paralímpicos de 2016, no Brasil.

Um ano antes, tinha feito um hat-trick num jogo contra Portugal, na Póvoa de Varzim. Fazia, até há dois dias, parte do Conselho de Atletas da Federação de Futebol dos EUA.

Seth Jahn é mestiço de índios, e isso é relevante para o caso porque, segundo a neomarxista Teoria Crítica da Raça, faz parte de uma minoria “oprimida” pelo “heteropatriarcado branco”, o que lhe conferiria automaticamente o direito de opinião sobre o tema.

Na semana passada, numa reunião desse órgão, resolveu opinar sobre a recente decisão da Federação de Futebol americana, de acabar com a proibição de os atletas usarem o toque do hino nacional americano prévio aos jogos, para fazerem certos protestos de carácter politico em função da “justiça social”.

O que SJ disse foi que, num momento em que “tudo ofende todos”, e alguns usam a sua liberdade de expressão para se manifestarem de certa maneira perante os símbolos nacionais, “eu também sinto que devo dizer que sou mestiço e representante das pessoas mais perseguidas da história de nosso país, os nativos americanos.”

Até aqui, tudo ia bem, SJ estava ainda dentro dos limites do discurso autorizado pela patrulha ideológica woke apesar daquela indirecta do “tudo ofende todos”.

Mas depois prosseguiu com factos, e a blasfémia tornou-se intolerável:

95% das mortes em comunidades negras, acontecem às mãos de outros negros”, disse SJ.  (‘É um  facto, são números do FBI mas essas black lives don’t matter).

Quanto à escravatura, SJ atreveu-se a referir o facto de que “na história da humanidade, não houve raça que, em algum momento, não tivesse sido escravizada por outro grupo. Os negros foram escravizados. Os hispânicos foram escravizados. Os asiáticos foram escravizados. Os nativos foram escravizados. Os brancos foram escravizados. Estive em Africa durante dois anos e meio e podiam comprar-se escravos por preços que iam dos 300 aos 800 dólares”.

“Onde estão”, prosseguiu escandalosamente, “os guerreiros da justiça social e os jornalistas para denunciar essas atrocidades reais?

Foram os EUA que mais lutaram para  abolir a escravatura. 400 000 americanos morreram para que isso acontecesse, sob a bandeira e o hino que os atletas agora usam para se ajoelharem. O seu sacrifício é contaminado a cada joelho que toca no chão”.

Eu leio esta declaração do senhor SJ e detecto apenas factos incontestáveis e juízos éticos consequentes. Concordo com eles a 100%.

Não vejo aqui nenhum racismo, nenhuma “fobia”, nenhum “fascismo”, nada que não seja uma opinião sustentada e racional, uma ilha de common sense, num ambiente cultural tóxico, imbecil, intolerante, totalitário e destrutivo para qualquer grupo humano que se orgulhe da sua identidade e pertença e queira ter futuro como um “nós”.

“Nós, o povo”, como se diz no documento fundacional dos EUA, um “nós” que já existia antes da sua oficialização como nação e estado.

Mas a Inquisição, perdão, a patrulha woke, reagiu de imediato com toda a fúria intolerante dos totalitários.

Set Jahn foi “removido” do órgão, porque “violou a política” que “proíbe o assédio racial ou outro”, “incluindo qualquer acto verbal em que a raça é usada, explicita ou implicitamente, de forma que incomode  qualquer  pessoa razoável. O conselho  não tolera este tipo de linguagem e considera-o incompatível com a participação no conselho. Embora o conselho entenda que cada pessoa tem direito à sua própria opinião, há certas opiniões que vão além do que é apropriado ou aceitável”.

Esta declaração da nova Inquisição é notável porque está cá tudo:

  • A arrogância de reivindicar para si a definição do que é razoável, aceitável, incomodativo, compatível, em suma, o que é o “bem” e o que é “mal”.
  • A completa recusa em aceitar os factos como base do discurso, desde que estes contrariem a narrativa ideológica.
  • A intolerância de quem, tendo poder, “não tolera este tipo de linguagem”.
  • O implacável autoritarismo que não hesita em esmagar e expulsar o blasfemo que se permite emitir uma opinião livre, contrária à ortodoxia, mesmo que ele seja, factualmente, um elemento de um grupo “oprimido”.
  • A contradição insanável de reconhecer que  “cada pessoa tem direito à sua própria opinião”, para logo a seguir, e na mesma frase, decretar exactamente o contrário. Ou seja que “há certas opiniões que vão além do que é apropriado ou aceitável”, sendo que quem decreta isto é quem se arroga o poder de definir o que é apropriado e aceitável.

Isto passa-se nos EUA e não tem nada a ver connosco?

Errado!

Passa-se num país onde as leis sobre liberdade de expressão são das mais garantísticas. Passa-se num país onde o acesso ao direito é dos mais generalizados. Passa-se num país onde se geram ondas que acabam por chegar a todo o lado, agora com enorme rapidez, dada a velocidade a que a informação circula.

Vai chegar cá, já está a acontecer perante os nossos olhos, e o terreno é infinitamente mais fértil, porque nem as nossas leis protegem a liberdade de expressão com tanta determinação, nem o acesso aos tribunais é fácil e barato, nem os média, nem o ensino, têm a mínima vontade e capacidade de sustentar qualquer ideia que contrarie e hegemonia woke.


José do Carmo

*O autor usa a norma ortográfica anterior.

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