Sim, hoje tive um sonho que me tirou do estado psíquico em que tenho vivido quase sempre – dissonância cognitiva. Uma pessoa experimenta dissonância cognitiva quando procura coerência entre aquilo que admite estar certo e a realidade onde se insere, tendo que desenvolver acções e ter comportamentos que não se encaixam no seu quadro cognitivo.
Nem todos os estados de dissonância cognitiva nos afetam de forma grave, mas alguns parecem tão extremos que podem levar à loucura ou mesmo ao suicídio. À loucura completa são levados por exemplo os terroristas que tentam fazer prevalecer pela violência aquilo que têm como certo por uma razão de crença ou de ideologia. Ao suicídio são levados aqueles fracos que desistem simplesmente de procurar a tal coerência salvadora entre o que pensam estar certo e a realidade que vivem ou são obrigados a viver.
Porém, tirando os casos extremos acima mencionados, todo aquele que vive em dissonância cognitiva, procura de alguma forma aliviar essa espécie de tensão, parecida com a tensão que se experimenta quando se ouve uma música e se espera pelo retorno ao tom ou acorde primordial. Só que, na dissonância cognitiva, a música continua sempre dissonante e somos levados a ter de aceitá-la tal como é, mas à custa de uma cedência que nos pode levar ou a um estado robótico ou catatónico (segundo haja atividade ou não). E nestes dois estados vive hoje muita gente, excepto aqueles que não construíram um certo edifício cognitivo e ético para os nortear na vida, levando-a ao sabor dos ventos.
Uma forma de aliviar a dissonância cognitiva é denunciando-a quando é imposta do exterior. Imposição que pode resultar das leis que nos governam e das acções dos governantes. Vejamos alguns exemplos inspirados na atual pandemia da Covid:
Não se percebe que, tendo esta pandemia posto a nu as graves deficiências do SNS, do Ensino, da Segurança Social e das empresas, se pense utilizar as verbas disponibilizadas pela UE para projetos megalómanos de pontes, aeroportos, hidrogénio, transição digital, TGV, etc.
Não se percebe a inexistência de uma separação dos hospitais em Covid e não-Covid, fazendo com que os doentes não-Covid prefiram morrer em casa de cancro, AVC e outras doenças para não correrem o risco de ser contagiados no hospital.
Não se percebe que, quando começou o ‘combate’ à pandemia, se tenha dado mais 800 milhões de euros ao Novo Banco, verba que daria para construir dois bons hospitais. E, tendo em conta o total de verbas que o Novo Banco vai precisar, quatro mil milhões, poder-se-ia construir dez bons hospitais novos.
Não se percebe a ‘nacionalização’ por 1,2 mil milhões de euros da TAP, verba que daria para mais três bons hospitais. E já se fala em mais quatro mil milhões, ou seja mais dez hospitais novos.
Não se percebe que em caso de lay-off as empresas beneficiadas não possam despedir trabalhadores, mas o Novo Banco e a TAP, empresas que mais dinheiro recebem do Estado, possam!
Não se percebe que havendo tantos bons hotéis às moscas, não tenham eles sido já usados para alojamento adequado daqueles idosos condenados à morte em lares sem condições nenhumas.
Não se percebe que se insista em confinar toda a gente quando já se sabe quais as pessoas dos grupos de risco e não sejam estas, e só estas, a ficarem isoladas e bem cuidadas, deixando a sociedade funcionar mais normalmente.
Não se percebe que se queira reduzir as aglomerações de pessoas e se reduzam os horários de funcionamento em vez de os alargar mais.
Não se percebe que se autorizem congressos e eventos em espaços fechados com centenas de pessoas e não se permitam espectadores nos estádios de futebol ou em espectáculos ao ar livre.
Não se percebe um infindável número de ações e leis do Governo nesta pandemia.
Mas hoje tive um sonho que me iluminou e aliviou deste peso que carrego por causa da dissonância cognitiva. Sonhei que é tudo gente louca, não só agora mas desde sempre. É que, vendo bem, tudo o que se tem passado na nossa história recente é uma sucessão de atos de loucura, entrecortados por períodos de acalmia que acabam quando o poder é retomado pelos loucos varridos.
E não calculam o alívio que senti, ao poder assim, para mim próprio, justificar tudo o que está a acontecer e que eu não percebo e resolver a minha dissonância cognitiva.
Henrique Sousa
Isabel Deus Pecegueiro / Fevereiro 20, 2021
Excelente artigo, no qual me revejo. Só não sei se robotizada ou catatónica. Ainda bem que aponta uma saída, se bem que, para mim, insuficiente.
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