A Carta Aberta dos censores

A “Carta aberta às televisões generalistas nacionais” publicada no Público, de 23-02-2021, não me causou admiração. O tom, a forma e o conteúdo da carta, exigindo aos jornalistas e comentadores o exercício da autocensura, é uma marca estruturante do pensamento e linguagem de esquerda. Onde a esquerda governa, há censura. A esquerda não combina com tolerância. Encara a liberdade de expressão como meramente instrumental. O conteúdo da carta assinada por um grupo de professores universitários, escritores, artistas e médicos, envergonha qualquer democrata.

Leia-se esta pérola:

 “Não aceitamos o tom agressivo, quase inquisitorial, usado em algumas entrevistas, condicionando o pensamento e as respostas dos entrevistados.

Nova pérola apelando explicitamente à censura:

“Não aceitamos a obsessão opinativa, destinada a condicionar a receção da notícia, em detrimento de uma saudável preocupação pedagógica de informar.”

Os subscritores da carta não admitem que os jornalistas escrutinem o poder político, a não ser que este seja de direita:

E não podemos admitir o estilo acusatório com que vários jornalistas se insurgem contra governantes, cientistas e até o infatigável pessoal de saúde por, alegadamente, não terem sabido prever o imprevisível – doenças desconhecidas, mutações virais – nem antever medidas definitivas, soluções que nos permitissem, a nós, felizes desconhecedores das agruras do método científico, sair à rua sem máscara e sem medo, perspetivar o futuro.

Os subscritores da carta não gostam que os jornalistas mostrem a desorganização e caos do SNS. Defendem abertamente a censura, a ocultação dos factos, sacrificando a liberdade de expressão no altar de uma sacrossanta pancada ideológica que dá pelo nome de SNS: salve-se o SNS, ainda que tal signifique a morte de milhares de doentes não-Covid privados de cuidados de saúde. Leiam mais esta pérola do esquerdismo censório:

Mesmo sabendo a importância da informação sobre a pandemia, não podemos aceitar o apontar incessante de culpados, os libelos acusatórios contra responsáveis do Governo e da DGS, as pseudonotícias (que só contribuem para lançar o pânico) sobre o “caos” nos hospitais, a “catástrofe”, a “rutura” sempre anunciada, com a hipotética “escolha entre quem vive e quem morre”, a sistemática invasão dos espaços hospitalares, incluindo enfermarias, a falta de respeito pela privacidade dos doentes, a ladainha dos números de infetados e mortos que acaba por os banalizar, o tempo de antena dado a falsos especialistas, as entrevistas feitas a pessoas que nada sabem do assunto, as imagens, repetidas até à náusea, de agulhas a serem espetadas em braços, ventiladores, filas de ambulâncias, médicos, enfermeiros e auxiliares em corredores e salas de hospitais.

Para a esquerda, o jornalismo de investigação só é tolerado quando se trata de investigar a direita. O governo de esquerda é, para esta gente, a definição do Bem e da Virtude, pelo que está acima de qualquer escrutínio ou crítica.

Todos sabemos que para os esquerdistas só há culpados à direita. A esquerda é, por natureza, livre do pecado. A razão é simples: a esquerda nunca erra por má intenção, mas por uma qualquer razão que saia fora do seu controlo. Para os esquerdistas, a bondade de um acto mede-se pela intenção e não pelas consequências. É por isso que a esquerda está sempre a reinventar-se, qual Fénix, mantendo viva a promessa que da próxima vez é que vai ser.

E para que não se esqueça quem são, aqui fica a lista dos subscritores da Carta Aberta:

Abílio Hernandez, Professor universitário; Alberto Melo, Dirigente associativo; Alfredo Caldeira, Jurista; Alice Vieira, Escritora; Ana Benavente, Professora universitária; Ana Maria Pereirinha, Tradutora; António Rodrigues, Médico; António Teodoro, Professor universitário; Avelino Rodrigues, Jornalista; Bárbara Bulhosa, Editora; Diana Andringa, Jornalista; Eduardo Paz Ferreira, Professor universitário; Elísio Estanque, Professor universitário; Fernando Mora Ramos, Encenador; Graça Aníbal, Professora; Graça Castanheira, Realizadora; Helder Mateus da Costa, Encenador; Helena Cabeçadas, Antropóloga; Helena Pato, Professora; Isabel do Carmo, Médica; J.-M. Nobre-Correia, Professor universitário; Jorge Silva Melo, Encenador; José Rebelo, Professor universitário; José Reis, Professor universitário; José Vítor Malheiros, Consultor de Comunicação de Ciência; Luís Farinha, Investigador; Luís Januário, Médico; Manuel Carvalho da Silva, Sociólogo; Manuela Vieira da Silva, Médica; Maria do Rosário Gama, Professora; Maria Emília Brederode Santos, Pedagoga; Maria Manuel Viana, Escritora; Maria Teresa Horta, Escritora; Mário de Carvalho, Escritor; Paula Coutinho, Médica intensivista; Pedro Campiche, Artista multidisciplinar; Rita Rato, Directora do Museu do Aljube; Rui Bebiano, Professor universitário; Rui Pato, Médico; São José Lapa, Actriz; Tiago Rodrigues, Encenador; Vasco Lourenço, Capitão de Abril.


Ramiro Marques

* O autor usa a norma ortográfica antiga.

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Latest comment

  • Numa coisa concordo com os subscritores da carta, e não tem a ver com censura mas com bom senso :
    » a treta das seringas nos telejornais já tresanda a estupidez !
    Já antes do COVID-19, era notória uma certa apetência para imagens de colonoscopia na hora das refeições.
    Compreendo que depois da crise do subprime, e mais o covid-19 os conteúdos escasseiam, e torna-se difícil ocupar todo o tempo de antena disponível.
    Que tal fazer jornalismo à séria ? Por exemplo jornalismo de investigação ! Há tanto assunto por explorar!
    Os políticos são uma fonte incessante de conteúdos, basta estar com atenção ao que dizem e ao que fazem para ver que assunto não falta, haja vontade claro!
    Por exemplo : A grande maioria dos políticos e intelectuais da actualidade diz-se “ecologista”, ou seja preocupado com as questões ambientais (preservação da natureza, cuidados a ter com espécies exóticas, protecção das espécies autóctones …), mas quando se trata do bicho Homem, e pior ainda se for da sub-espécie Homem-branco toda essa lógica de preservação é invertida, e aquilo que podia ser visto como auto-preservação é prejorativamente apelidado de “racismo”.
    Será que o Homem já não faz parte da Natureza?
    Quanto à lista dos subscritores, em vez da função actual seria interessante referir a função pela qual se tornaram conhecidos ou até a função do cara-metade (*), e assim tínhamos :
    Deputada do PCP, dirigente sindical, casado com a Ministra da Justiça e outras actividades deveras relevantes.
    (*) faz sentido pela partilha de interesses.

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